Um medicamento que está em uso clínico há mais de 70 anos e já foi aprovado pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês), pode proteger contra o risco de coágulos sanguíneos em casos graves de covid-19, lesões pulmonares e outros distúrbios que causam danos imunomediados aos pulmões, segundo um novo estudo pré-clínico de pesquisadores da Weill Cornell Medicine e Cold Spring Harbor Laboratory.
A pesquisa — publicada no Journal of Experimental Medicine — identificou que o medicamento dissulfiram protegeu ratos de lesões pulmonares imunomediadas em dois modelos separados desse tipo de lesão: infecção pelo coronavírus e de uma síndrome de insuficiência pulmonar chamada TRALI que em casos raros ocorre após a transfusão de sangue.
"À medida que aprendemos mais sobre a biologia subjacente dessas lesões pulmonares, podemos ser capazes de direcionar especificamente os processos que estão danificando o tecido pulmonar", explica Robert Schwartz, um dos autores do estudo.
Essas lesões pulmonares são conhecidas por serem impulsionadas, em parte, pela formação de estruturas semelhantes a teias de células imunes chamadas armadilhas extracelulares de neutrófilos, ou NETs, que podem prender e matar organismos infecciosos, mas também podem ser prejudiciais ao tecido pulmonar e aos vasos sanguíneos, causando o acúmulo de líquido nos pulmões (edema) e promovendo o desenvolvimento de coágulos sanguíneos. É aí que entra o remédio dissulfiram, que bloqueia uma das etapas na formação de NETs.
Em 2020, cientistas descobriram que o remédio também inibe parte do processo inflamatório que pode levar à formação de NET por glóbulos brancos chamados neutrófilos. A descoberta levou ao teste de dissulfiram como um bloqueador de NET.
"Os NETs danificam o tecido, mas como o dissulfiram interfere com a gasdermin D, uma molécula necessária para produzir os NETs, nenhum NET é formado após o tratamento com dissulfiram", explica a Dra. Mikala Egeblad, que também assina o estudo.
Os testes
Depois de confirmar em experimentos de laboratório que o dissulfiram reduz bastante a formação de NETs por neutrófilos humanos e de camundongos, os pesquisadores o testaram em modelos de TRALI e covid-19, uma vez que as duas são doenças conhecidas por apresentar extensa invasão de neutrófilos nos pulmões e danos pulmonares fatais.
Em um rato com TRALI, o tratamento com o remédio um dia antes e novamente três horas antes da indução da síndrome permitiu que 95% dos animais sobrevivessem, em comparação com apenas 40% daqueles não tratados com a droga.
As descobertas mostraram que o ‘dissulfiram’, aparentemente reduzindo a formação de NETs, bloqueou o dano progressivo ao tecido pulmonar e aos vasos que ocorreram em camundongos não tratados e, ao fazê-lo, permitiu que a função pulmonar se estabilizasse e se recuperasse de forma relativamente rápida após o dano inicial.
Por outro lado, uma droga inalada chamada DNase 1, que foi investigada como um potencial tratamento com TRALI, não teve efeito significativo na melhoria da taxa de sobrevivência do camundongo, mesmo quando administrada minutos antes da indução de TRALI.
Em seguida, os pesquisadores testaram o ‘dissulfiram’ em um modelo de hamster dourado de covid-19. Esta forma da doença é menos grave do que os piores casos de covid em humanos, mas o tratamento com o remédio um dia antes ou um dia após a infecção com SARS-CoV-2 levou a resultados claramente favoráveis, segundo os pesquisadores: menos formação de NETs, menos cicatriz formação de tecido (fibrose) nos pulmões e alterações na atividade gênica sugerindo uma redução significativa na resposta inflamatória prejudicial sem comprometimento da imunidade antiviral.
Em comparação, a dexametasona (medicamento esteróide imunossupressor), que é usada no tratamento padrão para covid-19 grave, fez menos para proteger o tecido pulmonar de alterações relacionadas à doença e levou a níveis mais altos de doença nos pulmões.
Apesar de os resultados ainda não terem sido publicados, alguns pesquisadores iniciaram ensaios clínicos com dissulfiram em pacientes com covid-19.
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