Uma pesquisa feita com golfinhos pode mudar a forma como a ciência vê toda a morfologia das genitais femininas. A bióloga Patricia Brennan, do Mount Holyoke College, em Massachusetts (EUA), descobriu que o clitóris dessa espécie tem espaços eréteis bem desenvolvidos, é altamente sensível à estimulação tátil e, provavelmente, funcional. Isso significa que esse órgão tem uma função própria entre os golfinhos nariz-de-garrafa, contrariando de uma vez por todas um antigo mito científico.
“Existe essa hipótese de que, como pênis e clitóris compartilham a mesma via de desenvolvimento, o clitóris é apenas um mini pênis. (Segundo essa teoria, o clitóris) não é realmente projetado para nada e não tem necessariamente uma função. Só está lá porque os machos têm um pênis. Há um debate se até mesmo os orgasmos femininos humanos são funcionais ou apenas um subproduto. É uma daquelas coisas que simplesmente se recusa a morrer”, detalhou a pesquisadora em entrevista à revista News Scientist.
Segundo ela, os estudos dela fazem com que as teorias sobre evolução olhem para os dois polos da reprodução animal e, não, concentrem esforços em compreender os órgãos masculinos, como a tradição científica fez até aqui. Brennan explica que, se fosse para simplesmente depositar gametas, os órgãos sexuais poderiam ter formas de tubo e cilindro simples, mas eles não são assim.
“Obviamente, como uma cientista que estuda sexo e reprodução sexual, tenho um problema com a ideia de que não haveria função para uma estrutura porque é homóloga ao pênis em termos de desenvolvimento. Podemos mostrar que isso é mais do que um mini pênis; este é realmente um órgão totalmente funcional que está servindo a algum tipo de propósito. Provavelmente é evolutivamente uma boa ideia porque faz você procurar sexo com mais frequência”, comenta.
A busca por entender os motivos evolutivos que levaram a um determinado formato de genitália prevalecer pode levar a mais descobertas sobre temas pertinentes ao funcionamento biológico das fêmeas, assunto negligenciado pela ciência até aqui. Para derrubar tais premissas sexistas, Brennan se especializou em estudar a evolução da genitália animal.
Entretanto, muitas vezes a cientista tem a importância dos trabalho questionado. “Há pessoas que se sentem desconfortáveis com estudos de comportamento sexual em geral, seja em humanos ou outros animais. Isso não significa que o sexo não seja importante ou que não devamos estudá-lo”, explica.
Entretanto, para a cientista, esse tipo de preconceito pode existir no senso comum, mas não na academia. “Eu poderia estar olhando para a morfologia do estômago, e isso provavelmente não incomodaria as pessoas. Parte da razão pela qual as pessoas se incomodam é porque é sexo e reprodução sexual. Isso é compreensível, mas eu sou um cientista. Eu faço perguntas onde eu acho que há perguntas interessantes a serem feitas”, comenta.
Golfinhos fazem sexo para ter bem-estar
Para estudar a morfologia das genitálias de golfinhos, a bióloga analisou dezenas de tecidos de animais que morreram naturalmente. A forma do clitóris foi comparada com o comportamento desses animais, que têm hábitos sexuais dissociados da simples reprodução. “Sabemos que os golfinhos fazem sexo o tempo todo. Eles fazem sexo por razões sociais, não apenas para reprodução. Faz sentido que o clitóris seja funcional [e dê prazer quando estimulado]”, explicou.
De acordo com ela, é difícil comparar a atividade sexual dos golfinhos com a de outros animais marinhos, porque a observação do comportamento em águas profundas requer mais tecnologia do que a disponível atualmente. Entretanto, como os nariz-de-garrafa vivem perto da costa, os hábitos da espécie acabaram se tornando bastante conhecidos.
“(Os cientistas) os veem fazendo sexo o ano todo, mesmo quando as fêmeas não são receptivas, então não estão prontas para engravidar e ter bebês. E não só fazem sexo o tempo todo, como também fazem muito sexo homossexual. As fêmeas esfregam o clitóris umas das outras com os focinhos e as nadadeiras com muita frequência. Não é como se de vez em quando você visse as fêmeas estimulando umas as outras, na verdade é bem comum. As fêmeas também se masturbam. Se eles estão por aí procurando todas essas experiências sexuais, é provável que estejam se sentindo bem”, detalha.
Comparação com humanos e outros animais
Depois de descobrir que as genitálias femininas dos golfinhos servem para o prazer, a pesquisadora quer entender como isso funciona em animais evolutivamente mais próximos da espécie humana. Isso será possível porque a pesquisa com os narizes-de-garrafa deu aos pesquisadores critérios que descrevem como deve ser um clitóris minimamente funcional.
“Agora que temos esse conjunto de critérios, podemos começar a olhar para outras espécies que normalmente você não manteria em um laboratório e começar a fazer as mesmas perguntas. Sabemos que os bonobos fazem sexo o tempo todo e sabemos que seu clitóris se parece muito com um clitóris humano. É muito mais fácil para as pessoas imaginarem que, claro, se um bonobo está fazendo caretas e vocalizando quando está fazendo sexo, parece que eles estão tendo uma resposta prazerosa, como a nossa”, explicou.
Antes, a pesquisa pode passar por outras espécies mais distantes dos seres humanos na cadeia evolutiva, a fim de conseguir cada vez mais dados. “Estamos começando a olhar para o clitóris da alpaca e procurar os mesmos tipos de características morfológicas. Temos um monte de vertebrados. No meu laboratório, trabalhamos com tubarões, cobras, alpacas, golfinhos, patos – apenas um grupo diversificado de espécies. E sempre encontramos algo interessante”, comentou.
O artigo Evidência de um clitóris funcional em golfinhos pode ser lido na íntegra (em inglês) aqui.