Pandemia

Células de defesa criadas durante a gripe podem ajudar a evitar a covid-19

A descoberta, feita por um grupo de estudiosos do Reino Unido, abre possibilidade de desenvolvimento de uma única vacina para as duas enfermidades

Vilhena Soares
postado em 11/01/2022 06:00
 (crédito: John Moore/AFP - 13/8/20)
(crédito: John Moore/AFP - 13/8/20)

O resfriado comum pode ajudar a proteger o organismo da covid-19, segundo investigadores britânicos. Eles observaram níveis altos de células T, estruturas de defesa do corpo humano, relacionadas a gripes em indivíduos que tiveram contato direto com infectados pelo novo coronavírus e não foram contaminados. Os dados foram apresentados na última edição da revista especializada Nature Communications e, segundo os autores do estudo, podem contribuir para o desenvolvimento de uma vacina potente — capaz de proteger contra as duas enfermidades.

"Ser exposto ao vírus Sars-CoV-2 nem sempre resulta em infecção, e nós queríamos entender por que isso acontece", relata, em comunicado, Rhia Kundu, primeira autora do estudo e pesquisadora do Instituto Nacional do Coração e Pulmão do Imperial College London. Ela e sua equipe iniciaram a pesquisa em setembro de 2020, quando a maioria da população do Reino Unido não havia sido vacinada contra a covid-19.

Foram avaliadas 52 pessoas que viviam com alguém infectado pelo novo coronavírus. Os participantes realizaram testes de PCR, considerado o exame padrão ouro para o diagnóstico da doença, e análises sanguíneas frequentes durante seis dias após a exposição ao vírus, o que permitiu aos pesquisadores acompanhar os níveis de células T. As análises indicaram níveis significativamente mais altos das células de defesa contra resfriados em 26 pessoas que não foram infectadas pela covid-19, em comparação com os 26 indivíduos que contraíram a doença causada pelo Sars-CoV-2.

"Descobrimos que quantidades maiores de células T preexistentes, criadas pelo corpo quando infectadas por outros coronavírus humanos, como o que causa o resfriado comum, podem proteger contra a infecção da covid-19", explica Kundu. "Nosso estudo fornece a evidência mais clara até o momento de que as células T induzidas por vírus relacionados ao resfriado comum desempenham um papel protetor contra a infecção por Sars-CoV-2", acrescenta Ajit Lalvani, diretor da Unidade de Pesquisa de Proteção à Saúde de Infecções Respiratórias do Imperial College London e também autor do estudo.

As células T têm uma atuação diferente das causadas pelas vacinas atuais da covid-19, que têm como alvo a proteína spike, presente na superfície do Sars-CoV-2 e usada por ele para infectar o corpo humano. Elas atacam as proteínas internas do patógenos causador da covid-19, provocando uma reação de defesa distinta. Dessa forma, a expectativa é de que essas moléculas possam se tornar alvo de novos imunizantes, fornecendo uma proteção ainda mais duradoura. Isso porque as respostas das células T persistem mais do que às dos anticorpos, que diminuem dentro de alguns meses após a vacinação. Há ainda a possibilidade de as fórmulas criadas serem mais estáveis, detalha Lalvani. "Outra vantagem importante é que proteínas internas do vírus, que são atingidas pelas células T, sofrem bem menos mutações. Elas são encontradas no mesmo formato entre as várias linhagens do Sars-CoV-2, incluindo a variante ômicron. Isso evita que os imunizantes também tenham que passar por atualizações para continuar atingindo esse alvo."

Cautela

Apesar dos resultados promissores, os autores são enfaticamente contrários a uma possível estratégia de ter um resfriado comum para se proteger da covid. "Embora essa seja uma descoberta importante, é apenas uma forma de proteção. Enfatizo que ninguém deve confiar apenas nisso. A melhor maneira de se proteger contra a covid-19 é vacinar-se totalmente, incluindo a dose de reforço", afirma Kundu. Além disso, o grupo pondera que o estudo apresenta limitações. Por exemplo, o número de voluntários é pequeno e 88% eram brancos. O objetivo é repetir análises com um grupo maior e mais diverso de participantes.

Segundo Werciley Junior, médico infectologista e coordenador de Infectologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, esse fenômeno já era, inclusive, esperado. "A gente sabe que, quando temos enfermidades semelhantes, como a covid-19 e o resfriado, ambas com o desencadeamento de problemas respiratórios, é bem provável que as células de defesa que agem contra uma também funcionem para outras, evitando até a ocorrência de casos mais graves. Porém não temos como dizer por quanto tempo esses escudos naturais vão durar, pode ser algo momentâneo", diz.

O infectologista também acredita que os resultados obtidos pelos britânicos podem contribuir para o desenvolvimento de imunizantes mais completos. "É uma possibilidade, apesar de não ser algo para agora, já que as células de defesa T são bastante complexas. Estamos ainda começando a entendê-la, e é difícil trabalhar com essas moléculas em laboratório", justifica.

Outro atrativo, diz o especialista, é a redução do número de doses. "Seria uma importante vantagem, até para convencer as pessoas a se vacinarem. Uma única aplicação teria mais aceitação da população", diz. O médico acredita que os próximos anos trarão dados ainda mais valiosos relacionados a doenças respiratórias. "O interesse nessa área foi impulsionado com o surgimento da covid-19. Com isso, podemos esperar novas tecnologias, além das vacinas, com tratamentos mais completos para esses quadros respiratórios, impedindo, assim, complicações mais severas", aposta.

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Pfizer: nova vacina em março

O laboratório americano Pfizer anunciou que espera ter pronta, até março, uma vacina contra covid-19 adaptada à variante ômicron. A previsão foi anunciada, ontem, pelo chefe da farmacêutica, em uma entrevista ao canal financeiro CNBC. "Não sei se vamos precisar, não sei se será usado ou como, mas estaremos prontos. A fábrica já começou a produzir", declarou Albert Bourla. "Esperamos apresentar um produto que protege mais contra infecções, porque a proteção contra hospitalizações e casos graves é bastante razoável com as vacinas atuais se você recebeu a terceira dose", acrescentou. Segundo Bourla, serão necessários mais estudos para determinar a necessidade de uma quarta dose. O diretor-geral do laboratório americano Moderna, Stéphane Bancel, também indicou recentemente que sua empresa trabalha em uma dose de reforço destinada a atacar a ômicron, e que o imunizante deverá entrar "em breve" na fase de ensaios clínicos.

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