ALERTA

A batalha de uma pessoa com covid não termina com a recuperação, diz especialista

Apesar de a gravidade da infecção pelo coronavírus ter diminuído, milhares de sobreviventes vão conviver, por muitos meses, com sintomas físicos e mentais

Paloma Oliveto
postado em 20/02/2022 06:00

Pouco mais de dois anos do início da pandemia, muito já se sabe sobre o vírus causador da covid e, embora as opções de tratamento específicas para a doença ainda sejam poucas, não se pode mais dizer que o mundo está lidando com um inimigo desconhecido. Mas, como se trata de uma enfermidade recente, ainda restam muitas perguntas sobre os efeitos de longo prazo, uma série de sintomas que podem afetar sistemas e órgãos diversos, seja em adultos ou crianças.

Desde o começo, ficou claro que alguns pacientes apresentam sintomas prolongados de covid - sintomas contínuos que estão presentes muito tempo após a infecção inicial ter sido eliminada, e que podem ser muito debilitantes para a saúde e o bem-estar", diz Deborah Dunn-Walters, presidente da força-tarefa covid-19 da Sociedade Britânica de Imunologia e professora da Universidade de Surrey, no Reino Unido. "O termo covid longa abrange uma ampla gama de condições e, portanto, ainda não entendemos completamente todos os processos envolvidos", reconhece.

Não há sequer certeza sobre o percentual de pacientes que desenvolverá o problema. Enquanto alguns estudos estimaram em até 12%, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, apostam em uma proporção bem maior: 50%. Uma revisão sistemática de 57 artigos, com dados de 250.351 adultos e crianças não vacinados, diagnosticados do início da pandemia até março de 2021, indicou que um em cada dois apresentou condições de saúde prolongadas, depois da fase aguda.

Entre elas, problemas digestivos, pulmonares, dermatológicos e mentais. "A batalha de uma pessoa com covid não termina com a recuperação da infecção aguda", reconhece um dos autores, Paddy Ssentongo.

Consenso

Agora, com um número expressivo de pacientes recuperados desde que os primeiros casos emergiram, aumentaram as possibilidades de se estudar as sequelas da infecção pelo Sars-CoV-2, tanto em relação aos sintomas mais expressivos quanto ao tempo de duração deles. Neste mês, um painel internacional definiu covid longa para fins de pesquisa, norteando o trabalho dos cientistas que buscam entender melhor essa condição.

O conceito não servirá para diagnóstico, apenas para direcionar melhor os estudos, pois, na literatura científica, as variações de prevalência e características das sequelas são muito amplas. A definição assemelha-se à da Organização Mundial da Saúde (OMS): o paciente que apresenta ao menos um sinal físico, com impactos negativos que interferem na vida diária e persistem por, no mínimo, 12 semanas.

Uma importante descoberta sobre a condição foi revelada há poucos dias pela Agência de Segurança em Saúde do Reino Unido. Os autores do estudo analisaram 15 publicações sobre a efetividade das vacinas contra a covid longa. A principal conclusão desses artigos é a de que a imunização reduz os sintomas ou a incidência das sequelas, sendo que o efeito é mais protetivo em pessoas que se submeteram a pelo menos duas doses. Embora em todas as pesquisas avaliadas tenha havido casos de piora dos sinais pós-vacinação, estes foram minoria. O número de participantes dos trabalhos variou de poucas centenas a mais de 240 mil.

"A revisão também encontrou evidências que sugerem que os sintomas podem ser mais leves em pessoas que foram vacinadas após terem desenvolvido covid há muito tempo, embora observe que os dados para isso não são tão robustos e são necessários mais trabalhos para confirmar isso", diz Deborah Dunn-Walters, da Universidade de Surrey. "O artigo enfatiza a importância de todos, independentemente da idade, serem vacinados. A vacinação é a maneira mais segura e eficaz de se proteger de adoecer e de sofrer de longa infecção pós-covid", ressalta a imunologista.

 Detecção em idosos

Uma em cada três pessoas com mais de 65 anos que tiveram covid em 2020 desenvolveram pelo menos uma nova condição de saúde, que exigiu cuidados médicos nos meses seguintes à fase aguda, segundo um estudo norte-americano publicado na revista BMJ. As complicações envolveram uma série de órgãos e importantes sistemas, incluindo cardiopulmonar e hepático, além de problemas na saúde mental. Estudos sobre a covid longa em idosos são pouco comuns. Este, da Academia de Ciências Médicas, envolveu dados de 133.366 indivíduos da faixa etária, infectados pelo Sars-CoV-2 do início da pandemia a 1° de abril de 2020.

Irina Petrache detectou uma deficência nas mitocôndrias
Irina Petrache detectou uma deficência nas mitocôndrias (foto: National Jewish Health/Divulgação)

Sobrecarga do sistema imunológico

Os mecanismos pelos quais a covid causa sintomas persistentes em sobreviventes não são totalmente compreendidos. Acredita-se que eles podem resultar da sobrecarga do sistema imunológico desencadeada pelo vírus, por infecção persistente, reinfecção ou aumento da produção de autoanticorpos — aqueles que atacam os próprios tecidos). O Sars-CoV-2 pode acessar, entrar e se alojar no sistema nervoso. Como resultado, sinais associados, como distúrbios do paladar ou do olfato, comprometimento da memória e diminuição da atenção e concentração, ocorrem comumente depois da fase aguda.

Agora, pesquisadores da National Jewish Health, em Israel, lançam novas luzes sobre as causas da covid longa. Em um artigo publicado no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, os cientistas afirmam que as mitocôndrias — organelas nas células responsáveis pela geração de energia — não funcionaram adequadamente em pacientes com síndrome pós-infecção. Uma bateria de exercícios físicos monitorada por aparelhos revelou essa disfunção no tecido muscular, mas os autores acreditam que o mesmo processo esteja relacionado a sintomas nos sistemas pulmonar e neurológico.

Os pesquisadores querem entender melhor como o vírus altera as células e como esses efeitos podem ser revertidos ou reparados, diz Irina Petrache, principal autora do artigo. "Com os testes que temos disponíveis aqui, estamos confiantes de que em breve teremos ainda mais respostas para aqueles com síndrome pós-covid. Mas, à medida que continuamos a aprender mais, a melhor maneira de evitar complicações é a prevenção, usando máscaras e vacinando", ressalta.

Outro aspecto que vem sendo investigado é a possibilidade de prever o risco de covid prolongada a partir de fatores que podem ser medidos no início da infecção. Entre eles, a presença de alguns tipos de anticorpos, o diagnóstico pré-existente de diabetes, os níveis de material genético (RNA) do Sars-CoV-2 no sangue e do DNA do vírus Epsein-Barr no organismo, segundo pesquisadores do Instituto de Sistemas Biológicos (ISB), em Washington, nos EUA.

"Identificar esses fatores é um grande passo à frente, não apenas para entender a covid longa e potencialmente tratá-la, mas também para identificar os pacientes que correm maior risco de desenvolver doenças crônicas", disse, em nota, o presidente da ISB, Jim Heath, co-autor de um artigo que será publicado na revista Cell. "Essas descobertas também estão nos ajudando a estruturar nosso pensamento em torno de outras condições crônicas", diz. Para estabelecer os critérios de risco, os cientistas coletaram amostras de sangue e de secreção nasal de 309 pacientes com covid em diferentes momentos da doença. 

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Sobrecarga do sistema imunológico

 (crédito:  National Jewish Health/Divulgação)
crédito: National Jewish Health/Divulgação

Os mecanismos pelos quais a covid causa sintomas persistentes em sobreviventes não são totalmente compreendidos. Acredita-se que eles podem resultar da sobrecarga do sistema imunológico desencadeada pelo vírus, por infecção persistente, reinfecção ou aumento da produção de autoanticorpos — aqueles que atacam os próprios tecidos). O Sars-CoV-2 pode acessar, entrar e se alojar no sistema nervoso. Como resultado, sinais associados, como distúrbios do paladar ou do olfato, comprometimento da memória e diminuição da atenção e concentração, ocorrem comumente depois da fase aguda.

Agora, pesquisadores da National Jewish Health, em Israel, lançam novas luzes sobre as causas da covid longa. Em um artigo publicado no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, os cientistas afirmam que as mitocôndrias — organelas nas células responsáveis pela geração de energia — não funcionaram adequadamente em pacientes com síndrome pós-infecção. Uma bateria de exercícios físicos monitorada por aparelhos revelou essa disfunção no tecido muscular, mas os autores acreditam que o mesmo processo esteja relacionado a sintomas nos sistemas pulmonar e neurológico.

Os pesquisadores querem entender melhor como o vírus altera as células e como esses efeitos podem ser revertidos ou reparados, diz Irina Petrache, principal autora do artigo. "Com os testes que temos disponíveis aqui, estamos confiantes de que em breve teremos ainda mais respostas para aqueles com síndrome pós-covid. Mas, à medida que continuamos a aprender mais, a melhor maneira de evitar complicações é a prevenção, usando máscaras e vacinando", ressalta.

Outro aspecto que vem sendo investigado é a possibilidade de prever o risco de covid prolongada a partir de fatores que podem ser medidos no início da infecção. Entre eles, a presença de alguns tipos de anticorpos, o diagnóstico pré-existente de diabetes, os níveis de material genético (RNA) do Sars-CoV-2 no sangue e do DNA do vírus Epsein-Barr no organismo, segundo pesquisadores do Instituto de Sistemas Biológicos (ISB), em Washington, nos EUA.

"Identificar esses fatores é um grande passo à frente, não apenas para entender a covid longa e potencialmente tratá-la, mas também para identificar os pacientes que correm maior risco de desenvolver doenças crônicas", disse, em nota, o presidente da ISB, Jim Heath, co-autor de um artigo que será publicado na revista Cell. "Essas descobertas também estão nos ajudando a estruturar nosso pensamento em torno de outras condições crônicas", diz. Para estabelecer os critérios de risco, os cientistas coletaram amostras de sangue e de secreção nasal de 309 pacientes com covid em diferentes momentos da doença. (PO)

Detecção em idosos

Uma em cada três pessoas com mais de 65 anos que tiveram covid em 2020 desenvolveram pelo menos uma nova condição de saúde, que exigiu cuidados médicos nos meses seguintes à fase aguda, segundo um estudo norte-americano publicado na revista BMJ. As complicações envolveram uma série de órgãos e importantes sistemas, incluindo cardiopulmonar e hepático, além de problemas na saúde mental. Estudos sobre a covid longa em idosos são pouco comuns. Este, da Academia de Ciências Médicas, envolveu dados de 133.366 indivíduos da faixa etária, infectados pelo Sars-CoV-2 do início da pandemia a 1° de abril de 2020.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação