Pesquisadores dos Estados Unidos conseguiram transplantar, com sucesso, dois rins de porco em um humano. Os órgãos, retirados de um animal geneticamente modificado, foram implantados em uma pessoa de 57 anos com morte cerebral. A equipe não observou rejeição e registrou a produção de urina, sinalizando sinais de função renal. A expectativa é de que, no futuro, o procedimento possa ajudar a reduzir as enormes filas de espera por órgãos humanos — mesmo desejo de uma equipe, também americana, que, no início deste mês, anunciou ter feito o transplante do coração de um porco em um homem vivo.
A cirurgia com os rins faz parte de um programa médico, criado em 2015, chamado Revicor, em que especialistas de diversas áreas médicas se dedicam a desenvolver novas técnicas de xenotransplante (implantação de órgãos de diferentes espécies). "Para obter a aprovação das agências regulatórias, temos que ser capazes de demonstrar que podemos realizar esse procedimento da mesma maneira segura e viável que fazemos, todos os dias, em um transplante tradicional", explica, em comunicado, Jayme E. Locke, pesquisador da Universidade do Alabama (UA) e um dos responsáveis pelo estudo, revisado por pares e publicado na revista American Journal of Transplantation.
No artigo, os autores explicam que uma das principais barreiras para xenotransplantes bem-sucedidos é enganar o sistema imunológico para que ele aceite tecidos totalmente estranhos ao corpo. Na tentativa de evitar esse tipo de problema, eles realizaram algumas pesquisas antes da realização da cirurgia. Nelas, identificaram moléculas de carboidratos na superfície externa do rim de suínos que poderiam atuar como "invasores estranhos" para o corpo humano. Em seguida, a equipe modificou geneticamente as cobaias para que elas deixassem de ter esse antígeno.
As cobaias também foram mantidas isoladas para evitar a contaminação por patógenos, com verificações a cada três meses para 14 infecções, já que os vírus também são ameaça aos transplantes. Outra medida de segurança adotada foi a modificação de genes para prevenir coágulos sanguíneos e outras reações imunes conhecidas. As alterações surtiram os resultados esperados: o transplante realizado em 30 setembro do ano passado não gerou rejeição imediata e sustentou a função renal, com a produção de urina.
Além disso, nenhum sinal de células de porco ou retrovírus suínos foi encontrado no sangue do receptor, e os rins permaneceram funcionalmente viáveis até o término do estudo, que durou 77 horas. "Os resultados de hoje são uma conquista notável para a humanidade e fazem avançar o xenotransplante no âmbito clínico", afirma Selwyn Vickers, reitor da Escola Heersink de Medicina, da UAB.
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"Emocionante"
Um primeiro rim de porco já havia sido transplantado em um humano por uma equipe da Universidade de Nova York (NYU), em 25 de setembro de 2021, e envolveu um paciente com morte cerebral. Nesse caso, o órgão foi colocado fora do corpo, anexado a vasos sanguíneos na parte superior de uma das pernas do paciente para que os cientistas pudessem examiná-lo e coletar amostras de biópsia.
Os resultados de agora, segundo a equipe da UA, nos aproximam de uma realidade clínica. Eles planejam iniciar os testes em humanos em breve e, em seguida, buscar aprovação regulatória para a intervenção. "O conceito de poder ter um órgão esperando na prateleira, esperando pela pessoa que precisa dele, é simplesmente notável e emocionante", frisa Locke.
Thiago Reis, médico nefrologista e diretor do Programa de Transplante de Rim da Clínica de Doenças Renais de Brasília (CDRB), também avalia que o estudo é animador e pondera que a investigação precisa ser aprofundada. "O mais importante é que esses especialistas evitaram a rejeição hiperaguda, que ocorre assim que o órgão do doador é colocado no receptor, em cerca de 10 a 15 minutos. Isso aconteceu devido a essas modificações genéticas, que foram uma boa estratégia", diz.
O especialista brasileiro acredita que, caso os estudos feitos na área de xenotransplantes sigam nesse ritmo evolutivo, há a possibilidade de uso desse recurso em um determinado perfil de pacientes. "Uma opção é usar esse tipo de transplante em pacientes bem mais velhos, que têm uma expectativa de vida mais curta, e os tradicionais, nos mais jovens. Isso porque, hoje, a lista de espera não diferencia essas pessoas. Seria uma possibilidade a se pensar", ilustra.