Fortalecer a saúde de idosos pode ser uma estratégia eficaz para prevenir a demência, mostram cientistas canadenses e britânicos. Em um trabalho publicado na revista Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, os pesquisadores mostram como um organismo mais fraco é um forte preditor para a doença neurodegenerativa — que tem o Alzheimer como tipo mais comum — mesmo entre pessoas com baixo risco genético de desenvolvê-la. A equipe também enfatiza que essa vulnerabilidade pode ser revertida com a adoção de um estilo de vida saudável.
No estudo, os especialistas avaliaram dados de cerca de 196 mil adultos com mais de 60 anos, todos retirados do UK Biobank, um sistema nacional de dados médicos da população britânica, com informações coletadas por 10 anos. No período, a demência foi identificada, por meio de registros de internação hospitalar, em 1.762 pessoas. Em uma segunda etapa da análise, os cientistas calcularam o risco genético dos voluntários para a doença e usaram uma pontuação para definir o nível de fragilidade considerando as seguintes condições: acúmulo de sintomas, deficiências e enfermidades relacionadas à idade.
"O risco de demência reflete fatores genéticos, neuropatológicos, de estilo de vida e de saúde geral que, por sua vez, dão origem a uma série de anormalidades no cérebro. Por isso, essa é uma doença difícil de ser avaliada e que exige uma análise minuciosa para entender as suas causas", afirma, em comunicado, Kenneth Rockwood, professor de medicina geriátrica e neurologia da Universidade Dalhousie, no Canadá.
Por meio das análises e comparações, constatou-se que, mesmo nos indivíduos com maior risco genético de demência, o risco de ter a doença era menor entre aqueles que estavam em boa forma. Por outro lado, era maior naqueles com mais problemas de saúde. "Em comparação com os participantes do estudo com um baixo grau de fragilidade, o risco de demência foi mais de 2,5 vezes maior (268%) entre os analisados que tinham um alto grau de fragilidade mesmo depois de controlar vários determinantes genéticos da demência", detalham os autores no artigo.
O estudo também mostrou que a combinação de alto risco genético e extrema fragilidade é considerada particularmente prejudicial — com indivíduos nessa condição apresentando risco seis vezes maior de ter a doença neurodegenerativa, quando comparados a pessoas não vulneráveis geneticamente e com uma saúde melhor. "Nossa pesquisa é um grande passo para uma melhor compreensão dessa doença, pois nos revela que a vulnerabilidade genética tem um peso bem menor do que imaginávamos, além de mostrar o valor de um estilo de vida mais saudável, que é algo que pode ser modificado", frisa David Ward, da Divisão de Medicina Geriátrica da Universidade Dalhousi.
Também para os outros responsáveis pela pesquisa a mensagem mais importante do trabalho é que existem caminhos para combater a demência. "Essas descobertas têm implicações extremamente positivas, mostrando que a demência não é inevitável, mesmo que você tenha um alto risco genético", enfatiza Janice Ranson, pesquisadora da Universidade de Exeter. "Podemos tomar medidas significativas para reduzir nosso risco. Combater a fragilidade pode ser uma estratégia eficaz para manter a saúde do cérebro, além de ajudar as pessoas a se manterem móveis e independentes por mais tempo na vida", acrescenta.
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Outras fraquezas
Segundo Otávio Castello, geriatra atuante em neuropsiquiatria geriátrica e presidente da Associação Brasileira de Alzheimer no Distrito Federal (ABRAz/DF), a pesquisa reflete o que é observado na clínica diária e traz dados que ajudam a entender melhor como os hábitos cotidianos podem estar relacionados à demência. "Temos dados bastante robustos nessa pesquisa que são valiosos. Eles nos ajudam a ilustrar o quanto um idoso com uma saúde debilitada apresenta mais riscos de sofrer com a demência", afirma.
O médico enfatiza que é importante explicar o que significa a fragilidade avaliada pelos pesquisadores. "Esse é um nome técnico que usamos para definir uma síndrome clínica em que o idoso apresenta uma maior vulnerabilidade, causada por problemas como pressão alta, diabetes, colesterol alto, baixa potência muscular. Muitas pessoas acham que é normal uma pessoa mais velha apresentar esses problemas, e isso não é verdade. É necessário cuidar desse cenário, até porque esse idoso está suscetível a outras enfermidades além da demência", diz.
Assim como os autores do estudo, Castello acredita que a boa notícia do artigo é que as pessoas mais velhas podem proteger a saúde neural ao mudar os hábitos. "Aumentar a atividade física adequadamente é uma das formas que podem auxiliar nesse fortalecimento. Assim, você se protege desses danos cognitivos e também de casos mais severos de outras enfermidades, como a própria covid-19."
Variar atividades pode ajudar
Um estudo recente da Simon Fraser University (SFU), no Canadá, mostra que, na tentativa de evitar o surgimento do Alzheimer e de outras demências, os idosos devem, além de se manter ativos, variar as atividades da rotina. Dessa forma, uma combinação de hobbies, como praticar exercícios físicos e se manter conectado com pessoas queridas, reduz mais o risco de surgimento de doenças neurodegenerativas do que se dedicar a apenas uma dessas atividades.
Para chegar à conclusão, os pesquisadores avaliaram dados de 3.210 pessoas com idade entre 65 e 89 anos, participantes do Instituto Nacional de Estudo de Saúde e Aposentadoria do Envelhecimento. Os voluntários foram questionados sobre com que frequência se engajavam em 33 atividades, considerando as classificações: "nunca", "pelo menos uma vez por mês", "várias vezes em um mês" e "diariamente".
Assar ou cozinhar, ler, jogar cartas, caminhar por 20 minutos, socializar-se com a família e amigos por meio de cartas, e-mail, telefonemas ou visitas pessoais foram algumas das atividades listadas. Um modelo de aprendizado de máquina foi criado pelos cientistas para analisar o impacto desses fatores na memória dos idosos. "Os resultados do nosso estudo mostram que o declínio cognitivo pode ser reduzido por meio de uma combinação de atividades diárias ativas", afirma Sylvain Moreno, professor-associado da Escola de Artes Interativas da SFU e um dos autores do estudo, publicado na revista Aging-US.
Segundo Moreno, a constatação indica que o papel dos genes no desenvolvimento desse tipo da doença pode ser menor do que o imaginado. "Os cientistas acreditavam que a genética era o principal fator que influenciava a saúde cognitiva, mas nossas descobertas mostram o contrário. Com a idade, sua escolha de atividades diárias é mais importante do que sua genética ou suas habilidades cognitivas atuais."
Para os autores do estudo, os resultados também sugerem que a indicação de cuidados sociais — que estimulem adultos mais velhos a se conectarem com uma série de atividades na comunidade, como jardinagem, aulas de arte ou voluntariado — deve fazer parte das políticas de promoção do envelhecimento saudável.