Pandemia

Pílulas de anticorpos monoclonais são menos eficazes contra a ômicron

Em caso de infecção pela ômicron, a dose de anticorpos monoclonais precisa ser até 100 vezes superior à usada contra cepas antigas do Sars-CoV-2, indica estudo do Japão. O ajuste não ocorre em testes laboratoriais com as pílulas anticovid

Vilhena Soares
postado em 27/01/2022 06:00
 (crédito: YASUYOSHI CHIBA)
(crédito: YASUYOSHI CHIBA)

Pílulas anticovid e anticorpos monoclonais são os medicamentos criados, e usados, para tratar especificamente a infecção pelo Sars-CoV-2. No entanto, apenas o primeiro parece não perder a eficácia contra a nova cepa do coronavírus, a ômicron. No caso dos anticorpos, é preciso ampliar a dose em até 100 vezes para obter o resultado esperado. As descobertas foram feitas por cientistas do Japão por meio de testes laboratoriais. Segundo os autores, se o efeito for constatado em novos ensaios, poderá ajudar na escolha de melhores tratamentos e no desenvolvimento de novas terapias. Os dados foram apresentados na última edição da revista especializada New England Journal of Medicine.

Todos os tratamentos disponíveis para tratar a covid-19 foram feitos com base nas cepas do Sars-CoV-2 existentes antes do surgimento da variante ômicron, que apresenta uma série de mutações distintas das anteriores. Diante do avanço da ômicron pelos países, os pesquisadores resolveram avaliar a possibilidade de esses fármacos terem a eficácia comprometida. Em experimentos de laboratório usando células de primatas não humanos, a equipe testou a ação das drogas contra a cepa original do vírus covid-19 e as variantes alfa, delta e ômicron.

Constatou-se que a pílula molnupiravir, criada pela empresa Merck, e o medicamento intravenoso remdesivir foram tão eficazes contra a variante ômicron quanto contra as cepas anteriores. Em vez de testar a pílula Paxlovid, da empresa Pfizer, projetada para ser tomada por via oral, os pesquisadores avaliaram um medicamento com o mesmo mecanismo de ação, pertencente à mesma empresa, e descobriram que a droga também manteve a eficácia contra a ômicron.

Por outro lado, todos os quatro tratamentos de anticorpos avaliados foram menos eficazes contra a ômicron. Entre o grupo, duas das drogas, os anticorpos das empresas Lilly e Regeneron, não neutralizaram a cepa com as dosagens usuais. Já o sotrovimab, da empresa GlaxoSmithKline, e o Evusheld, criado pela AstraZeneca, mantiveram alguma capacidade de neutralizar o vírus, mas exigiram de três a 100 vezes mais doses do que a quantidade original indicada.

O resultado reforça uma medida tomada, no começo desta semana, pela agência de regulação de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos, a FDA. O órgão revogou a autorização de uso dos anticorpos monoclonais das empresas Regeneron e Lilly alegando que, com base em dados científicos avaliados por seus especialistas, é "altamente improvável (as drogas) serem eficazes contra a variante ômicron". As duas empresas já haviam se manifestado quanto a essa possível perda de eficácia.

Sem surpresas

Segundo os autores do estudo japonês, esse efeito era esperado. "A ômicron tem dezenas de mutações na proteína spike, que o vírus usa para entrar e infectar as células. A maioria dos anticorpos monoclonais foi projetada para se ligar e neutralizar essa proteína original, e grandes mudanças nela podem tornar essas drogas menos propensas a se ligarem a essa proteína e combatê-la", detalham no artigo.

O efeito não se deu nas pílulas antivirais porque elas têm como alvo a maquinaria molecular usada pelo Sars-CoV-2 para fazer cópias de si mesmo dentro das células. "A variante ômicron tem apenas algumas alterações nesse mecanismo, o que torna mais provável que os medicamentos mantenham a capacidade de interromper esse processo de replicação", explicam.

Os pesquisadores destacam que os dados precisam ser confirmados em estudos maiores e em análises com humanos. Como próximo passo, eles vão avaliar um número maior de medicamentos a fim de identificar qual deles tem maior eficácia no combate à nova cepa. "Tudo o que vimos foi visto em estudos de laboratório. Se isso se traduz em humanos, ainda não sabemos (…) A boa notícia é que temos ferramentas para tratar a ômicron", enfatiza Yoshihiro Kawaoka, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Tóquio, no Japão.

Lucas Albanaz, clínico geral e coordenador da Clínica Médica do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, também avalia que são necessários mais estudos para se chegar a conclusões mais concretas. "Estamos falando ainda de forma muito genérica. É preciso observar esses dados em humanos", justifica. "Outro ponto importante é que as pílulas e os anticorpos são usados de forma diferente. O primeiro você tem resultados a partir dos primeiros dias de uso. O segundo é mais eficiente durante a internação, e com um uso mais prolongado, em casos mais graves. Tudo isso faz muita diferença durante uma análise."

Mesmo assim, o médico brasileiro avalia que a pesquisa é relevante, pois poderá contribuir no aperfeiçoamento dos tratamentos contra a covid-19. "São informações preciosas, que podem nos ajudar a entender melhor o caminho para a cura. Esses medicamentos são essenciais para o combate à doença. São armas complementares à vacina e têm um grande valor no controle da pandemia", afirma.

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Nova ômicron pode ser mais infecciosa

Um relatório divulgado pelo governo da Dinamarca intensifica a preocupação em torno de uma subvariante da ômicron, a BA.2. No país, 98% dos casos de infectados são por essa nova versão do coronavírus, e, ontem, o ministro da saúde, Magnus Heunicke, disse que há sinais de que ela é mais contagiosa do que o subtipo anterior, o BA.1. O alerta veio um dia depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter defendido um maior monitoramento da linhagem que foi identificada, pela primeira vez, na Austrália.

No mesmo documento, elaborado pelo centro de pesquisa Statens Serum Institut (SSI), os autores relatam que cálculos preliminares sugerem que a BA.2 pode ser 1,5 vez mais infecciosa do que a BA.1. Uma análise anterior da mesma instituição não mostrou diferenças nos riscos de internação entre as duas linhagens. "Há também alguma indicação de que ela é mais contagiosa especialmente para os não vacinados, mas também pode infectar pessoas que foram imunizadas em maior extensão", afirmou a diretora técnica da SSI, Tyra Grove Krause, durante a apresentação do relatório.

Casos provocados pela variante BA.2 também foram registrados em outras regiões europeias — Grã-Bretanha, Suécia, Noruega e França —, mas com um número menor de infectados do que na Dinamarca. Na terça-feira, o ministro da Saúde da França, Olivier Véran, também declarou que a BA.2 "é tão contagiosa como a ômicron, mas não mais perigosa". O país contabiliza 60 casos de covid-19 provocados pela cepa descendente da ômicron.

No mesmo dia, a OMS fez um apelo para que os países priorizassem investigações sobre a BA.2, a fim de entender como ela age no sistema imunológico. "Casos de covid-19 provocados pela linhagem descendente BA.2, que difere de BA.1 em algumas das mutações, inclusive na proteína spike, estão aumentando em muitos países. Investigações sobre as características da BA.2, incluindo propriedades de escape imunológico e virulência, devem ser priorizadas independentemente (e comparativamente) à BA.1", recomendou a agência, em um comunicado.

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