Até um mês atrás, o metano não havia recebido a atenção que merece. Pouco citada nas discussões sobre clima, essa importante fonte de gás de efeito estufa é quase tão culpada quanto o carbono pelo superaquecimento do planeta. Porém, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26), na Escócia, apontou seu papel na crise global, lançando a pergunta do que se fazer com esse poluente emitido não apenas por tubulações, mas por aterros, resíduos alimentares e pelo crescente setor agropecuário.
De acordo com cientistas climáticos, embora o metano seja responsável por cerca de 10% da emissão humana de gases de efeito estufa, ele responde por 30% dos impactos das mudanças climáticas. O gás tem um mecanismo destrutivo desproporcional: uma tonelada da substância na atmosfera produz 84 vezes mais aquecimento do que a mesma quantidade de dióxido de carbono.
O metano não dura tanto quanto o carbono na atmosfera. Mas é uma falsa vantagem, explica Michelle Nowlin, especialista em política ambiental da Universidade de Duke. "Ele se dissipa em uma escala de tempo de 20 anos, enquanto o dióxido de carbono pode levar 100 anos", diz. "Mas o estrago que faz nesses 20 anos é significativamente maior do que o do carbono em um século. Portanto, é um prazo muito mais curto, mas uma contribuição muito mais intensa para o aquecimento global do que o próprio CO2."
A atenção sem precedentes que se voltou ao metano na COP26 levou líderes mundiais a tomarem medidas para restringir as emissões do gás. Mais de 100 países — inclusive o Brasil — assinaram um compromisso global para reduzir a produção da substância em 30% nos próximos nove anos. Porém, segundo Fred Krupp, presidente da organização não governamental Fundo de Defesa Ambiental, que esteve na COP, o metano tem mais um complicador: a quantidade total do gás liberado na atmosfera é apenas uma estimativa, devido à dificuldade de capturá-lo e medi-lo.
Por exemplo, a maior parte do metano gerado pela pecuária — um importante emissor global — é dispersa pela boca e pelo intestino do gado, e não por seu estrume, o que se torna um desafio óbvio, destaca. "Mas os recentes avanços tecnológicos estão tornando possível medir com mais precisão o gás detectado no ar, e a tecnologia para permitir seu uso como combustível em algumas condições se tornou mais acessível", destaca Krupp.
Segundo Stefan Frank, pesquisador do Grupo de Pesquisa Integrada de Futuros da Biosfera do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados, as especificidades do metano exigem políticas de mitigação diferenciadas daquelas voltadas ao CO2. Ele é um dos autores de um artigo publicado na revista Nature Food sobre as emissões da agropecuária. A pesquisa explorou como os efeitos do gás no aquecimento de curto ou longo prazo podem afetar as políticas mitigatórias e as transições dietéticas na agropecuária.
Ações imediatas
Os resultados indicam que as políticas de mitigação focadas no impacto de curto prazo do metano levam a maiores reduções de emissões. "O estudo destaca a importância das opções de redução do metano para desacelerar a contribuição da agricultura para o aquecimento global", explica Frank. "Dada a curta vida atmosférica do metano, que não só produz efeitos climáticos em um horizonte de tempo relativamente curto, mas também contribui para as mudanças climáticas, isso o torna um elemento interessante e essencial no desenho de políticas de mitigação agrícola", explica.
Em um documento distribuído recentemente, a Sociedade Norte-Americana de Química (ACS) também destacou que, independentemente do setor, as ações focadas em curto prazo são a base para reduzir o impacto do metano nas mudanças climáticas. "A redução das emissões de dióxido de carbono é crucial para o combate às mudanças climáticas, mas o dióxido de carbono já emitido ficará na atmosfera por centenas de anos, o que significa que demorará para que os esforços de mitigação apresentem benefícios", diz a publicação. "Em contraste, a vida média do metano é de 12 anos, mas tem 84 vezes o efeito de aquecimento do dióxido de carbono em 20 anos. Portanto, cortá-lo agora produziria resultados mais imediatos para desacelerar o aquecimento global."
Apesar da dificuldade de se calcular a quantidade do gás liberado na atmosfera, estima-se que 60% das emissões de metano vêm de humanos, com a indústria de combustíveis fósseis e a agricultura sendo os dois maiores contribuintes. O documento da ACS defende que "uma das maneiras mais econômicas de reduzir emissões na indústria de combustível fóssil é selar poços e minas abandonados, consertar equipamentos defeituosos e vazamentos de oleodutos". Os satélites de monitoramento de metano de alta resolução, com lançamento previsto para os próximos anos, facilitarão a detecção dos escapes e fornecerão dados com mais acurácia sobre as emissões.
Origem animal
Soluções para o setor de alimentos são urgentes, segundo pesquisadores da Universidade de Illinois, câmpus de Urbana-Champaign. Eles publicaram um estudo também na Nature Food indicando que os países com maiores emissões de gases de efeito estufa provenientes de alimentos de origem animal — incluindo o metano — são a China, com 8%; o Brasil com 6%; os EUA, com 5%; e a Índia, com 4%.
Com as projeções de aumento da população, o quadro tem tudo para piorar, aponta Atul Jain, professor de ciências atmosféricas e líder do estudo. "Estimamos que o crescimento populacional vai impulsionar a expansão dos subsetores de alimentos, incluindo cultivo de safras e produção de gado, bem como transporte e processamento de produtos, irrigação e materiais como fertilizantes e pesticidas", diz Jain. "O desenvolvimento de estratégias de mitigação do clima deve se basear em estimativas precisas das emissões de GEE de todas as fontes, incluindo aquelas provenientes da produção e do consumo de alimentos vegetais e animais totais e individuais."