Pandemia

Covid moderada pode aumentar risco de AVC

Combinação de complicações é mais comum em pacientes com menos idade e sem fatores de risco para o derrame, como a hipertensão

Pacientes jovens e saudáveis infectados pelo novo coronavírus têm riscos maiores de serem acometidos por acidente vascular cerebral (AVC), mostra estudo divulgado na última edição da revista especializada Neurosurgery. A relação foi observada por cientistas dos Estados Unidos ao investigarem pacientes que sofreram formas mais graves de derrame cerebral. A equipe constatou, ainda, que a maioria dos casos se deu em indivíduos que desenvolveram também quadros moderados da covid-19.

No artigo, os autores explicam que, ao longo da crise sanitária, vários estudos avaliaram se infectados pelo coronavírus poderiam apresentar um risco aumentado para AVC. Os resultados obtidos, porém, não foram consistentes. Isso provavelmente ocorreu porque a maioria das investigações avaliou todos os casos de AVC, em vez de separá-los por nível de gravidade, afirma Pascal Jabbour, um dos autores do estudo.

"No início da pandemia, muitos neurocirurgiões observaram uma tendência alarmante em pacientes com AVC grave (…) Esses indivíduos eram, geralmente, mais jovens, tinham vários vasos grandes bloqueados e, muitas vezes, apresentaram resultados piores do que nossos pacientes habituais, o que nos motivou a olhar esses casos mais de perto", relata, em comunicado, o também pesquisador da Universidade Thomas Jefferson.

Para a análise, os cientistas se basearam em um número amplo de pacientes, contando com a parceria de 50 centros de saúde especializados no tratamento de derrame cerebral. Os pesquisadores reuniram dados coletados entre 25 de fevereiro e 30 de dezembro de 2020, de um total de 575 pacientes com casos mais graves de AVC — aqueles com oclusões ou bloqueios de grandes vasos que, geralmente, desencadeiam sequelas mais severas. Desse total de pacientes, 194 testaram positivo para a covid-19.

Os pesquisadores examinaram os dados para comparar as características dos dois grupos e descobriram que os pacientes com covid-19 e casos graves de AVC eram quase 10 anos mais jovens (idade média de 62,5 anos), em comparação com o grupo sem covid (71,2 anos). As análises comparativas também revelaram que o grupo com covid era composto pelo dobro de pessoas com menos de 50 anos, além de os integrantes serem mais saudáveis. "Nossa avaliação revela que esses pacientes tinham muito menos fatores de risco cardiovascular usuais para o derrame, como hipertensão e doenças cardíacas", frisa Adam Dmytriw, um dos autores do estudo e pesquisador do Massachusetts General Hospital.

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Primeiro sintoma

Dmytriw conta, ainda, que, para muitos pacientes — até 34% com base em pesquisas anteriormente comandada pelo grupo —, o derrame foi o primeiro sintoma da covid-19. "Eles não sabiam que tinham a infecção até que estavam no hospital por causa do AVC", diz. Outro ponto que chamou a atenção dos cientistas foi a taxa de pacientes que sofreram AVC e a forma moderada da covid-19: 75,5%. "Não foi preciso uma doença grave para causar esses derrames maciços", diz Jabbour.

Segundo a equipe, a infecção complicou o tratamento do derrame, que, geralmente, envolve a remoção do coágulo dos grandes vasos sanguíneos do cérebro. Nesses pacientes, também com covid-19, os cirurgiões tinham, em média, 60% mais risco de encontrarem dificuldades para limpar completamente o bloqueio. Isso pode ter ocorrido porque os próprios vasos sanguíneos estavam inflamados devido à infecção pelo novo coronavírus ou porque os pacientes com a infecção também tinham maior probabilidade de desenvolver coágulos em diferentes territórios vasculares no corpo em geral e nos vasos cerebrais em particular. "A maioria dos derrames mais graves envolve bloqueio em um único vaso. Por isso, era incomum ver vários vasos envolvidos nos pacientes com covid-19", explica Jabbour.

Morte

No geral, os pacientes com covid-19 e derrame grave tiveram 40% de probabilidade de óbito, uma taxa de risco maior do que a geralmente relatada para derrames cerebrais. "Essas tendências são muito preocupantes e validam a experiência de muitos cirurgiões especializados em AVC em todo o mundo", enfatiza Dmytriw. É o que também observa Luciano Lourenço, clínico geral e chefe da Emergência do Hospital Santa Lúcia, em Brasília. "Esse é mais um resultado que corrobora um entendimento que foi construído ao longo da pandemia, ele reforça o que já havia sido percebido dentro dos hospitais. Tivemos também taxas maiores de pacientes que precisaram de suporte respiratório, independentemente da idade. E essas complicações em jovens acontecem devido à alta inflamação e à coagulabilidade desencadeadas pela enfermidade. Esse segundo fator é o que pesa nos casos de AVC mais graves", detalha.

Para o médico brasileiro, os dados podem contribuir para melhorar o enfrentamento à covid-19. "Novas informações como essas, sem sombra de dúvidas, vão nos auxiliar durante o tratamento de pacientes, que podem ter um atendimento melhor direcionado, um suporte que surge graças aos dados vistos nesse tipo de avaliação científica", justifica. A equipe americana pretende dar continuidade ao trabalho para entender melhor a relação entre as duas enfermidades. "As vacinas contra covid-19 estão reduzindo a gravidade da doença em pacientes vacinados. Resta saber se isso pode gerar sintomas menos graves de AVC nessas pessoas. Os dados para esse estudo foram coletados durante o auge da pandemia, antes que as vacinas estivessem disponíveis. É uma área que gostaríamos de explorar em pesquisas futuras", adianta Jabbour.

Crupe grave em crianças

Comum em bebês e crianças pequenas e responsável por uma tosse ladrante (popularmente chamada de "tosse de cachorro"), a síndrome do crupe é mais uma complicação da covid-19 no público infantil. Cientistas chegaram à conclusão ao observarem dados médicos de 75 pacientes atendidos na ala emergencial de um hospital dos EUA, entre 1º de março de 2020 e 15 de janeiro de 202.

A maioria das crianças com covid-19 e a síndrome tinha menos de 2 anos e era do sexo masculino. Nove casos foram "surpreendentemente graves", exigindo hospitalização e mais doses de medicamentos, em comparação com situações em que a síndrome do crupe é desencadeada por outros vírus. Quatro deles demandaram cuidados de terapia intensiva, e nenhuma criança morreu. "A taxa de hospitalização relativamente alta e o grande número de doses de medicamentos que nossos pacientes com covid-19 necessitaram sugerem que o novo coronavírus pode causar uma crupe mais grave em comparação com outros vírus, mas mais pesquisas são necessárias para determinar as melhores opções de tratamento para esse grupo', afirma, em comunicado, Ryan Brewster, primeiro autor do estudo, publicado na revista Pediatrics.

Pouco mais de 80% dos casos se deram quanto a variante ômicron já era dominante no país."Estudos de covid-19 em animais descobriram que essa cepa tem mais 'preferência' pelas vias aéreas superiores do que as variantes anteriores, que visam principalmente o trato respiratório inferior. Isso pode explicar o aparecimento súbito de crupe durante o surto de ômicron", cogita Brewster.

A síndrome, conhecida clinicamente como laringotraqueíte viral, surge quando resfriados e outras infecções virais causam inflamação e inchaço ao redor da caixa de voz, da traqueia e dos brônquios. Além da tosse característica, causa rouquidão, febre e, em casos graves, prejuízos à respiração.