O mundo ultrapassou os limites seguros de poluição química. Plásticos, tintas, medicamentos, pesticidas, retardadores de chamas, cosméticos e outros milhares de elementos manipulados ou que não existem naturalmente no meio ambiente registram um aumento de 50 vezes nas últimas sete décadas, o que deve triplicar até 2050, segundo um grupo internacional de 14 cientistas. Em um artigo publicado na revista Science and Technology, os especialistas alertam que o ritmo de fabricação e de consumo do que chamam de "novas entidades", ou seja, produtos artificiais, é insustentável e encaminham o planeta para um colapso.
Esta é a primeira vez em que se avalia o impacto do coquetel de produtos químicos e sintéticos que se acumulam no ambiente na estabilidade do sistema terrestre. Há dois anos, um estudo anterior calculou em 350 mil a quantidade desses elementos com base em inventários de 19 países, como Estados Unidos, nações europeias, Japão, China, Índia e Austrália. O Brasil, o continente africano, o sudeste asiático e a Europa oriental ficaram de fora devido à ausência de registros do tipo. Ainda assim, segundo os autores, do Instituto de Engenharia Ambiental de Zurique, na Suíça, esses bancos de dados são extremamente subnotificados, além de pouco transparentes. No total, 70 mil entidades estranhas ao meio ambiente não foram descritas, por exemplo, por motivos confidenciais.
Agora, o grupo de cientistas liderados pelas universidades de Gotemburgo e de Estocolmo, na Suécia, analisou como o volume de poluentes químicos está impactando a estabilidade planetária. "O ritmo em que as sociedades estão produzindo e liberando novos químicos e outras novas entidades no meio ambiente não é consistente com a permanência em um espaço operacional seguro para a humanidade", diz Patricia Villarubia-Gómez do Centro de Resiliência de Estocolmo, coautora do estudo (Leia entrevista nesta página).
Até porque, segundo Bethanie Carney Almorth, pesquisadora da Universidade de Gotemburgo e também autora da pesquisa, esse é um problema que contribui para as mudanças climáticas. "Os plásticos estão intimamente ligados ao clima, já que 98% de todos eles são produzidos de combustíveis fósseis e liberam CO² durante a incineração. Produtos químicos e plásticos estão afetando a biodiversidade, acrescentando estressores adicionais para ecossistemas já estressados. Alguns estão interferindo nos sistemas hormonais, interrompendo o crescimento, o metabolismo e a reprodução na vida selvagem."
Outras fronteiras
Segundo os pesquisadores, em 2009, a Universidade de Estocolmo identificou nove limites planetários que demarcam o estado estável em que a Terra permaneceu nos últimos 10 mil anos, ou seja, desde o início da civilização. Eles incluem as emissões de gases de efeito estufa, a integridade da camada de ozônio, a conservação de florestas, água doce e biodiversidade. Os pesquisadores quantificaram as fronteiras que influenciam a estabilidade da Terra e concluíram que, em 2015, quatro delas foram violadas: clima, biodiversidade, uso do solo e ciclos bioquímicos. Porém, faltava incluir no estudo, publicado então na revista Science, a relação entre a segurança para o planeta e a produção das novas entidades químicas.
A equipe explica que há muitas maneiras pelas quais produtos químicos e plásticos têm efeitos negativos na saúde planetária: desde a mineração e a perfuração para extrair matérias-primas até a produção e o gerenciamento de resíduos. "Alguns desses poluentes podem ser encontrados globalmente, do Ártico à Antártida, e ser extremamente persistentes. Temos evidências contundentes de impactos negativos nos sistemas da Terra, incluindo a biodiversidade e os ciclos biogeoquímicos", diz Carney Almroth.
Reciclagem
O problema está longe de acabar, alertam os cientistas. Ao contrário, a produção global e o consumo de novas entidades devem continuar a crescer, dizem. Por exemplo: a massa total de plásticos no planeta é, agora, mais que o dobro da de todos os mamíferos vivos, e cerca de 80% de todos os polímeros já produzidos permanecem no meio ambiente. Esse material contém mais de 10 mil produtos químicos e, por isso, no processo de degradação ambiental, são criadas novas combinações de materiais, com riscos ambientais sem precedentes.
Segundo Hilal Ezgi Toraman, professor de engenharia de energia e química da Universidade Estadual da Pensilvânia, uma análise global da Universidade da Califórnia, câmpus de Santa Bárbara, constatou a existência de 8,3 bilhões de toneladas métricas de plásticos virgens no mundo até 2017. O cientista, que não faz parte do grupo que calculou o impacto dos produtos químicos nos sistemas terrestres, diz que é urgente desenvolver ferramentas de reciclagem para decompor o material sem que os resíduos sejam liberados em aterros e lixões. "Os processos comerciais atuais operam abaixo da escala necessária ou são aplicáveis apenas para tipos de plásticos únicos, não para os mistos", explica Toraman, que está desenvolvendo um sistema adaptado aos insumos produzidos com diferentes compostos.
Para Sarah Cornell, docente do Centro de Resiliência da Universidade de Estocolmo e um dos autores do artigo publicado na Science and Technology, a solução para o problema depende de novos paradigmas econômicos. "Mudar para uma economia circular é realmente importante. Isso significa adotar materiais que possam ser reutilizados e não desperdiçados, projetar produtos para reciclagem, além de garantir uma triagem aprimorada sobre a segurança e a sustentabilidade desses materiais."
Entrevista | Patricia Villarubia-Gómez
A produção excessiva e o acúmulo de produtos químicos no ambiente é um problema global, diretamente associado ao sistema econômico que rege o planeta, argumenta a cientista ambiental espanhola Patricia Villarubia-Gómez, candidata a PhD em ciências da sustentabilidade na Universidade de Estocolmo. Ela é um dos autores do estudo sobre os limites de segurança ultrapassados pela fabricação massiva de elementos sintéticos. "A exposição a esses produtos químicos está em toda parte. Não apenas em locais onde os produtos são produzidos, mas absolutamente em todos os lugares", diz, em entrevista ao Correio.
Como os senhores calcularam o limite seguro dos poluentes?
Nós apresentamos um conjunto de variáveis de controle que captura as muitas complexidades e características dos limites planetários associadas às novas entidades. As variáveis propostas pertencem a três categorias. Primeiro, a tendência na produção de novas entidades, como o volume de produção de produtos químicos, os volumes de produção de plásticos ou a parcela de produtos químicos disponíveis no mercado que têm dados de segurança ou avaliação regulatória. Em seguida, a tendência contínua de emissões globais dessas substâncias químicas (incluindo plásticos), o número de substâncias perigosas emitidas na produção e as quantidades de plásticos despejados no meio ambiente. Por fim, os impactos indesejados das novas entidades nos processos dos ecossistemas, como as evidências existentes da toxicidade da poluição química ou a perturbação da integridade da biosfera pela poluição plástica.
Alguma região do planeta está mais ameaçada? É possível dizer onde mais poluentes são produzidos?
Vemos esse problema como um problema planetário, complexo e sistêmico. E, por essa razão, eu, pessoalmente, não apontaria o dedo para nenhum país em particular. Trata-se de um problema estreitamente ligado ao modo como todo o sistema econômico opera em todo o mundo. É como qualquer outro grande problema ambiental que enfrentamos hoje, como as mudanças climáticas. A exposição a esses produtos químicos está em toda parte. Não apenas em locais onde os produtos químicos são produzidos, mas absolutamente em todos os lugares. Além disso, todos nós usamos esses produtos, incluindo plásticos (dos quais produtos químicos lixiviados são liberados enquanto os usamos, por exemplo). Nós os consumimos e, depois, os descartamos (e produtos químicos continuam sendo liberados, no caso dos plásticos). Há um fluxo constante deles. Então, a situação está se tornando cada vez mais alarmante.
É possível que esses produtos causem danos ainda desconhecidos?
À medida que aprendemos mais, percebemos que ainda existem lacunas de conhecimento que precisam ser respondidas. Existem pelo menos 350 mil produtos químicos em produção, e apenas uma pequena fração foi avaliada quanto à sua toxicidade e passou por um controle. Então, não podemos dizer que eles são seguros. E estamos cientes do desafio que a falta de informação acarreta, mas sabemos sobre efeitos cumulativos e toxicidade de mistura de certos produtos químicos, aos quais todos nós estamos expostos — muitas vezes, pequenas concentrações de milhares de substâncias ao longo de toda a nossa vida. Nós estamos apenas começando a entender os efeitos em larga escala e de longo prazo dessas exposições.
Como essa questão se relaciona com os objetivos do Acordo de Paris?
Acredito que, neste momento, não há dúvidas de que acordos internacionais, como o de Paris e a conferência do clima da ONU, devem olhar atentamente para a produção de produtos químicos e plásticos devido aos impactos nos ecossistemas e a suas ligações diretas com as mudanças climáticas. Colocando o problema em perspectiva com fatos científicos conhecidos, a produção de plástico aumentou 79% entre 2000 e 2015. Um novo relatório da fundação Minderoo afirma que, em 2019, apenas 2% de todos os plásticos produzidos vieram de materiais reciclados. As previsões estimam que haverá um incremento da produção de plástico virgem de 30% nos próximos cinco anos. Como consequência, argumenta esse relatório, as estimativas são de que, até 2050, apenas a produção de produtos de plástico contribuirá para aproximadamente 10% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Tudo está conectado. Portanto, as medidas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas devem integrar medidas de combate aos poluentes químicos e plásticos.
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Entrevista // Patricia Villarubia-Gómez
Eles estão em toda a parte
A produção excessiva e o acúmulo de produtos químicos no ambiente é um problema global, diretamente associado ao sistema econômico que rege o planeta, argumenta a cientista ambiental espanhola Patricia Villarubia-Gómez, candidata a PhD em ciências da sustentabilidade na Universidade de Estocolmo. Ela é um dos autores do estudo sobre os limites de segurança ultrapassados pela fabricação massiva de elementos sintéticos. “A exposição a esses produtos químicos está em toda parte. Não apenas em locais onde os produtos são produzidos, mas absolutamente em todos os lugares”, diz, em entrevista ao Correio. (PO)
Como os senhores calcularam o limite seguro dos poluentes?
Nós apresentamos um conjunto de variáveis de controle que captura as muitas complexidades e características dos limites planetários associadas às novas entidades. As variáveis propostas pertencem a três categorias. Primeiro, a tendência na produção de novas entidades, como o volume de produção de produtos químicos, os volumes de produção de plásticos ou a parcela de produtos químicos disponíveis no mercado que têm dados de segurança ou avaliação regulatória. Em seguida, a tendência contínua de emissões globais dessas substâncias químicas (incluindo plásticos), o número de substâncias perigosas emitidas na produção e as quantidades de plásticos despejados no meio ambiente. Por fim, os impactos indesejados das novas entidades nos processos dos ecossistemas, como as evidências existentes da toxicidade da poluição química ou a perturbação da integridade da biosfera pela poluição plástica.
Alguma região do planeta está mais ameaçada? É possível dizer onde mais poluentes são produzidos?
Vemos esse problema como um problema planetário, complexo e sistêmico. E, por essa razão, eu, pessoalmente, não apontaria o dedo para nenhum país em particular. Trata-se de um problema estreitamente ligado ao modo como todo o sistema econômico opera em todo o mundo. É como qualquer outro grande problema ambiental que enfrentamos hoje, como as mudanças climáticas. A exposição a esses produtos químicos está em toda parte. Não apenas em locais onde os produtos químicos são produzidos, mas absolutamente em todos os lugares. Além disso, todos nós usamos esses produtos, incluindo plásticos (dos quais produtos químicos lixiviados são liberados enquanto os usamos, por exemplo). Nós os consumimos e, depois, os descartamos (e produtos químicos continuam sendo liberados, no caso dos plásticos). Há um fluxo constante deles. Então, a situação está se tornando cada vez mais alarmante.
É possível que esses produtos causem danos ainda desconhecidos?
À medida que aprendemos mais, percebemos que ainda existem lacunas de conhecimento que precisam ser respondidas. Existem pelo menos 350 mil produtos químicos em produção, e apenas uma pequena fração foi avaliada quanto à sua toxicidade e passou por um controle. Então, não podemos dizer que eles são seguros. E estamos cientes do desafio que a falta de informação acarreta, mas sabemos sobre efeitos cumulativos e toxicidade de mistura de certos produtos químicos, aos quais todos nós estamos expostos — muitas vezes, pequenas concentrações de milhares de substâncias ao longo de toda a nossa vida. Nós estamos apenas começando a entender os efeitos em larga escala e de longo prazo dessas exposições.
Como essa questão se relaciona com os objetivos do Acordo de Paris?
Acredito que, neste momento, não há dúvidas de que acordos internacionais, como o de Paris e a conferência do clima da ONU, devem olhar atentamente para a produção de produtos químicos e plásticos devido aos impactos nos ecossistemas e a suas ligações diretas com as mudanças climáticas. Colocando o problema em perspectiva com fatos científicos conhecidos, a produção de plástico aumentou 79% entre 2000 e 2015. Um novo relatório da fundação Minderoo afirma que, em 2019, apenas 2% de todos os plásticos produzidos vieram de materiais reciclados. As previsões estimam que haverá um incremento da produção de plástico virgem de 30% nos próximos cinco anos. Como consequência, argumenta esse relatório, as estimativas são de que, até 2050, apenas a produção de produtos de plástico contribuirá para aproximadamente 10% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Tudo está conectado. Portanto, as medidas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas devem integrar medidas de combate aos poluentes químicos e plásticos.