Endurance emerge, sem sair do mar

Veleiro afundado na Antártida há 107 anos é localizado, praticamente intacto, a uma profundidade de 3 mil metros. A embarcação vai continuar nas águas geladas, pois o local do naufrágio é patrimônio histórico

O barco naufragado mais procurado da história foi encontrado na costa da Antártida, 3.008 metros abaixo da superfície, anunciou, ontem, a expedição de pesquisa responsável pela busca. O Endurance, veleiro do legendário explorador anglo-irlandês Sir Ernest Shackleton foi localizado no Mar de Weddell no sábado, exatamente 100 anos depois do funeral de seu capitão, segundo a fundação Falklands Maritime Heritage Trust, que organizou a missão.

Os restos do Endurance, fabricado em madeira, estão a 6km do local onde afundou, em 1915. "(O barco) está de pé, muito orgulhoso, no fundo do mar, intacto, em um fantástico estado de preservação", disse Mensun Bound, diretor da missão. "Você pode até ler o nome 'Endurance' na popa", acrescentou.

O leme do navio permanece intacto. Há também equipamentos empilhados contra a amurada, como se a tripulação tivesse acabado de abandonar o navio. Um dos mastros está quebrado, mas a estrutura, embora danificada, ainda está de pé. Nada foi retirado do local, considerado patrimônio histórico.

Lendário

No fim de 1914, o Endurance partiu da Ilha Geórgia do Sul, no Atlântico Sul, em uma tentativa da Expedição Transantártica Imperial de Shackleton de fazer a primeira travessia do continente antártico. Naquela época, no início do século 20, a conquista dos pólos inspirou muitos exploradores, incluindo Ernest Shackleton, que queria se tornar o primeiro homem a cruzar a Antártica de ponta a ponta, do Mar de Weddell ao Mar de Ross. A aventura durou dois anos e terminou em fracasso, mas a jornada épica de Shackleton entrou para a história.

Depois de alguns meses no mar, o gelo começou a causar problemas porque era mais denso do que o esperado. Em janeiro de 1915, o navio ficou preso nas águas congeladas do Mar de Weddell, perto da barreira de gelo Larsen. A escuna de três mastros e 44m ficou bloqueada por meses, quebrando-se gradualmente, por fim, afundando mais de 3 mil metros.

Sabendo que ninguém viria em seu socorro, Ernest Shackleton embarcou em uma ousada jornada em busca de ajuda. Ele partiu em um bote salva-vidas do Endurance com o mínimo de equipamentos e algumas porções de comida rumo à inóspita e gelada Ilha Elefante, ao largo da Península Antártica. Conseguiu dar o alarme, e o explorador retornou alguns meses depois para resgatar o resto da tripulação. Todos os 28 membros da expedição sobreviveram. A história tornou-se lendária, e o local do naufrágio foi convertido em patrimônio histórico.

Tecnologia

A equipe que localizou o Endurance, composta por 100 pessoas, deixou a Cidade do Cabo, na África do Sul, em 5 de fevereiro, a bordo de um quebra-gelo sul-africano, com o objetivo de encontrar os destroços do barco. A expedição de pesquisa, chamada Endurance 22, usou tecnologia de ponta, incluindo dois drones submarinos, para explorar a área descrita pelo próprio Shackleton como "a pior parte do pior mar do mundo".

"Esse é o projeto subaquático mais complexo já feito", disse Nico Vincent, integrante da missão. Os cientistas também estudaram os efeitos das mudanças climáticas. Stefanie Arndt, pesquisadora do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, postou, no Twitter, que coletou "um número incrível" de 630 amostras de gelo e neve.

Dan Snow, o historiador e radialista que faz parte da expedição, disse que o clima a bordo do navio era de júbilo, e que a equipe, agora, estava voltando para casa. "O barco foi encontrado em um estado de preservação surpreendente. O fundo do mar antártico não possui micro-organismos que se alimentam de madeira, a água tem a clareza da água destilada. Conseguimos filmar o naufrágio em super alta definição. Os resultados são mágicos", tuitou. "Nada foi tocado no naufrágio. Nada recuperado. Ele foi pesquisado usando as ferramentas mais avançadas", complementou.