Enquanto os laços que unem um casal ou uma família são bastante evidentes e estudados, as relações de amizade parecem ser mais difíceis de compreender.
As motivações para que elas existam, além de seu formato, variam consideravelmente — e entender essa diversidade pode ajudar aqueles que anseiam por um melhor amigo.
Professora de psicologia de Universidade de Sussex, no Reino Unido, Rebecca Graber explica que, apesar dessas variações, na raiz da amizade há um componente essencial: a confiança.
"Entre melhores amigos, tende a haver intimidade, um sentimento de que a outra pessoa está ao seu lado, de que ela está segurando as pontas com você", diz Graber. "É mais sobre a percepção do suporte do que realmente estar presente."
Embora por muito tempo a amizade tenha sido entendida como tendo um origem cultural, cada vez mais pesquisas têm apontado para grandes vantagens evolutivas em formar laços tão próximos com os outros, explica Lydia Denworth, autora do livro Friendship: The Evolution, Biology and Extraordinary Power of Life's Fundamental Bond ("Amizade: a evolução, biologia e o extraordinário poder do laço fundamental da vida", em tradução livre).
"Tradicionalmente, pensamos na amizade como algo cultural, mas é mais profundo e fundamental que isso", afirma a autora.
Pistas no comportamento de outros animais
É olhando para outras espécies, como babuínos e golfinhos, que vemos o quão fundamental é a amizade íntima, diz Denworth. Essas relações não são necessariamente exclusivas, no sentido de escolher um amigo acima de todos os outros. Em vez disso, elas formam ao longo do tempo uma rede com um número indefinido de indivíduos que apoiam uma mesma pessoa.
Assim como os humanos, os golfinhos em particular formam amizades por meio de interesses em comum.
Golfinhos machos que se alimentam em águas profundas, uma prática conhecida como forragear, interagem principalmente com outros forrageadores, segundo um estudo científico de 2019. Esses laços fortes podem durar décadas e são essenciais para o sucesso do acasalamento de cada macho, observa Manuela Bizzozzero, pesquisadora da Universidade de Zurique (Suíça) e principal autora do estudo.
Os babuínos também formam relacionamentos fortes para ajudá-los a superar as adversidades do início da vida, mostram pesquisas.
Um estudo de 2003, liderado pela primatologista Jeanne Altmann, da Universidade de Princeton (Estados Unidos), descobriu que as amizades entre babuínos adultos do sexo feminino aumentavam a taxa de sobrevivência de seus filhotes. Outro estudo também mostrou que babuínos com fortes laços sociais passam por menos estresse e que as fêmeas buscam novas relações quando um amigo próximo é morto por predadores.
"O melhor retorno para um investimento é ter bons amigos: isso ajuda a lutar contra os leões", afirma Denworth.
O que fazem as crianças
Encontrar e manter amigos é uma habilidade que pode levar algum tempo para ser desenvolvida.
Por volta dos quatro anos de idade, as crianças desenvolvem a compreensão de que outras pessoas podem ter pensamentos, interesses e sentimentos diferentes dos delas. Essa nova habilidade, conhecida como "teoria da mente", ajuda na formação de amizades, diz Eileen Kennedy-Moore, psicóloga clínica e autora do livro Growing Friendships: A Kids' Guide to Making and Keep Friends ("Cultivando amizades: um guia das crianças para fazer e manter amigos").
"Elas aprimoram a percepção da perspectiva de outra pessoa, e isso alimenta amizades mais íntimas."
As crianças costumam ter uma visão pragmática da amizade, formando laços estreitos com aqueles que estão próximos, como no parquinho ou na sala de aula.
"O que as crianças têm como vantagem sobre os adultos é que ficam na mesma sala com outras 25 pessoas nesse estágio de vida", diz a psicóloga. "Na idade adulta, é preciso um esforço deliberado para encontrar e cultivar amizades."
De acordo com um estudo, os adultos costumam precisar de 50 horas juntos para fazer a passagem de "meros conhecidos" para "amigos casuais"; 90 horas para se considerarem amigos; e mais de 200 horas para se tornarem amigos íntimos que compartilham uma conexão emocional.
Já quando crianças, as amizades muito próximas ajudam na preparação para relacionamentos íntimos da vida adulta, inclusive os românticos.
"Ter melhores amigos é realmente como se apaixonar", aponta Kennedy-Moore. "Amizades íntimas na infância ajudam as crianças a praticar as habilidades de que precisam em relacionamentos íntimos ao longo de suas vidas. Elas aprendem sobre outras pessoas e sobre si mesmas, a lidar com sentimentos como solidão, ciúme e frustração."
Pais podem apoiar seus filhos na formação de amizades, organizando encontros divertidos fora da escola, por exemplo.
"As crianças geralmente fazem amigos se divertindo juntas, então você pode pensar nos interesses do seu filho e buscar atividades que se encaixam na personalidade dele e que podem ser realizadas com outras crianças", aconselha Kennedy-Moore.
Benefícios para a saúde
Ajudar as crianças a desenvolver amizades fortes pode ser um presente para a vida toda, incluindo a perspectiva de uma melhor saúde física e mental. Já se sabe que as amizades próximas têm impacto positivo na saúde cardiovascular e neuroendócrina, bem como no sistema imunológico.
De acordo com uma revisão de 148 estudos publicada em 2010, amizades fortes proporcionam maiores benefícios à saúde do que parar de fumar, perder peso ou praticar exercícios. Ter um grupo próximo de amigos e fortes laços familiares reduz o risco de mortalidade em 50%,
Uma outra pesquisa, com 20 mil americanos, mostrou que estar sozinho ou isolado tem o mesmo impacto na mortalidade do que fumar 15 cigarros por dia.
O Estudo de Desenvolvimento de Adultos de Harvard, que começou em 1938 e já acompanhou mais de 700 homens ao longo de suas vidas, descobriu que a satisfação das pessoas com seus relacionamentos aos 50 anos de idade era um preditor melhor da saúde futura do que seus níveis de colesterol.
Essas descobertas mostram a importância de tratar a amizade como um "esforço para toda a vida", diz Denworth.
"Nunca é tarde para fazer novos amigos, mas é uma ótima ideia começar cedo."
Embora alguns estudos se debrucem sobre os benefícios das trocas entre melhores amigos, as evidências científicas sugerem que importa mais a qualidade e a reciprocidade dos relacionamentos, e não a quantidade de amigos.
Para as crianças, esses vínculos podem desempenhar um papel vital no enfrentamento de adversidades. Aquelas que têm um melhor amigo tendem a sentir menos solidão e depressão, e têm maior autoestima.
Um estudo em particular descobriu que ter amigos próximos e solidários pode ajudar crianças de baixa renda a lidar melhor com circunstâncias difíceis.
No entanto, o título de "melhor amigo" por si só não é garantia de um relacionamento de alta qualidade. Quando uma relação próxima assim implica em discutir excessivamente os problemas, isso pode levar ao aumento de sintomas de depressão e ansiedade, de acordo com um estudo de 2007.
Para crianças que ainda não encontraram aquele amigo especial, ainda existem muitas oportunidades pela frente. As amizades mudam o tempo todo durante a infância, diz Graber.
Entretanto, quando melhores amigos se separam ou uma deles muda de cidade, isso pode ser bem difícil para as crianças, que não estão acostumadas com o fim de um relacionamento.
"Não existe um ritual para as crianças lamentarem a perda desse relacionamento", diz ela, acrescentando que é importante que os pais conversem sobre isso com os filhos, oferecendo apoio.
Diferenças culturais
Escolher um melhor amigo não é o modelo ideal para todas as culturas — em algumas, há preferência por grandes grupos, formados por parentes e amigos.
Em muitas comunidades pequenas e rurais em todo o mundo, as crianças frequentam a escola com seus primos, veem-nos como amigos íntimos e não fazem distinção entre amigos e parentes, diz Evan Killick, professor sênior de antropologia da Universidade de Sussex (Inglaterra).
Killick estudou as relações do povo Ashaninka na Floresta Amazônica. Nessa comunidade, os relacionamentos com os membros da família geralmente superam as amizades, diz Killick.
"Nas sociedades urbanas ocidentais, a ideia de ter um amigo próximo é importante porque você não tem uma rede de parentesco mais ampla."
Já as crianças ashaninka só começam a fazer amizades fora de sua família quando atingem a puberdade e buscam relações comerciais e parceiros para o casamento. Inicialmente, são relações transacionais, focadas em resultados pragmáticos, mas que podem evoluir para fortes laços emocionais com o tempo, diz Killick.
Um estudo recente explorou as diferentes maneiras como russos e canadenses consideram a amizade. O trabalho descobriu que os russos veem a amizade como um vínculo mais íntimo, enraizado na confiança e proximidade, em comparação com os canadenses.
"O modelo russo tem menos amigos, mas relacionamentos muito profundos e intensos", diz Marina Doucerain, principal autora do estudo e professora associada da Universidade de Quebec (Canadá).
O modelo canadense dá maior ênfase à independência dos envolvidos e à moderação das expectativas.
"Não existe a ideia de que você estará ao lado do seu amigo nas adversidades, não importa o que aconteça", diz Doucerain.
Na comparação entre o idioma russo e o inglês, há diferenças marcantes quando se trata da amizade.
Os russos só usam o termo "amigo" (droog) para as pessoas muito próximas, enquanto aquelas mais envolvidas em atividades de lazer são como "colegas" (druzhishe e koresh), explica Doucerain.
Já em inglês, a palavra "amigo" pode descrever "uma ampla gama de relacionamentos".
Pode haver uma explicação histórica para essas diferentes posturas em relação à amizade, avalia a pesquisadora.
"Na União Soviética, era extremamente arriscado ter relacionamentos próximos, mesmo entre famílias", diz. "A solução era ter algumas pessoas nas quais se pudesse confiar completamente. Essa noção de confiança é muito importante para as amizades russas."
Quer seja um amiguinho do recreio, um primo próximo ao estilo ashaninka, um "droog" russo ou um golfinho parceiro de caça em águas profundas, ter um amigo e aliado na vida pode claramente fazer uma grande diferença. Para alguns, esse vínculo começa na infância. Para outros, pode levar mais tempo. Mas, como defende Denworth, vale à pena persistir: nunca é tarde para encontrar um melhor amigo.
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