Avanço

Métodos capazes de melhorar desempenho do atleta são destaques da medicina

Um dos problemas encontrados pelos atletas é se recuperar do esforço físico diário. Para ajudar nessa tarefa, especialistas resolveram testar a estimulação neural como ferramenta de relaxamento

Quem se dedica profissionalmente aos esportes tem uma rotina diferente — segue dietas restritas e treinos físicos extenuantes, bate recordes de força e velocidade, mas também corre risco de sofrer lesões diversas. A dedicação extrema e os desgastes enfrentados por esse grupo de pessoas despertam o interesse de cientistas, que têm se dedicado, cada vez mais, a estudar esse universo. O objetivo dos especialistas é ajudar a proteger a saúde dos esportistas e também otimizar o seu desempenho físico, sem esquecer também da saúde mental.

Um dos problemas encontrados pelos atletas é se recuperar do esforço físico diário exigido nos treinos. Para ajudar nessa tarefa, especialistas brasileiros resolveram testar a estimulação neural como uma possível ferramenta de relaxamento. "Essa técnica tem como grande vantagem não ser um método invasivo. Usamos eletrodos, colocados no couro cabeludo, que podem inibir ou estimular a atividade de determinadas áreas neurais", detalha ao Correio Alexandre Moreira, professor da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do estudo.

Nos testes com a abordagem, os cientistas selecionaram 13 jogadoras de futebol profissional e as avaliaram durante quatro partidas. Após cada jogo, as voluntárias eram submetidas às sessões de estímulo, que duravam cerca de 20 minutos. As participantes também precisavam responder a um questionário de bem-estar e a uma escala de recuperação física antes e depois de cada sessão de estimulação neural.

Ao avaliar os dados coletados, os pesquisadores constataram um aumento do bem-estar das atletas. Moreira conta que o efeito foi semelhante nos testes com atletas do gênero masculino. "Nós otimizamos a recuperação ao ativar o córtex pré-frontal dorsolateral, uma área envolvida em funções cognitivas e emocionais", explica. "Essa região pode neutralizar o estresse. Isso é muito importante porque sabemos que a competição esportiva gera uma carga física e emocional grande", enfatiza.

Segundo o professor, também é um diferencial da pesquisa a intervenção em uma região cerebral. "A maioria dos trabalhos feitos nessa linha dá foco aos músculos, não ao cérebro", justifica. Como próximo passo, a equipe pretende repetir as análises em atletas de outras modalidades, unindo o uso de outras técnicas. "Estamos com pesquisas semelhantes em andamento com jogadores de basquetebol, e queremos incluir o uso da eletroencefalografia (análise da atividade neural), além de uma análise minuciosa do olhar dos esportistas, para entender melhor o comportamento deles durante a competição", conta Moreira.

O pesquisador brasileiro acredita em um avanço maior de pesquisas em medicina do esporte. "Vimos um aumento do interesse nessa área nos últimos cinco anos, e o interessante é que muitas análises feitas já rendem frutos a quem pratica esporte. Acredito que, mais para a frente, teremos avaliações ainda mais amplas, assim como acontece em outros países, como a Austrália", diz.

Especialista em medicina do esporte, Luciano Lourenço afirma que esse avanços são esperados. "Todo tratamento não medicamentoso que é capaz de fazer com que você ganhe performance e também controle a dor é bem-visto por médicos desportivos. Os atletas são submetidos a uma carga de treino grande e ficam muito desgastados fisica e mentalmente, mas têm disponíveis apenas alguns analgésicos e outras drogas semelhantes para mediar a dor", explica o também chefe da Emergência do Hospital Santa Lúcia, de Brasília.

Lourenço conta que a estimulação neural é uma técnica que tem rendido resultados terapêuticos positivos. "Já se mostrou eficaz no combate a enxaquecas, por exemplo, que também é um problema de saúde com poucas opções de tratamento", ilustra. Para o médico, os novos estudos devem ter um olhar ainda mais apurado para a saúde mental dos atletas. "Já vimos benefícios com a meditação e também com a psicoterapia. Outra área que tem sido estudada é a acupuntura."

Rituais

Também é comum entre os esportistas fazer um ritual antes de se exercitar e competir. Apesar de parecer uma espécie de superstição, esse hábito pode influenciar o desempenho, mostra um estudo austríaco. Cientistas avaliaram dados de 800 atletas, praticantes de 15 esportes distintos, e compararam o desempenho dos analisados antes e depois de eles adotarem uma rotina pré-performance (PPR, em inglês) — definida como um conjunto de pensamentos e ações executados por um esportista um pouco antes de sua performance.

Constatou-se que o desempenho dos atletas melhorou significativamente depois da PPR, e o desempenho deles superou o dos colegas que não aderiram ao método. Segundo os autores, os efeitos foram observados tanto em testes laboratoriais quanto em competições reais, independentemente da idade, do sexo e do nível de habilidade dos atletas.

Peter Gröpel, autor sênior do estudo e psicólogo esportivo do Departamento de Ciências do Esporte da Universidade de Viena, explica que o método foi popularizado por um dos atletas mais famosos do mundo. "Michael Jordan, um dos maiores jogadores de basquete de todos os tempos, era conhecido por essa rotina. Antes de um lance livre, ele costumava girar a bola nas mãos, quicar a bola três vezes e, depois, girá-la mais uma vez antes de, finalmente, jogar a bola", conta. "Rotinas como a de Jordan podem fortalecer a concentração e ajudar a mergulhar no estado mental ideal para ter uma boa performance."

Segundo o cientista, os benefícios vistos no estudo podem ser usufruídos por qualquer pessoa que busque aprimorar o desempenho em atividades físicas. "É uma vantagem em qualquer tarefa esportiva que permita alguns segundos de tempo de preparação, como saque no tênis ou tacada no golfe. Esses resultados podem encorajar atletas, treinadores e psicólogos do esporte a aprenderem e aplicarem rotinas pré-performance. Os novatos podem se beneficiar, assim como atletas de elite e subelite", indica.

 

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Teste de urina para acusar lesões

A concussão é um dos problemas mais comuns entre praticantes de esporte. Apesar de recorrente, porém, ainda é difícil diagnosticar e rastrear esse tipo de lesão. Ela não aparece em exames de rotina do cérebro, pois apresenta sintomas inespecíficos, não confiáveis e facilmente influenciados pelas emoções, explica William Meehan, médico da Divisão de Medicina Esportiva do Hospital Infantil de Boston, nos EUA. "Os atletas, geralmente, querem voltar ao esporte. Então, muitas vezes, eles dizem: 'Sinto-me ótimo, doutor', colocando-se em risco caso sofram uma segunda lesão cerebral", detalha.

Em busca de um método de diagnóstico para as concussões, Meehan e sua equipe coletaram amostras de urina de 95 atletas universitários: 48 que sofreram concussões e 47 sem o problema. Os especialistas usaram uma técnica de análise chamada espectroscopia de massa para avaliar o material minuciosamente e encontraram 71 proteínas que mereciam atenção pelo fato de se comportarem de forma diferente nos dois grupos de voluntários.

Após uma análise ainda mais detalhada, os especialistas chegaram a duas proteínas consideradas as melhores preditivas de concussão — IGF-1 e IGF-binding protein 5 (IGFBP5). Ambas foram encontradas em níveis significativamente menores após atletas sofrerem concussão. Para a equipe, as moléculas parecem estar envolvidas no reparo de lesões cerebrais, de modo que o corpo pode retê-las, em vez de excretá-las.

A expectativa do grupo é de que exames focados nessa proteína ajudem na identificação do problema que preocupa médicos e esportistas. "Em muitas doenças, marcadores de danos físicos e biológicos chegam à corrente sanguínea e podem ser encontrados na urina. O teste de urina pode ser feito cedo e com frequência, além de ser barato, em comparação com outros tipos de exames", compara Meehan. Agora, a equipe pretende validar os biomarcadores por meio de ensaios clínicos em diferentes populações, com um número maior de universitários, adolescentes esportistas e atletas não profissionais.

Rastreamento

Fabio Pontes, neurocirurgião do Hospital Santa Marta, em Brasília, acredita que a proposta da equipe americana poderá ajudar a evitar graves consequências desencadeadas pela concussão. "Acompanhamos o paciente por 24 horas após o impacto sofrido para ver se surgem problemas e, caso isso não ocorra, ele tem alta. Ainda assim, há danos que podem se apresentar mais para frente. Por isso, é necessária uma análise mais apurada, e esse teste pode ajudar nessa tarefa caso os dados vistos se confirmem", afirma.

O médico lembra um caso histórico de concussão que causou danos tardios. "O lutador de boxe Muhammad Ali sofreu com Parkinson no fim da carreira, e foi comprovado que isso aconteceu devido a várias concussões que sofreu ao longo da vida", conta. O atleta morreu em 2016, aos 74 anos. Por 32 anos, lutou contra a doença degenerativa. (VS)