Os tratamentos mais indicados para ajudar pacientes com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) são medicamentos e psicoterapia. Mas esses recursos, muitas vezes, não são suficientes. Para ajudar pessoas não atendidas por essas terapias, cientistas buscam abordagens complementares, como estimulação magnética transcraniana, meditação e outras técnicas de relaxamento. Ainda sob análise, essas ferramentas apresentam resultados positivos em testes experimentais e podem representar uma luz de esperança para indivíduos que precisam lidar com lembranças que os atormentam.
Essas recordações podem ser tão fortes que surgem acompanhadas por impressões sensoriais, como sons e até cheiros, fazendo com que a pessoa reviva todo o episódio de sofrimento. "Os pacientes avaliam esses flashbacks, que chamamos de intrusões, de forma muito negativa. Muitas vezes, eles têm medo de que isso seja um sinal de que estão perdendo a cabeça", explica Marcella Woud, pesquisadora da Universidade Ruhr Bochum, na Alemanha. "A sensação de não ter controle sobre as memórias e vivenciar a ampla variedade de emoções negativas intensas, que, muitas vezes, acompanham as intrusões, torna essas lembranças ainda mais angustiantes", complementa.
Woud e sua equipe buscaram auxílio na tecnologia para ajudar esses pacientes. Os especialistas selecionaram 80 pessoas com TEPT que recebiam os tratamentos tradicionais e as dividiram em dois grupos. Parte foi submetida a quatro sessões semanais de um treinamento computadorizado, com 20 minutos de duração cada. Nessa terapia, os voluntários tinham de ler frases não completas relacionadas aos traumas vividos e concluir as sentenças com algum sentimento. Em seguida, recebiam respostas explicando que a emoção relatada era uma reação normal às experiências negativas.
O segundo grupo foi submetido a sessões placebo, também com o uso de computador, mas sem a realização de exercícios cognitivos. Durante e após o tratamento experimental, foram realizadas várias medições, como testes psicológicos e entrevistas com especialistas, para o registro de alterações nos sintomas do TEPT. Com base nas análises dos dados, os pesquisadores constataram que os pacientes que participaram da terapia computadorizada passaram a perceber os traumas de forma menos negativa, quando comparados ao grupo controle.
Os submetidos ao tratamento experimental também mostraram uma recorrência menor de sintomas. "Isso nos leva a concluir que esse tipo de treinamento parece funcionar, pelo menos no curto tempo analisado", afirma Woud. A cientista explica que o estudo não foi desenhado para examinar os efeitos a longo prazo da abordagem. "É algo que teremos que fazer em estudos futuros, além de avaliar se a terapia pode ser aperfeiçoada para gerar ainda mais benefícios", diz.
Segundo Lidia Nakamura, médica psiquiatra do Centro Psiquiátrico Interdisciplinar (Cenpi), em São Paulo, o uso de ferramentas tecnológicas para tratar o TEPT é uma estratégia que tem sido bastante explorada, com dados positivos. Ainda assim, pondera a especialista, são necessários mais testes para se concluir que a técnica pode gerar ganhos reais aos pacientes. "Alguns especialistas usaram questionários e testes computadorizados para acessar os sintomas, como forma de rastreamento, e obtiveram bons resultados. Já outras linhas de pesquisa são direcionadas para o uso da realidade virtual como intervenção terapêutica. Muitos desses estudos sugerem expectativas promissoras, mas necessitamos de mais pesquisas para maiores esclarecimentos", detalha.
A médica acredita que novas abordagens deverão surgir nos próximos anos, já que os recursos tecnológicos têm sido bastante explorados na psiquiatria em geral. "Acredito, sim, que poderá haver um crescimento nessa área visando ampliar nosso repertório de intervenção não só para o TEPT, mas para outros transtornos, como ansiedade, esquizofrenia, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo", opina. "Estamos nos deparando com um número crescente de pesquisas em saúde mental. A pandemia escancarou a necessidade de se olhar para as emoções. Isso implica em maior interesse e necessidade de estudos, inclusive com novas possibilidades terapêuticas", complementa.
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"Primeira linha"
Uma técnica milenar também poderá ajudar a aliviar os sintomas do TEPT. É o que mostram cientistas americanos. "A meditação transcendental é um recurso terapêutico não focado no trauma e fácil de aprender. Por isso, resolvemos avaliar seu desempenho em pacientes com traumas antigos", explica Mayer Bellehsen, diretor do Northwell Health, um centro estadunidense de saúde comportamental para veteranos militares e suas famílias.
Em seu trabalho, Bellehsen e sua equipe selecionaram 40 veteranos de guerra com TEPT e os dividiram em dois grupos. Metade participou de 16 sessões de meditação transcendental ao longo de 12 semanas. A outra parte manteve apenas o tratamento padrão, com remédios e terapia. Constatou-se que o primeiro grupo apresentou redução considerável das complicações ligadas ao transtorno, como problemas de sono e sintomas de depressão — ansiedade, falta de ânimo, entre outros —, quando comparado ao segundo.
"O estudo atual apoia a eficácia dessa técnica como um tratamento de primeira linha para esses pacientes traumatizados. Trata-se de uma ferramenta cuja eficácia é comprovada com base em evidências sólidas. É mais uma opção de auxílio para aqueles que não querem se envolver em atividades focadas no trauma ou que não estão respondendo a outros tratamentos padrões", defende Bellehsen. "Essa intervenção não requer uma revisão extensa da história traumática, que alguns indivíduos acham difícil de se envolver. A meditação pode, portanto, ser mais tolerável para alguns indivíduos que lutam contra o TEPT."
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Chance de ação personalizada
Ao contrário da meditação, que faz parte dos recursos prescritos para complicações psiquiátricas e psicológicas, a estimulação transcraniana magnética é um recurso terapêutico bastante recente, ainda sendo testado por especialistas da área. Nos testes voltados para o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) — conduzidos por cientistas americanos —, ela mostra resultados positivos, sinalizando, inclusive, quais pessoas poderiam se beneficiar com a abordagem.
"A estimulação cerebral é uma intervenção cara. Sabendo desde o início que seria o tratamento mais eficaz para um determinado tipo de paciente, poderia economizar tempo e sofrimento. Ir direto para essa terapia poderá reduzir o dinheiro gasto em tratamentos que não funcionam", explica Amit Etkin, pesquisador da Universidade de Stanford, nos EUA, e um dos autores do estudo.
Etkin e sua equipe realizaram uma análise de ondas cerebrais de mais de 700 pessoas com TEPT e detectaram dois subtipos de atividades neurais relacionadas ao transtorno (subtipo 1 e subtipo 2). Cada subtipo tinha padrões de conectividade (ação de neurônios) distintos no cérebro. Além disso, o subtipo 2 era caracterizado por uma resposta ruim à psicoterapia, um dos métodos tradicionais de enfrentamento ao transtorno.
Em uma segunda análise, os investigadores observaram que os pacientes com subtipo 2 respondiam melhor a terapias de estimulação cerebral. Para a equipe, os dados podem ser usados para o desenvolvimento de técnicas de estimulação cerebral que se adéquem às características neurais de cada indivíduo. "Nossas descobertas são empolgantes porque refletem o progresso na identificação de biomarcadores com base em evidências sólidas, além de significar um avanço no desenvolvimento de uma escolha personalizada de tratamento. Esperamos que, com testes futuros, que envolvam um número maior de pacientes, consigamos uma aprovação da estimulação magnética transcraniana para indivíduos com TEPT", afirma Etkin.
Depressão
Adiel Rios, pesquisador no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), destaca que a busca por novas opções terapêuticas para tratar o TEPT é extremamente importante. "Essa é uma doença complexa, que nem sempre apresenta uma boa resposta aos tratamentos convencionalmente aprovados, fortemente associado ao suicídio e que costuma causar graves prejuízos na funcionalidade. Um número robusto de pacientes, cerca de 50%, pode não responder ou desenvolver importantes efeitos colaterais relacionados à medicação. Por isso, vem aumentando as pesquisas envolvendo novos tratamento", detalha.
O especialista acredita que a estimulação magnética transcraniana tem ganhado cada vez mais espaço nesse cenário. "Os resultados no tratamento desse transtorno com essa terapia, principalmente nos casos em que a comorbidade associada é a depressão e para aqueles pacientes que apresentam efeitos colaterais ou não respondem à medicação convencional, parecem animadores. Algumas evidências sugerem que a estimulação magnética transcraniana melhora também a ação da serotonina, reequilibrando a área de controle da ansiedade e da depressão", afirma.