Encontrar um parceiro de vida é considerado um marco importante, que exige ponderação e cuidadosas análises.
Nós queremos alguém com planos de longo prazo similares aos nossos. Alguém que nos atraia e com quem possamos nos sentir confortáveis em dividir casa, finanças e, talvez, filhos. Afinal, essa pessoa é a parceira de vida - e, naturalmente, nós presumimos que teremos cuidado com essa decisão.
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Mas, na verdade, talvez nós sejamos menos seletivos com a pessoa com quem passaremos nossa vida do que pensamos. Pesquisas apontam inclinações ocultas que indicam que nós damos chances às pessoas, mesmo se elas não atenderem exatamente aos nossos critérios. E, quando escolhemos um parceiro, somos levados por uma tendência psicológica chamada de "viés de progressão" para permanecer no relacionamento sem rompê-lo.
Em outras palavras, somos projetados para ficar em um relacionamento amoroso, segundo os psicólogos - mesmo com a tendência atual, manifestada por jovens, de rejeitar o casamento em favor de uma abordagem calculada para permanecer solteiro. Ainda assim, mesmo que instintos evolutivos e pressões da sociedade nos conduzam para a vida de casado, conhecer nosso viés de progressão poderá nos ajudar a entender por que escolhemos determinados parceiros - e por que acabamos ficando com eles.
Atirar-se de cabeça
Somos condicionados a pensar em namoro como um processo de seleção rigoroso. Um estudo conduzido em 2020 pelo Centro de Pesquisa Pew em Washington, nos Estados Unidos, demonstrou que 75% dos norte-americanos acham "difícil" encontrar pessoas para namorar.
Os jovens também estão levando mais tempo para se estabelecer. Além de priorizar a estabilidade financeira, eles estão levando mais tempo para se conhecer antes do casamento do que as pessoas de outras faixas etárias.
Mas Samantha Joel, professora de psicologia da Universidade do Oeste, e Geoff MacDonald, professor de psicologia da Universidade de Toronto, ambas no Canadá, defendem que as pessoas não são tão seletivas sobre seus parceiros quanto pensam. Em julho de 2020, eles publicaram seu estudo teórico resumindo as formas como o viés de progressão impulsiona as pessoas a começar e manter relacionamentos com menos critério do que elas acreditam.
Suas descobertas foram duas: primeiro, que existem evidências substanciais de diversos estudos que indicam que as pessoas são muito menos seletivas para escolher alguém para namorar do que elas pensam. As pessoas são atraídas por uma variedade muito mais ampla de parceiros potenciais do que imaginam; elas estão dispostas a ajustar seus padrões e relevar possíveis falhas dos parceiros; e também acabam rapidamente ligadas a esses potenciais parceiros, mesmo que eles não sejam necessariamente seus parceiros ideais.
Em um dos experimentos conduzidos por Joel e MacDonald, eles descobriram, por exemplo, que a maioria dos estudantes universitários relatou que rejeitaria potenciais parceiros que não fossem atraentes ou que tivessem alguma característica que os participantes consideravam "inaceitável", em uma situação hipotética.
Mas esses números dispararam quando o cenário de formação de casais foi apresentado como sendo real e não hipotético - o que indica que os estudantes eram muito menos seletivos em seus relacionamentos amorosos que alegavam ser e que eles superestimavam sua disposição para rejeitar as pessoas.
A segunda descoberta do estudo de Joel e MacDonald é que, além de sermos menos seletivos sobre as pessoas que namoramos do que imaginamos, temos a tendência de permanecer nos relacionamentos e tentar fazê-los progredir, em vez de rompê-los.
Os acadêmicos indicam estudos que demonstram que terminar um relacionamento é mais doloroso quanto mais conectado emocionalmente você estiver; que a separação é mais desgastante quanto maiores forem as suas conexões logísticas com seu parceiro, por fatores como casamento e finanças; e que os casais têm mais benefícios culturais (como maior facilidade para alugar imóveis) que outras pessoas.
O viés de progressão, segundo Joel, é similar às tendências psicológicas exibidas pelas pessoas em outros campos, fora dos relacionamentos: a falácia dos custos irrecuperáveis (não querer jogar fora o que você já investiu); o viés dos status quo (decidir manter a situação atual em vez de rompê-la e causar desconforto); e optar pela satisfação sobre a maximização (acomodar-se com "bom o suficiente" em vez de sair em busca do ideal). E esse viés para escolher um parceiro provavelmente é alimentado por dois fatores: evolução e normas culturais.
Milhões de anos atrás, ser excessivamente exigente teria impedido nossos ancestrais de encontrar parceiros. E permanecer por longo tempo com os parceiros era uma vantagem evolutiva: significava que os filhos do casal teriam dois pais em vez de um, aumentando a probabilidade de sua sobrevivência.
Esses comportamentos ainda podem ser encontrados entre nós hoje em dia, segundo Alec Beall, pesquisador em pós-doutorado na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, que estuda a evolução e a psicologia de namoro e atração. "Muito embora algumas das vantagens dos relacionamentos amorosos de longo prazo não sejam tão fundamentais hoje em dia como eram na pré-história, essas pressões de seleção ainda causam efeitos sobre o nosso comportamento moderno até hoje", afirma Beall.
Existe também o aspecto cultural. "A cultura ocidental valoriza o casamento como o tipo mais importante de relacionamento íntimo, tratando o ato de casar-se como uma realização pessoal ou indicador de maturidade", explica Joel. "O casamento traz um status social que pode incentivar as pessoas a se estabelecer, independentemente de quem seja o seu parceiro atual ou da qualidade que esse relacionamento pode ter."
Os ideais românticos também influenciam nosso comportamento. Uma pesquisa do instituto britânico YouGov realizada em 2021, entre 15 mil norte-americanos, concluiu que 60% dos adultos acreditam em almas gêmeas. Esse pensamento de conto de fadas pode causar sérios prejuízos.
Joel afirma que os pesquisadores chamam essa linha de pensamento de "crenças no destino", que podem ser parte das razões pelas quais muitos de nós adotamos o viés de progressão. "Muitas vezes, não é muito difícil convencer-se de que a pessoa que você está namorando, na verdade, é a sua alma gêmea", afirma Joel.
Alcançar o equilíbrio
Nossa tendência inata de persistir com os relacionamentos às vezes pode ser benéfica, pois ela significa comprometer-se com um parceiro a enfrentar qualquer problema.
"À medida que o tempo passa, você começa a desenvolver um histórico de relacionamento, a narrativa sobre aquilo que vocês fizeram juntos e, particularmente, os obstáculos que vocês superaram", afirma Robert Levenson, professor de psicologia da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, que estudou os relacionamentos longos. "Tudo [isso] é positivo e mantém você no relacionamento, mesmo quando a situação fica um pouco difícil."
O desconhecimento do viés de progressão pode também levar as pessoas para o caminho errado, fazendo com que elas fiquem com alguém com quem elas não combinam. "O lado ruim é que, às vezes, as pessoas ficam em relacionamentos quando deveriam sair", afirma Levenson.
Estamos também vivendo em uma era com escolhas infinitamente maiores. "Os seres humanos podem ter desenvolvido o viés de progressão para suprimir a capacidade de escolha durante o nosso passado evolutivo, mas isso não significa que a melhor ideia é sempre ficar preso a essa fantasia em uma era em que a maioria de nós facilmente encontrará mais de 500 pessoas ao longo da vida", afirma Alec Beall.
"É importante encontrar um equilíbrio. Não fique com qualquer pessoa, mas também não passe toda a vida esperando encontrar a pessoa perfeita que atende a todos os requisitos - evolutivamente, essa pessoa provavelmente nem existe", ressalta ele.
Mas, no final das contas, o seu nível de exigência pode não ser tão importante quanto fazer um balanço regular do seu relacionamento atual, segundo sugerem os especialistas. Se você estiver infeliz, mas não fizer nada sobre isso, reconheça que você pode estar sendo vítima do viés de progressão.
"Nossa conclusão foi que os melhores índices da qualidade dos relacionamentos são, de longe, como as pessoas se sentem sobre diversos aspectos do próprio relacionamento", segundo Samantha Joel. A questão não é o parceiro que você escolheu, mas sim a parceria que vocês construíram.
"Talvez não seja tão proveitoso ficar procurando um parceiro que pareça bom no papel. Mas, sim, é benéfico, quando você namorar alguém, procurar os sinais iniciais de que o relacionamento está se tornando construtivo e saudável", conclui ela.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.
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