saúde

Mutação no vírus HIV cria cepa mais virulenta e que desenvolve Aids mais rápido

Cientistas descobrem que o vírus sofreu uma mutação que deu origem a uma cepa com carga viral até 5,5 vezes maior e capaz de desencadear a Aids em menos tempo. Terapias atuais funcionam contra a variante surgida na Holanda, há 30 anos

Paloma Oliveto
postado em 04/02/2022 06:00
 (crédito: Handout/AFP - 6/6/21)
(crédito: Handout/AFP - 6/6/21)

Uma mutação do vírus HIV, que causa a Aids, levou ao surgimento de uma variante altamente virulenta na Holanda, segundo um estudo publicado na revista Science. A cepa, chamada B HIV-1 e apelidada de VB, pode causar uma queda mais rápida no sistema imunológico de infectados. Porém, os autores destacam que, com tratamento, o índice de sucesso é o mesmo obtido por pacientes do tipo mais comum do micro-organismo.

"O pior dos cenários seria a emergência de uma variante altamente virulenta, altamente transmissível e resistente a tratamento. A variante que descobrimos tem só as duas primeiras propriedades", esclarece Chris Wymant, pesquisador do Instituto Big Data, da Universidade de Oxford, e principal autor do estudo. De acordo com ele, a VB não é uma ameaça à saúde pública, já que a terapia antiviral tradicionalmente utilizada por pessoas com HIV é efetiva contra ela.

Segundo o estudo, infectados pela VB apresentam, inicialmente, uma carga viral entre 3,5 e 5,5 vezes mais elevada do que o comum. Além disso, a taxa de declínio das células CD4 ocorreu duas vezes mais rápido, colocando os infectados em maior risco de desenvolver Aids mais rapidamente. Esses componentes do sistema imunológico, também conhecidos como células T, são um subconjunto de glóbulos brancos que combatem infecções e protegem o organismo contra invasores.

De acordo com os pesquisadores, contaminados com a cepa têm risco aumentado de transmitir o vírus para outras pessoas. "Com essa variante, sem tratamento, espera-se que o HIV avançado — contagens de células CD4 abaixo de 350 por milímetro cúbico, com consequências clínicas a longo prazo — seja alcançado, em média, nove meses após o diagnóstico para indivíduos na casa dos 30 anos", destaca Wymant.

A VB foi identificada, pela primeira vez, em 17 pessoas com teste HIV positivo, do projeto BEEHIVE, um estudo em andamento que coleta amostras de toda a Europa e em Uganda, na África. Como 15 desses participantes eram da Holanda, os pesquisadores analisaram dados de uma coorte de mais de 6,7 mil indivíduos HIV positivos naquele país. Isso identificou mais 92 com a variante, de todas as regiões holandesas, elevando o total para 109. "Provavelmente, há mais pessoas por aí, que ainda não foram detectadas. Ao tornar o sequenciamento amplamente disponível, estamos permitindo que pesquisadores de outros países chequem os próprios dados", diz Wymant. O artigo foi publicado com acesso livre no site da revista Science.

Genética distinta

De acordo com o estudo, o sequenciamento genético sugere que a variante VB surgiu no fim dos anos 1980, ou começo de 1990, na Holanda. Com maior transmissibilidade e um "mecanismo molecular desconhecido de virulência", os pesquisadores relatam que a cepa foi desenvolvida por uma mutação nova, em vez de recombinação, o que significa que elas são geneticamente distintas.

Ao analisar os padrões de propagação da variação genética, o estudo sugere que a VB se espalhou mais rapidamente do que outras variantes do HIV durante os anos 2000, mas vem diminuindo, com "incerteza apreciável", desde 2010. O estudo observa que a cepa pode ter passado despercebida por tanto tempo devido à falta de dados de sequenciamento viral para HIV positivos diagnosticados na Holanda, na década de 1990.

Apesar da maior virulência e do declínio mais expressivo das células de defesa, após o início do tratamento, os infectados com a VB tiveram recuperação e sobrevivência do sistema imunológico semelhantes àqueles com outras cepas do HIV, se medicados precocemente. No entanto, como a versão mutante causa um declínio mais rápido na força do sistema imunológico, os pesquisadores enfatizam que é crítico que as pessoas sejam diagnosticadas precocemente e iniciem o tratamento o mais rápido possível.

Testagem regular

"Nossas descobertas enfatizam a importância da orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que indivíduos em risco de contrair o HIV tenham acesso a testes regulares para permitir o diagnóstico precoce, seguido pelo tratamento imediato", escreveu o autor sênior do artigo, Christophe Fraser, do Instituto de Big Data da Universidade de Oxford e do Departamento de Medicina Nuffield. "Isso limita a quantidade de tempo que o HIV pode danificar o sistema imunológico de um indivíduo e comprometer a sua saúde. Também garante que o vírus seja suprimido o mais rápido possível, o que impede a transmissão a outras pessoas."

"O estudo da Science é um exemplo impressionante de como as mudanças na virulência podem ser causadas por várias mutações em uma única cepa de HIV", diz o biólogo evolucionista e epidemiologista molecular da Universidade da Califórnia, em San Diego, Joel Wertheim. De acordo com ele, o surgimento de uma cepa mais virulenta é "uma razão para ficarmos vigilantes". Porém, o cientista concorda que não se trata de um risco à saúde pública, já que mutações encontradas na VB não a tornam resistente aos medicamentos contra o HIV existentes. "Todas as ferramentas em nosso arsenal ainda devem funcionar", diz Wertheim, que não participou do estudo.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação