Pílulas anticovid e anticorpos monoclonais são os medicamentos criados, e usados, para tratar especificamente a infecção pelo Sars-CoV-2. No entanto, apenas o primeiro parece não perder a eficácia contra a nova cepa do coronavírus, a ômicron. No caso dos anticorpos, é preciso ampliar a dose em até 100 vezes para obter o resultado esperado. As descobertas foram feitas por cientistas do Japão por meio de testes laboratoriais. Segundo os autores, se o efeito for constatado em novos ensaios, poderá ajudar na escolha de melhores tratamentos e no desenvolvimento de novas terapias. Os dados foram apresentados na última edição da revista especializada New England Journal of Medicine.
Todos os tratamentos disponíveis para tratar a covid-19 foram feitos com base nas cepas do Sars-CoV-2 existentes antes do surgimento da variante ômicron, que apresenta uma série de mutações distintas das anteriores. Diante do avanço da ômicron pelos países, os pesquisadores resolveram avaliar a possibilidade de esses fármacos terem a eficácia comprometida. Em experimentos de laboratório usando células de primatas não humanos, a equipe testou a ação das drogas contra a cepa original do vírus covid-19 e as variantes alfa, delta e ômicron.
Constatou-se que a pílula molnupiravir, criada pela empresa Merck, e o medicamento intravenoso remdesivir foram tão eficazes contra a variante ômicron quanto contra as cepas anteriores. Em vez de testar a pílula Paxlovid, da empresa Pfizer, projetada para ser tomada por via oral, os pesquisadores avaliaram um medicamento com o mesmo mecanismo de ação, pertencente à mesma empresa, e descobriram que a droga também manteve a eficácia contra a ômicron.
Por outro lado, todos os quatro tratamentos de anticorpos avaliados foram menos eficazes contra a ômicron. Entre o grupo, duas das drogas, os anticorpos das empresas Lilly e Regeneron, não neutralizaram a cepa com as dosagens usuais. Já o sotrovimab, da empresa GlaxoSmithKline, e o Evusheld, criado pela AstraZeneca, mantiveram alguma capacidade de neutralizar o vírus, mas exigiram de três a 100 vezes mais doses do que a quantidade original indicada.
O resultado reforça uma medida tomada, no começo desta semana, pela agência de regulação de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos, a FDA. O órgão revogou a autorização de uso dos anticorpos monoclonais das empresas Regeneron e Lilly alegando que, com base em dados científicos avaliados por seus especialistas, é "altamente improvável (as drogas) serem eficazes contra a variante ômicron". As duas empresas já haviam se manifestado quanto a essa possível perda de eficácia.
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Sem surpresas
Segundo os autores do estudo japonês, esse efeito era esperado. "A ômicron tem dezenas de mutações na proteína spike, que o vírus usa para entrar e infectar as células. A maioria dos anticorpos monoclonais foi projetada para se ligar e neutralizar essa proteína original, e grandes mudanças nela podem tornar essas drogas menos propensas a se ligarem a essa proteína e combatê-la", detalham no artigo.
O efeito não se deu nas pílulas antivirais porque elas têm como alvo a maquinaria molecular usada pelo Sars-CoV-2 para fazer cópias de si mesmo dentro das células. "A variante ômicron tem apenas algumas alterações nesse mecanismo, o que torna mais provável que os medicamentos mantenham a capacidade de interromper esse processo de replicação", explicam.
Os pesquisadores destacam que os dados precisam ser confirmados em estudos maiores e em análises com humanos. Como próximo passo, eles vão avaliar um número maior de medicamentos a fim de identificar qual deles tem maior eficácia no combate à nova cepa. "Tudo o que vimos foi visto em estudos de laboratório. Se isso se traduz em humanos, ainda não sabemos (…) A boa notícia é que temos ferramentas para tratar a ômicron", enfatiza Yoshihiro Kawaoka, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Tóquio, no Japão.
Lucas Albanaz, clínico geral e coordenador da Clínica Médica do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, também avalia que são necessários mais estudos para se chegar a conclusões mais concretas. "Estamos falando ainda de forma muito genérica. É preciso observar esses dados em humanos", justifica. "Outro ponto importante é que as pílulas e os anticorpos são usados de forma diferente. O primeiro você tem resultados a partir dos primeiros dias de uso. O segundo é mais eficiente durante a internação, e com um uso mais prolongado, em casos mais graves. Tudo isso faz muita diferença durante uma análise."
Mesmo assim, o médico brasileiro avalia que a pesquisa é relevante, pois poderá contribuir no aperfeiçoamento dos tratamentos contra a covid-19. "São informações preciosas, que podem nos ajudar a entender melhor o caminho para a cura. Esses medicamentos são essenciais para o combate à doença. São armas complementares à vacina e têm um grande valor no controle da pandemia", afirma.