Ao ver esta imagem, o cientista espanhol José Carlos del Toro Iniesta ficou atônito.
"Sou especialista em física solar, mas antes de tudo sou um ser humano e meu primeiro sentimento é o de qualquer ser humano: a estupefação perante a beleza. Se algo nos diferencia como seres humanos é que sabemos distinguir, compreender e comunicar a beleza. É o que dá sentido à nossa vida", segundo ele.
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A imagem da colossal ejeção de material solar foi divulgada pela Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês). Ela foi captada em 15 de fevereiro por um dos instrumentos da nave espacial Solar Orbiter, uma missão conjunta da ESA e da Nasa.
A imagem mostra o que é conhecido como uma erupção de protuberância solar, segundo Del Toro Iniesta — um dos principais pesquisadores da missão Solar Orbiter e professor do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC, na sigla em espanhol) do Instituto de Astrofísica da Andaluzia, na Espanha — explicou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC).
"As protuberâncias solares (nem sempre, mas em muitos casos) entram em erupção, expulsam material solar para o meio interplanetário e esse material acaba por chegar à Terra", segundo ele. "São regiões do Sol onde o material é mais denso e frio que nas suas vizinhanças, mas se mantém suspenso sobre a superfície devido à ação do campo magnético."
O cientista destacou que, quando o campo magnético é reconfigurado devido a alguma perturbação e sua topologia é alterada, a energia armazenada é transformada em energia cinética, de movimento do gás, que acaba sendo expulso.
A imagem captada pela Solar Orbiter "é absolutamente espetacular porque mostra material solar saindo literalmente do Sol a distâncias de vários raios solares, mantendo sua continuidade", segundo Del Toro Iniesta. "Neste sentido, é a maior erupção solar já observada."
A imagem também é incomum porque mostra o disco solar completo. O especialista ressalta que "normalmente, nós, físicos solares, tendemos a observar em detalhes pequenos pedaços do Sol, não a estrela inteira".
Os riscos das tempestades solares
No caso desta imagem da ESA, a ejeção de material solar não estava dirigida à Terra. Na verdade, ela estava se afastando de nós. Mas o que acontece quando essas partículas chegam até a Terra?
"Esse material se desgarra do Sol, viaja pelo espaço interplanetário e chega até a Terra, produzindo as famosas tempestades solares. O nome correto seria tempestades geomagnéticas, porque é na Terra que a tempestade está sendo produzida, embora sua origem seja solar", destacou Del Toro Iniesta.
Ele explica: "basicamente, as partículas solares são ejetadas com grande energia, em velocidades muito altas, às vezes quase relativistas, de um terço ou um quarto da velocidade da luz — algo assombroso. Essa energia cinética do material, quando chega à Terra, encontra nosso escudo protetor, que é o campo magnético terrestre."
"As partículas são basicamente prótons - átomos de hidrogênio cujo elétron foi arrancado. Elas estão carregadas eletricamente e, quando chegam ao campo geomagnético, são obrigadas a mover-se ao longo das linhas de campo", segundo o físico.
Como o campo magnético nasce no Polo Norte e encerra no Polo Sol, as partículas, ao chegarem ao campo magnético, viajam para os polos. "Ao aproximar-se do planeta pelos polos, são primeiramente formadas as auroras que estamos acostumados a ver e são o mais belo efeito dessas tempestades solares. Mas elas não são o único efeito."
Del Toro Iniesta explica que, quando a energia das partículas é muito grande, o choque é mais pronunciado e as partículas podem até vencer o escudo geomagnético e atingir zonas da atmosfera mais próximas da Terra — tipicamente a ionosfera, alterando sua química.
"Nesta conversa pelo Zoom, estamos agora usando a ionosfera porque estamos nos comunicando via satélite", segundo o cientista espanhol. "Os satélites e as radiocomunicações utilizam a ionosfera como espelho, de forma que, é claro, se a ionosfera é alterada, as comunicações também se alteram."
Essas alterações podem afetar os sistemas GPS utilizados em automóveis para deslocamentos de um ponto para outro.
Se a órbita do satélite sofrer alterações, "perdemos precisão, o que, no nosso caso, pode ser pouco preocupante", segundo o físico. "Mas se o satélite estiver sendo utilizado por um navio com milhares de toneladas de petróleo e muito dinheiro envolvido, ou um avião transoceânico de passageiros (que são os mais vulneráveis a esses bombardeios de partículas porque viajam pelos polos), isso poderia colocar em perigo a vida dos passageiros."
"De fato, a Estação Espacial Internacional possui um quarto do pânico - uma câmara encouraçada com grande espessura de chumbo, para que, quando essas tempestades solares forem produzidas, o bombardeio de partículas não chegue a afetar os astronautas", acrescentou o especialista.
O bombardeio de partículas afetou grandes conjuntos de cabos e causou um apagão de várias horas em 1989, em toda a costa leste do Canadá e dos Estados Unidos.
Del Toro Iniesta destaca que "nossa vida é cada vez mais dependente da tecnologia e cada vez mais vulnerável a este tipo de fenômeno que vem ocorrendo desde que o Sol existe e desde que o mundo é mundo — ou seja, essa história se repete há 4,5 bilhões de anos. Mas, até agora, nós não éramos tão sensíveis a esse fenômeno."
Os mistérios do Sol
A missão Solar Orbiter permitirá que os cientistas realizem observações sem precedentes.
A missão "reúne, pela primeira vez, instrumentos de sondagem remota e de medição local", segundo o físico. "Os aparelhos de sondagem remota são aqueles que estão olhando para o Sol à distância a partir da nave, como o instrumento que produziu a foto."
"Mas temos também instrumentos de medição local e, com eles, vamos medindo as propriedades das partículas que encontramos durante a viagem. Como essas partículas têm sua origem no Sol, pela primeira vez temos meios de compreender as medições das partículas locais e sua origem", explica o cientista.
"Além disso, estamos nos aproximando do Sol como nunca foi feito antes. Vamos nos aproximar até 0,3 unidades astronômicas [uma unidade astronômica é a distância entre a Terra e o Sol]. Estamos nos aproximando até a órbita do planeta Mercúrio. Nós ficaremos muito próximos com essa bateria de instrumentos, o que nos fornecerá informações para entender muitas coisas", destaca Del Toro Iniesta.
Os cientistas procuram compreender, por exemplo, como o Sol gera todos os fenômenos que trazem consequências para a heliosfera e o meio interplanetário. O físico espanhol ensina que "a heliosfera é o pedacinho do universo em que o Sol possui influência ostensiva. Entender essa origem e o comportamento desses fenômenos é algo fascinante."
Mas existe um grande mistério em particular. Del Toro Iniesta explica: "existem perguntas que deixaram os físicos solares loucos por muito tempo. Sabemos que a região do Sol de onde parte a protuberância — a coroa solar — é muitíssimo mais quente que a superfície. Muitíssimo."
"Na superfície, temos 6.000 graus Celsius e, na coroa, temos milhões de graus. Isso não é normal. Por quê? Podemos comprovar isso em casa — o quente esquenta o frio e a fonte de calor está no centro do Sol."
"Se a energia fosse transportada somente por radiação, a temperatura do material solar precisaria ir diminuindo de forma constante à medida que nos afastamos dele. E isso é o que acontece até a superfície, mas, em seguida, bum! ela sobe repentinamente. De onde vem essa energia?", pergunta o cientista.
"Acreditamos que ela seja canalizada pelos campos magnéticos e que outros processos que não são térmicos transportem energia do interior para fora, mas de uma forma peculiar. Acreditamos que seja algo assim, mas ainda não temos provas contundentes."
"E, como essa, existem muitas outras perguntas", conclui Del Toro Iniesta.
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