Mais de 70% do planeta constitui um mundo completamente diverso do solo firme. Os oceanos, de onde surgiu a vida na Terra, têm flora e fauna próprias, exibem fenômenos únicos e passam por ciclos absolutamente diferentes do que se conhece na superfície terrestre. Porém têm sido tão ou mais afetados que os continentes pelo aquecimento decorrente das atividades humanas.
Os oceanos nunca estiveram tão quentes, com consequências para territórios costeiros, que podem ser engolidos pelo aumento do nível do mar, e ainda mais severas para o ecossistema marinho. As previsões para um futuro próximo são catastróficas, de acordo com pesquisas recém-publicadas. Uma delas, divulgada, na semana passada, na revista Geophysical Research Letters, aponta que, em menos de 60 anos, 70% dos mares podem sufocar por falta de oxigênio em decorrência das mudanças climáticas. Segundo o artigo, as profundezas — de onde vêm muitas espécies pesqueiras — já estão perdendo o gás a taxas não naturais.
Os oceanos transportam oxigênio dissolvido como gás e, assim como os animais terrestres, os aquáticos dependem disso para respirar. Mas à medida que as águas se aquecem devido à concentração atmosférica de gases de efeito estufa, elas podem começar a se desoxigenar. Os cientistas acompanham esse declínio constante há anos, mas o novo estudo, de acordo com os pesquisadores da Universidade de Jiao Tong de Xangai, "fornece novas e urgentes razões para nos preocuparmos".
Essa é a primeira pesquisa que usa modelos climáticos para prever como e quando a desoxigenação ocorrerá nos oceanos devido às mudanças climáticas. Os resultados indicaram que a perda significativa e potencialmente irreversível do oxigênio dissolvido nas profundezas médias começou no ano passado, já afetando a pesca em todo o mundo. A modelagem também prevê a falta de oxigênio em todas as zonas até 2080.
Yuntao Zhou, oceanógrafa da Universidade de Jiao Tong de Xangai e principal autora do estudo, explica que as profundidades médias — de 200 a 1 mil metros abaixo do nível do mar —, chamadas zonas mesopelágicas, serão as primeiras a perder quantidades significativas de oxigênio. Em todo o mundo, essa região abriga muitas das espécies pescadas comercialmente. "A desoxigenação também afeta outros recursos marinhos, mas a pesca talvez esteja mais relacionada à nossa vida diária", diz.
Zhou conta que o aumento anormal das temperaturas provoca menos circulação de O2 entre as camadas do oceano. "A camada intermediária é particularmente vulnerável à desoxigenação porque não é enriquecida com oxigênio pela atmosfera e pela fotossíntese, como a superior. Além disso, a maior decomposição das algas — um processo que consome oxigênio — ocorre nessa camada", afirma.
Simulações
Os pesquisadores identificaram o início do processo de desoxigenação em três zonas de profundidade do oceano — rasa, média e profunda —, modelando quando a perda de oxigênio da água excede as flutuações naturais nos níveis do gás. O estudo previu quando o fenômeno ocorrerá em bacias oceânicas globais usando dados de duas simulações: uma representando um cenário de altas emissões de gases de efeito estufa, que provocam as mudanças climáticas, e a outra representando um quadro de baixas emissões.
Em ambas as simulações, a zona mesopelágica perdeu oxigênio na taxa mais rápida e na maior área dos oceanos globais. Porém, no cenário de baixas emissões, o processo começa 20 anos depois. Os pesquisadores também descobriram que os oceanos mais próximos dos polos, como o oeste e o norte do Pacífico e os do sul, são particularmente vulneráveis à desoxigenação. "Não sabemos ao certo o porquê, embora o aquecimento acelerado possa ser o culpado", diz Zhou.
Segundo a pesquisadora, áreas nos trópicos conhecidas por terem baixos níveis de oxigênio dissolvido, as zonas mínimas de oxigênio, também parecem estar se espalhando para regiões de alta latitude. "Isso é algo que precisamos prestar mais atenção", diz. "Mesmo se o aquecimento global fosse revertido, permitindo que as concentrações de oxigênio dissolvido aumentassem, não sabemos se o oxigênio dissolvido retornaria aos níveis pré-industriais".
'"As novas descobertas são profundamente preocupantes e aumentam a urgência de nos envolvermos significativamente na mitigação das mudanças climáticas", diz Matthew Long, oceanógrafo da Universidade de Colorado, em Boulder, que não participou do estudo. "A humanidade está mudando o estado metabólico do maior ecossistema do planeta, com consequências realmente desconhecidas para os ecossistemas marinhos. Isso pode se traduzir em impactos significativos na capacidade do oceano de sustentar a atividade pesqueira."