No que está sendo considerado o documento ambiental mais importante desde o das mudanças climáticas, de Paris, chefes de Estado e representantes de 175 países, incluindo o Brasil, decidiram, ontem, por um acordo internacional juridicamente vinculante para acabar com a poluição plástica. Ao lado do aquecimento global, essa é a mais grave ameaça à sustentabilidade, com consequências já visíveis para a saúde humana, de animais e do planeta (leia mais nesta página).
A resolução, baseada em três projetos iniciais apresentados por várias nações, estabelece a criação de um Comitê Intergovernamental de Negociação, que começará os trabalhos ainda neste ano, com a expectativa de concluir um rascunho até o fim de 2024. A ideia é se chegar a um acordo que apresente alternativas para o ciclo de vida dos plásticos e para o design de produtos, além de discutir materiais recicláveis e reutilizáveis, com a necessidade de colaboração internacional para facilitar acesso às tecnologias sustentáveis.
"Hoje, o planeta Terra triunfou sobre os plásticos descartáveis", declarou Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). A aprovação da ideia de um acordo global aconteceu ontem, no encerramento da quinta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unea), em Nairói, no Quênia. O anúncio fez com que delegados e negociadores aplaudissem de pé a decisão. "Esse é o acordo multilateral ambiental mais significativo desde o de Paris. É uma apólice de seguro para esta geração e para as futuras para que possam viver com o plástico, não serem condenados por ele", destacou Andersen.
"Em um cenário de turbulência geopolítica, a Assembleia da ONU para o Meio Ambiente mostra o melhor da cooperação multilateral", comemorou o presidente da quinta assembleia e ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide. "A poluição plástica se tornou uma epidemia. Com a resolução de hoje (ontem), estamos oficialmente no caminho da cura."
Produção em alta
A produção de plástico, iniciada no século 19, disparou de 2 milhões de toneladas métricas em 1950 para 348 milhões de toneladas métricas em 2017. Material extraído de combustíveis fósseis difícil de ser reaproveitado — a queima resulta na formação de gases tóxicos —, tem descarte problemático: 75% dos resíduos acabam em locais inapropriados. Pelos cálculos da ONU, a indústria, avaliada em US$ 522,6 bilhões, deve dobrar a capacidade até 2040.
Boa parte do plástico descartado — 150 milhões de toneladas métricas anuais — vai parar nos oceanos, onde, além de prejudicar flora e fauna marinhas, acaba ingerido por animais que, depois, serão consumidos por humanos. Pesquisas mostram que mais de 800 espécies já são afetadas pela poluição oceânica do material, incluindo todas as tartarugas marinhas, mais de 40% dos cetáceos e 44% das aves. "A poluição plástica não é apenas uma tragédia ambiental, é também economicamente imprudente — bilhões de dólares são 'jogados fora' após um uso único e curto", apontou um relatório da ONU sobre poluição plástica divulgado em 2020.
Negociações
As propostas sobre o que fazer com o problema de dimensões gigantescas vão desde a improvável eliminação total do material até a transformação dos resíduos em combustível, além do investimento em tecnologia para encontrar substitutos biodegradáveis possíveis de serem adotados em nível industrial. "Os Estados-membros terão de considerar, nas suas negociações, os diferentes tipos de plásticos e aditivos neles contidos, especialmente para permitir que sejam reciclados com segurança e para promover uma economia circular", destacou Inger Andersen. Segundo ela, paralelamente às negociações sobre o acordo internacional vinculante, o Pnuma "trabalhará com qualquer governo e empresa dispostos a deixar de lado os plásticos descartáveis, bem como para mobilizar o financiamento privado e remover as barreiras aos investimentos em pesquisa".
Em nota, Nik Sekhran, diretor de Conservação do Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF) parabenizou a comunidade internacional. "À medida que nos esforçamos para garantir um futuro mais saudável para as pessoas e o planeta, a decisão de hoje (ontem) nos coloca em uma missão ambiciosa para resolver nossa crise de poluição plástica e alcançar uma economia circular forte", disse. "Nos próximos dois anos, devemos trabalhar para garantir que esse tratado atinja todo o seu potencial. Estamos comprometidos em acabar com a poluição plástica e em trabalhar com governos, empresas e sociedade civil para cumprir os compromissos estabelecidos nessa impressionante estrutura."
Para Graham Forbes, líder do Projeto Global de Plástico da organização não governamental Greenpeace, os "líderes globais sentados em Nairóbi ouviram milhões de vozes em todo o mundo". "Esse é um claro reconhecimento de que todo o ciclo de vida do plástico, desde a extração de combustíveis fósseis até o descarte, gera poluição prejudicial às pessoas e ao planeta", comentou, em uma nota à imprensa.