Coincidência

Como nossa busca por padrões pode explicar crenças e teorias da conspiração

A verdade é que as coincidências são mais comuns do que possam parecer

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postado em 29/12/2021 12:13
 (crédito: BBC)
(crédito: BBC)

Coincidências acontecem, acredite. Quando dois fenômenos parecem estar ligados, mas na verdade não têm relação entre si, podemos ter dificuldades em aceitar que se trate apenas de coincidência, por acharmos que elas sejam raras.

A verdade, no entanto, é que as coincidências são mais comuns do que possam parecer. Quando aceitamos esse fato, ficamos menos sugestionados a acreditar em conexões inexistentes ou teorias da conspiração.

Para explicar essa tendência humana de ver causa e efeito onde não há nem um nem outro, o psicólogo e escritor canadense Steven Pinker, autor de livros como O Novo Iluminismo e Os Anjos Bons da Nossa Natureza, faz uma pergunta relativa a algo que consideramos bastante pessoal: o dia do nosso aniversário.

Imagine que você esteja em uma festa, sugere Pinker, com algumas dezenas de outros convidados. "Quais são as chances de que dois desses convidados façam aniversário no mesmo dia?", pergunta o psicólogo.

"São mais que 50%. Se a festa tiver 60 convidados, as chances serão mais que 99%", responde ele mesmo.

Surpreso? É natural, e a situação na hipotética festa ilustra bem nosso recorrente espanto diante de coincidências, como explica o escritor.

"Esse é um exemplo de como ficamos, frequentemente, impressionados demais pelas coincidências, porque nos esquecemos de quantas maneiras existem por meio das quais elas ocorrem."

Padrões no acaso

A tendência de ver conexões significativas entre coisas completamente desconectadas é o que psicólogos chamam de apofenia.

O termo descreve o fato de que frequentemente vemos padrões em informações aleatórias, o que pode ser profundamente problemático.

"Quando temos alucinações e vemos coisas que não estão lá, podemos tomar decisões tolas. Podemos imaginar que existem conspirações porque várias coisas ruins acontecem em seguida", diz Pinker.

"Podemos acreditar em divindades malévolas, porque subestimamos como é fácil para infortúnios se agruparem."

Entre as muitas "pegadinhas" que nossos próprios pensamentos podem nos aprontar, estão inclinações a identificar padrões baseados em eventos passados, sem que haja nenhuma base para sustentar algum tipo de repetição ou tendência futura.

"Podemos nos tornar vítimas da 'falácia do apostador'", afirma Pinker, referindo-se a um termo inspirado no erro de achar que exista algum tipo de regra para ocorrências em jogos de azar, como a roleta de cassinos.

"Pense, por exemplo, que, se a roda da roleta parou numa casa vermelha seis vezes seguidas, então seria a vez de ela parar numa preta… Embora, é claro, a roleta não tenha uma memória ou um desejo de jogar de forma justa."

A "falácia do apostador", também conhecida como "falácia de Monte Carlo", é a crença incorreta de que um evento passado influenciará o resultado de um evento futuro. Mas por que tantos de nós caímos nessa história?

"O motivo central de se ter um cérebro é entender o que se passa no mundo", explica Pinker. "Isso é uma coisa útil num ambiente natural, porque não temos um fio saindo direto do nosso cérebro para a realidade, nós estamos sempre interpretando padrões."

Essa capacidade do nosso cérebro é essencial para, por exemplo, identificar perigos na floresta ou possíveis fontes de alimentos, diz ele.

"Nós vemos formas parcialmente obscurecidas por folhas das plantas, nós vemos peixes sob a superfície da água, nós sempre vamos além das informações que nos são dadas."

"Mas isso também significa que podemos exagerar e interpretar coisas que na verdade não estão lá. Não apenas no campo das formas visuais, mas no campo dos acontecimentos."

Aquecimento global com frio?

Essa incapacidade de aceitar o valor da aleatoriedade pode levar a todo tipo de problema. Pode, por exemplo, levar algumas pessoas a não acreditar nas mudanças climáticas após um dia com frio recorde, quando, de fato, se elas pudessem olhar para a tendência histórica, ficará claro que esse dia foi uma flutuação completamente normal, mesmo que aleatória.

Essa dificuldade também pode nos levar a atribuir significado a ocorrências totalmente desconectadas.

"Quando eventos acontecem de forma aleatória ao longo do tempo", afirma Pinker, "eles frequentemente formam grupos, porque não existe um processo tentando separá-los. Isso é algo muito difícil para nós reconhecermos".

A situação fica ainda mais desafiadora para a mente humana, explica o escritor, quando os acontecimentos dizem respeito a nós mesmos e a nossa experiência de vida.

"Quando se trata de eventos nas nossas vidas, que podem ser distribuídos de forma aleatória ao longo do tempo, da perspectiva das nossas mentes buscando padrões, eles parecem vir em grupos", diz ele.

De acordo com Pinker, é aí que essa exagerada e equivocada interpretação de ocorrências pode nos levar a abraçar superstições, crenças infundadas ou teorias da conspiração.

"Podemos acreditar que coisas ruins acontecem em grupos de três, que Deus está testando nossa fé, que nascemos sob um signo ruim."

Uma outra ilusão comum é a chamada probabilidade anterior, às vezes chamada de "falácia do atirador de elite do Texas", inspirada no atirador que atira na parede de um celeiro e depois desenha um alvo em torno do buraco feito pela bala. Essa ideia pode ser aplicada no mercado financeiro, como afirma Steven Pinker.

"Existe a história do consultor do mercado de ações, que envia milhares de cartas, metade prevendo que o mercado iria subir, metade prevendo que iria cair. Ele, então, apaga os nomes na lista que receberam a previsão incorreta."

Muitos, diz Pinker, vão achar que o consultor realmente acertara. "Depois de um ano, haverá pessoas que pensarão que esse sujeito é um gênio."

Já se impressionou com algo dito por alguém se apresentou como "visionário" ou "místico"? Como Pinker explica, trata-se da mesma probabilidade enganosa.

"Essa é uma falácia a que todos nós estamos suscetíveis. É por isso que, com frequência, ficamos impressionados com psíquicos ou adivinhos cujas previsões são incrivelmente corretas, depois que elas ocorrem, mas tendemos a esquecer todas as outras falsas previsões."

Juntos, não caímos

Então, se nós sabemos que somos suscetíveis a cair nessas ilusões, a ver padrões que não existem, o que nós podemos fazer a respeito?

"Estarmos cientes de que todos nós somos vulneráveis a falácias e ilusões, tendências, não significa que nós deveríamos simplesmente, de forma fatalista, erguer as mãos e dizer 'nós humanos somos irracionais e, portanto, precisamos de algum tipo de déspotas benevolentes para tomar decisões por nós, que a democracia foi um grande erro'", diz o psicólogo canadense.

A resposta, segundo Pinker, viria da colaboração entre as pessoas e do fato de que, em geral, costumamos ter mais facilidade em identificar problemas nos outros do que em nós mesmos.

"Provavelmente nenhum de nós é tão sábio a ponto de ser capaz de perceber nossos próprios pensamentos falaciosos. Nós somos muito melhores em perceber o pensamento falacioso de um outro sujeito."

Como em tantas outras atividades humanas, portanto, a interpretação de acontecimentos exige a cooperação entre pessoas, algo proporcionado pela vida em comunidade. É dessa forma que uma sociedade com a abertura para troca de informações, ideias e pontos de vista pode tomar decisões corretas, como explica Steven Pinker.

"Podemos aproveitar essa habilidade em comunidades que possuem liberdade de expressão, debates abertos, um processo contraditório, controle e equilíbrio, edição, verificação de fatos, para que a primeira impressão equivocada de uma pessoa, seu julgamento ilusório instantâneo, possa ser identificada por outro alguém, e a comunidade como um todo implemente a decisão mais razoável."

Este texto foi baseado em um vídeo da BBC Ideas com Steven Pinker. Para assistir ao vídeo, clique aqui.


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