SAÚDE E SUSTENTABILIDADE

Especialistas encontram dieta que faz bem aos adeptos e ao meio ambiente

A ideia é oferecer uma opção saudável, que agrida menos os recursos naturais e emita menos gases de efeito estufa

Paloma Oliveto
postado em 09/01/2022 06:00 / atualizado em 10/01/2022 14:12
 (crédito: Villalva Frutas/Reprodução)
(crédito: Villalva Frutas/Reprodução)

Para muitas pessoas, o início do ano é a ocasião ideal para mudar hábitos, incluindo os alimentares. Segundo um artigo da Universidade de Lund, na Suécia, é possível adotar, com sucesso, uma dieta que, além de fazer bem ao organismo, favorece o meio ambiente. No estudo, os pesquisadores testaram um regime elaborado pela Comissão Lancet, um grupo internacional formado por 37 especialistas em saúde e em sustentabilidade de 16 países que, com base em evidências científicas, determinou os componentes ideais das refeições. A ideia é oferecer uma opção saudável, que agrida menos os recursos naturais e emita menos gases de efeito estufa.

Para testar a dieta que recebeu o nome de EAT-Lancet, os pesquisadores utilizaram dados de 22.421 pessoas que participaram de um estudo sueco no qual adotaram um regime alimentar muito semelhante ao proposto pela Comissão Lancet. Quanto mais próximos das diretrizes da EAT, maior a pontuação recebida pelos hábitos alimentares. De acordo com os pontos obtidos, os indivíduos foram divididos em cinco grupos, para comparação dos resultados.

Ao todo, os dados disponíveis referem-se a 20 anos de acompanhamento. Os pesquisadores, então, analisaram a relação entre a dieta e a mortalidade dos participantes. A associação foi ajustada para fatores como tabagismo, atividade física, índice de massa corporal (IMC) elevado e consumo excessivo de álcool. Eles constataram que pessoas com uma ingestão alimentar mais próxima da EAT-Lancet tiveram um risco 25% menor de morte prematura, comparadas àquelas com um padrão dietético menos semelhante a esse regime.

Quando os pesquisadores avaliaram as causas específicas de morte, descobriram que a dieta EAT-Lancet está associada a um risco 32% menor de óbito por doenças cardiovasculares e 24% mais baixo, no caso de mortalidade por câncer. "Queríamos investigar cientificamente como a dieta EAT-Lancet poderia estar ligada à saúde, uma vez que ela ainda não foi suficientemente avaliada. Os resultados mostram, claramente, que ela pode estar associada a um menor risco de morte prematura", diz Anna Stubbendorff, primeira autora do estudo.

De acordo com a pesquisadora, mesmo quando os hábitos alimentares dos participantes estavam mais afastados das metas da EAT-Lancet, com uma adesão de, em média, 50%, ainda assim houve "uma clara diferença na mortalidade total".

A dieta tem como meta a ingestão diária de diferentes tipos de alimentos, sendo que a base da pirâmide é composta por uma grande quantidade de grãos integrais, vegetais, frutas, nozes, sementes e leguminosas (ervilhas, feijões e lentilhas). Por outro lado, o consumo de carne, açúcar e gordura saturada é significativamente mais baixo, em comparação ao padrão tradicional da dieta ocidental.

A preocupação dos elaboradores da dieta é garantir uma alimentação saudável e suficiente para 10 bilhões de pessoas, população estimada para 2050, em um mundo com recursos cada vez mais escassos devido à exploração predatória. Os relatórios da Comissão Lancet — o primeiro foi publicado em 2019, e o mais recente, no mês passado — levam em consideração seis áreas associadas à produção sustentável: impacto climático, uso da água, respeito à biodiversidade, uso de fósforo e nitrogênio e acidificação do solo.

Segundo os pesquisadores, a agricultura ocupa, hoje, quase 40% da cobertura terrestre global. A produção de alimentos é responsável por 30% das emissões de gases de efeito estufa e por 70% do uso da água. "A conversão da terra para produção alimentar é o mais importante fator individual da perda de biodiversidade", aponta o relatório de 2021. "Alimentos de origem animal, especialmente carne vermelha, têm pegadas ambientais altas por porção, comparados a outros grupos alimentares. Isso tem um impacto nas emissões de gases de efeito estufa e na perda de biodiversidade. É particularmente o caso do gado."

Fome X obesidade

Além disso, os cientistas destacam que, globalmente, mais de 820 milhões de pessoas passam fome, ao mesmo tempo em que o mundo registra um aumento nos casos de sobrepeso e obesidade. Atualmente, 2 bilhões de adultos estão com o IMC acima do considerado saudável, sendo que doenças crônicas associadas à alimentação, como diabetes, câncer e problemas cardiovasculares, estão entre as principais causas de óbito mundiais.

Com base em dados sobre saúde humana e ambiental, os integrantes da Comissão Lancet fazem sugestões, como adotar plantas como fonte de proteína (consumo de, ao menos, 125g de feijões, lentilhas, ervilhas e nozes, ou de legumes por dia) e reduzir a ingestão de carne (não mais que 98g de porco, boi ou cordeiro, menos de 203g de aves e de 196g de peixe por semana). Os cientistas também recomendam a moderação para evitar desperdício e excesso de peso, o consumo de produtos com selo de sustentabilidade e o preparo dos alimentos em casa, entre outros.

"A produção global de alimentos ameaça a estabilidade climática e a resiliência dos ecossistemas. Constitui o maior impulsionador individual da degradação ambiental e da transgressão das fronteiras planetárias", destaca Johan Rockström, cientista do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático & Centro de Resiliência de Estocolmo, integrante da Comissão Lancet. "No conjunto, o resultado é desastroso. É urgentemente necessária uma transformação radical do sistema alimentar global. Sem ação, o mundo corre o risco de não cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e o Acordo de Paris."

A nutricionista Renata Monteiro, professora da Universidade de Brasília (UnB) e conselheira do Conselho Federal de Nutricionistas, observa que a adoção de uma dieta adequada à saúde humana e ao planeta não pode ser considerada uma responsabilidade unicamente individual. "A indústria investe bilhões de reais por ano e tem garantida a fala nos diversos espaços de negociação, tanto no Legislativo quanto no Executivo. Muitas vezes, a sociedade civil e os pesquisadores sem conflito de interesse pouco acessam os espaços decisórios e oferecem o conhecimento sem a possibilidade de participar ativamente por falta de recursos, cada vez mais escassos, para a ciência", diz.

"Espaços como Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto no primeiro dia do atual governo, são essenciais para que haja a garantia de que as recomendações e medidas governamentais de segurança alimentar e proteção do direito humano à alimentação adequada e saudável tenham suas decisões pautadas na saúde da população e do planeta", afirma (leia entrevista abaixo).

Três perguntas para Renata Monteiro

Renata Monteiro, nutricionista, conselheira do Conselho Federal de Nutricionistas e professora da UnB

 2021. Crédito: Arquivo Pessoal. Saúde. Renata Monteiro, nutricionista, conselheira do CFN e professora do curso de Nutrição da UNB.
2021. Crédito: Arquivo Pessoal. Saúde. Renata Monteiro, nutricionista, conselheira do CFN e professora do curso de Nutrição da UNB. (foto: Arquivo Pessoal)

Pensando na realidade brasileira, a dieta proposta pela comissão EAT-Lancet é factível para a maioria da população?

A dieta proposta no documento favorece o consumo de alimentos in natura e minimamente processados, tal como o proposto no Guia Alimentar da População Brasileira. A adoção da alimentação que restringe ultraprocessados tem impacto para a saúde do brasileiro e do planeta. A principal diferença é que esse documento da EAT-Lancet propõe quantidades de macronutrientes provenientes de grupos de alimentos. O documento brasileiro propõe que a dieta seja adotada respeitando a cultura alimentar e, ao mesmo tempo, a individualidade, e destaca a importância do consumo (e do fortalecimento) da agricultura familiar e agroecológica que auxilie a aquisição de alimentos mais acessíveis e saudáveis.

Alimentos considerados de qualidade superior, como os integrais e orgânicos, são caros, e muita gente acaba tendo de recorrer aos ultraprocessados. Políticas públicas de saúde poderiam intervir nessa situação?

O preço de alimentos é influenciado por diversos fatores, inclusive subsídios de governos e outras medidas regulatórias. Nos últimos anos, houve o privilégio ao agronegócio e a grandes indústrias multinacionais que produzem ultraprocessados, empregam menos, produzem mais alimentos para exportação, com maiores usos de agrotóxicos, desmatamentos e produção com excessos de açúcar, sódio e gorduras. O direcionamento de políticas públicas que favoreçam medidas de prevenção da saúde, taxação de alimentos ultraprocessados e estímulo da agricultura familiar e agroecológica pode favorecer o consumo de alimentos mais saudáveis pela população.

O consumo de alimentos pouco saudáveis para humanos e o planeta, como carne vermelha, tem forte raiz cultural. Como convencer as pessoas a reduzir esse consumo sem que isso impacte tanto em seus costumes?

O problema não é o consumo em si, mas o que fizemos, ao longo da história, para manter a produção extensiva para consumo em grandes quantidades e fabricação de ultraprocessados à base de carne, como hambúrguer, salsicha e linguiça. Boa parte da produção de soja no mundo, hoje, é para a ração animal. A redução do consumo diário de carne e desses produtos ultraprocessados pode já auxiliar na redução do consumo de gordura e sódio, que favorecem doenças do coração e desenvolvimento de vários tipos de câncer, como pode reduzir a emissão de poluentes e agrotóxicos e o desmatamento. Consumo consciente envolve pensar o coletivo e a responsabilidade de cada um. Quer saber como reduzir o consumo de carne na sua alimentação e não sabe como? Procure um nutricionista. Ele te auxiliará a fazer isso, respeitando sua individualidade e a melhor escolha para a saúde planetária. 

 

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Três perguntas para Renata Monteiro

 (crédito:  Arquivo Pessoal)
crédito: Arquivo Pessoal

Renata Monteiro, nutricionista, conselheira do Conselho Federal de Nutrição e professora da UnB

Pensando na realidade brasileira, a dieta proposta pela comissão EAT-Lancet é factível para a maioria da população?

A dieta proposta no documento favorece o consumo de alimentos in natura e minimamente processados, tal como o proposto no Guia Alimentar da População Brasileira. A adoção da alimentação que restringe ultraprocessados tem impacto para a saúde do brasileiro e do planeta. A principal diferença é que esse documento da EAT-Lancet propõe quantidades de macronutrientes provenientes de grupos de alimentos. O documento brasileiro propõe que a dieta seja adotada respeitando a cultura alimentar e, ao mesmo tempo, a individualidade, e destaca a importância do consumo (e do fortalecimento) da agricultura familiar e agroecológica que auxilie a aquisição de alimentos mais acessíveis e saudáveis.

Alimentos considerados de qualidade superior, como os integrais e orgânicos, são caros, e muita gente acaba tendo de recorrer aos ultraprocessados. Políticas públicas de saúde poderiam intervir nessa situação?

O preço de alimentos é influenciado por diversos fatores, inclusive subsídios de governos e outras medidas regulatórias. Nos últimos anos, houve o privilégio ao agronegócio e a grandes indústrias multinacionais que produzem ultraprocessados, empregam menos, produzem mais alimentos para exportação, com maiores usos de agrotóxicos, desmatamentos e produção com excessos de açúcar, sódio e gorduras. O direcionamento de políticas públicas que favoreçam medidas de prevenção da saúde, taxação de alimentos ultraprocessados e estímulo da agricultura familiar e agroecológica pode favorecer o consumo de alimentos mais saudáveis pela população.

O consumo de alimentos pouco saudáveis para humanos e o planeta, como carne vermelha, tem forte raiz cultural. Como convencer as pessoas a reduzir esse consumo sem que isso impacte tanto em seus costumes?

O problema não é o consumo em si, mas o que fizemos, ao longo da história, para manter a produção extensiva para consumo em grandes quantidades e fabricação de ultraprocessados à base de carne, como hambúrguer, salsicha e linguiça. Boa parte da produção de soja no mundo, hoje, é para a ração animal. A redução do consumo diário de carne e desses produtos ultraprocessados pode já auxiliar na redução do consumo de gordura e sódio, que favorecem doenças do coração e desenvolvimento de vários tipos de câncer, como pode reduzir a emissão de poluentes e agrotóxicos e o desmatamento. Consumo consciente envolve pensar o coletivo e a responsabilidade de cada um. Quer saber como reduzir o consumo de carne na sua alimentação e não sabe como? Procure um nutricionista. Ele te auxiliará a fazer isso, respeitando sua individualidade e a melhor escolha para a saúde planetária. (PO)

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“A Organização Mundial da Saúde declarou que a mudança climática é a maior ameaça à saúde global no século 21, e a (Comissão) Lancet identificou uma série de resultados positivos para a saúde global e para o combate às mudanças climáticas ao se adotar uma redução no consumo de carnes de ruminantes, como boi e cordeiro. Dietas ricas em vegetais com baixo teor de carne podem reduzir as emissões globais, beneficiando o planeta, podem reduzir o risco de câncer colorretal e doenças cardiovasculares, beneficiando o indivíduo, e, consequentemente, podem reduzir as internações hospitalares, diminuindo, assim, a pressão sobre o que, em muitos países, são sistemas públicos de saúde sobrecarregados”,
Elizabeth Robinson, professora de economia ambiental da Universidade de Reading, no Reino Unido

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