A artrite é uma doença comum e bastante dolorosa, pois gera danos às cartilagens, um tecido que envolve as articulações e auxilia a amortecer o corpo durante impactos. Para ajudar a corrigir essas falhas, pesquisadores dos Estados Unidos desenvolveram um pequeno dispositivo implantável que consegue estimular a regeneração das áreas afetadas por meio da emissão de ondas elétricas. A nova tecnologia, que rendeu resultados positivos em testes feitos com coelhos, foi apresentada na última edição da revista especializada Science Translational Medicine.
O melhor tratamento disponível para substituir a cartilagem danificada pela artrite é a implantação de um pedaço de tecido saudável, que precisa ser retirado de outra parte do corpo do paciente ou de um doador. Apesar de eficaz, esse método apresenta limitações. "A quantidade de cartilagem que pode ser retirada de quem está sendo tratado é pequena. Além disso, temos sempre o risco de rejeição do sistema imunológico ao receber a doação de terceiros", explica, em comunicado, Thanh Nguyen, bioengenheiro da Universidade de Connecticut e um dos autores do estudo.
Em busca de uma opção mais eficaz para recompor as cartilagens, os pesquisadores decidiram recriar o tecido em laboratório, mas não conseguiram um produto com qualidade. A principal barreira foi replicar as substâncias usadas como matéria-prima, chamadas fatores de crescimento, que são difíceis de serem copiadas. "Pela falta de moléculas de qualidade, a cartilagem produzida artificialmente não se comporta como a original. Ele quebra sob as tensões normais da articulação", detalha o pesquisador. Mas o trabalho dos especialistas não foi perdido. Durante as análises, eles descobriram que os sinais elétricos são essenciais para o crescimento normal da cartilagem, e, com base nessa informação valiosa, desenvolveram um dispositivo capaz de fornecer esse estímulo.
Como matéria-prima do aparelho, os cientistas usaram nanofibras de ácido poli-L lático (PLLA), um polímero biodegradável frequentemente usado para costurar feridas cirúrgicas. "Esse nanomaterial tem uma propriedade chamada piezoeletricidade. Quando é espremido (apertado), ele produz uma pequena explosão de corrente elétrica", destaca Nguyen. "A piezoeletricidade é um fenômeno que também existe no corpo humano. Osso, cartilagem, colágeno, DNA e várias proteínas têm uma resposta piezoelétrica", completa Yang Liu, um dos autores do trabalho e também pesquisador da instituição de ensino americana.
O movimento regular de uma articulação, como uma pessoa caminhando, pode fazer com que o PLLA gere um campo elétrico fraco, mas constante, que incentiva as células a crescerem e a se transformarem em cartilagem. "Não são necessários fatores de crescimento externos ou células-tronco, que correm o risco de desencadear eventos adversos indesejados", afirmam os autores do estudo.
"Fascinante"
A equipe testou o novo dispositivo no joelho de um coelho ferido. O animal foi colocado em uma esteira para se exercitar depois que a tecnologia foi implantada e, como previsto, a cartilagem voltou a crescer normalmente. Apesar de felizes com o efeito obtido, os cientistas adiantam que mais pesquisas precisam ser feitas. "Esse é um resultado fascinante, mas precisamos repetir o mesmo processo em um animal maior, com tamanho e peso mais próximos de um humano", adianta Nguyen.
Há também a pretensão de acompanhar os animais tratados por pelo menos um ano, para verificar se a cartilagem é durável. "Acreditamos que a tecnologia pode contribuir para o combate a enfermidades, principalmente a artrite. Muitos pesquisadores têm se dedicado a ajudar esse perfil de pacientes com recursos mais potentes, criados em laboratório (Leia Para saber mais)", frisa Nguyen.
Filipe Tôrres, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e doutorando em engenharia da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o estudo apresenta resultados animadores, apesar da necessidade de repetir os testes em outras cobaias. "É importante avaliar bichos com porte maior, como macacos, que também são mais semelhantes a nós, além de incluir cobaias que sejam mais velhas, já que a artrite é um problema de saúde que surge justamente durante a idade avançada", sugere.
Na avaliação de Tôrres, a piezoeletricidade do material usado como base da solução tecnológica é um dos maiores trunfos do projeto. "Nosso corpo trabalha com esse processo de eletricidade. Então, faz muito sentido usar um dispositivo com essa característica, que consiga gerar um estímulo sem precisar de outros elementos auxiliares. Nós já até temos a exploração desse mesmo produto na área médica, em curativos cirúrgicos, mas a grande sacada foi pensar em usá-lo no joelho, algo que ainda não tinha sido feito", diz.
O especialista acredita que o uso da tecnologia americana por humanos não deve demorar muito. "É um tipo de produto que pode evoluir de maneira bem rápida, já que funciona de forma bastante simples. Outra vantagem é que esse material não é caro. Acredito que, em pouco tempo, caso os testes posteriores sejam positivos, ele possa estar disponível para pacientes", afirma.