É possível prever o risco de 12 doenças comuns causadas por um conjunto de variantes genéticas em embriões, antes da implantação no útero, afirma um estudo publicado na revista Nature Medicine. Esse tipo de triagem, chamada de PGP, já existe, mas apenas para verificar a viabilidade embrionária e para detecção de enfermidades hereditárias — como anemia falciforme, distrofia de Duchenne e fibrose cística, potencialmente letais. O teste também é realizado para verificar o número de cromossomos, predizendo síndromes, como Down, Turner e Patau.
Agora, porém, os autores do artigo dizem que conseguiram, também, descobrir, com alto grau de precisão, se os embriões fertilizados in vitro têm risco de desenvolver, no futuro, condições mais comuns, como alguns tipos de câncer e enfermidades cardiovasculares. O trabalho, reconhecem os próprios pesquisadores responsáveis, levanta uma série de questões — incluindo a de que, no caso das chamadas doenças poligênicas, o fator genético não é determinante, e depende da interação ambiental. Uma pessoa com variantes que predispõem à asma ou ao diabetes, por exemplo, não necessariamente terá essas condições.
O novo teste, denominado de PGP-P e liderado por Akash Kumar, cofundador da companhia de precisão genética Myone, nos EUA, é capaz de identificar, no genoma total, os alelos de risco, ou seja, as variantes que podem levar a uma doença poligênica. A análise, chamada de pontuação de risco poligênico, previu a probabilidade de distúrbios com até 99% de precisão, diz o estudo.
Limitações
A pesquisa foi feita com 10 casais e 110 embriões fertilizados in vitro pelas células do pai e da mãe. A equipe comparou as pontuações dos pré-implantados com as obtidas dos genomas de 10 crianças que nasceram posteriormente. Os resultados mostram que os escores de risco foram previstos com 99% e 99,4% de precisão, quando obtidos a partir de tecido embrionário no quinto dia após a fertilização, ou entre 97,2% e 99,1% com dados coletados no terceiro dia.
O estudo é uma prova de conceito, ou seja, demonstra na prática uma possibilidade teórica. No artigo, os autores destacam limitações antes que o teste seja aplicado comercialmente. O método, por exemplo, considera apenas a variação genética herdada, excluindo as novas mutações que podem surgir após a concepção. Além disso, as previsões podem ser menos eficazes em populações não europeias, pois os escores de risco foram calculados para pessoas com ascendência europeia. "A tomada de decisões pré-natais levando o teste em consideração apresenta questões éticas e práticas que precisam ser abordadas", escreveram.
Em um artigo que analisa o trabalho de Kumar, também publicado na Nature Medicine, os bioeticistas Josephine Johnston e Lucas Matthews alertam que mesmo o teste já existente hoje, usado para prever a viabilidade do embrião e o risco de doenças hereditárias graves, já levanta debates éticos. "O uso da triagem pré-implantação para identificar embriões com ou sem determinados genes foi rotulado como discriminatório, porque envolve a seleção ativa de futuros filhos; na maioria dos casos, com base no risco genético para doenças ou deficiências específicas, mas, às vezes, para selecionar o sexo."
"O estudo é robusto, rigoroso e interessante, mas levanta mais perguntas do que respostas", avalia Darren Griffin, professor de genética na Universidade de Kent, na Inglaterra. Ele explica que, em geral, para doenças recessivas resultantes da mutação de um único gene, duas cópias mutantes "fornecem uma previsão razoável do diagnóstico clínico". Já no caso de enfermidades dominantes, quando apenas uma cópia (geralmente já presente em um dos pais) determina o risco, isso é bem mais difícil. "A situação complica ainda mais para o PGT-P", diz.
Ambiente
O geneticista explica que "as doenças globalmente mais preocupantes são as poligênicas", como câncer, esquizofrenia, diabetes e enfermidades cardíacas. Nesses casos, mais de um gene está envolvido na patologia, e fatores ambientais (dieta, exposição à radiação, tabagismo, sedentarismo etc.) também têm um alto grau de participação. "Escores de risco poligênicos já são usados em populações adultas para aconselhar as pessoas sobre escolhas de estilo de vida, efeitos de certos medicamentos, etc, mas o cerne da questão emotiva levantada por este artigo é sua aplicação em embriões humanos."
Entre as preocupações expressas por Griffin, estão a "seleção cosmética" de embriões, com base em características físicas.
Por fim, ele destaca que não será possível saber se esse teste reduziu as chances de desenvolvimento de doenças. Ao saber de um risco em potencial, os pais, teoricamente, poderiam incentivar os filhos a ter um estilo de vida saudável. Mas, para ter essa certeza, seria necessário acompanhar os casos por décadas. "A pergunta, portanto, precisa ser feita: quanto benefício teríamos em comparação com os riscos envolvidos? Para estabelecer o PGT-P como rotina, seria necessário investir tempo e esforço significativos."
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