Pesquisadores franceses descobriram pelo menos 70 novos planetas flutuantes. Esses objetos cósmicos, que apresentam um tamanho semelhante aos dos integrantes do Sistema Solar, como Terra e Júpiter, mas que vagam pelo espaço sem uma estrela-mãe, como o nosso Sol, foram encontrados em uma região próxima da Via Láctea. Trata-se da maior descoberta do tipo, fruto da análise de milhares de imagens coletadas durante 20 anos de observações. Detalhes do trabalho foram apresentados na última edição da revista especializada Nature Astronomy e podem ajudar a desvendar a origem da formação desses elementos, o que ainda é uma incógnita para os astrônomos.
"Não sabíamos quantos iríamos encontrar e estamos animados por ter identificado tantos", enfatiza, em comunicado, Núria Miret-Roig, pesquisadora do Laboratório de Astrofísica da Universidade de Bordeaux, na França, e principal autora do estudo. A cientista explica que planetas flutuantes são difíceis de serem rastreados, já que ficam distantes de estrelas, ou seja, no escuro, dificultando, assim, a captação de suas imagens.
Para contornar esse problema, Miret-Roig e sua equipe testaram um método novo e se aproveitaram do fato de que, nos poucos milhões de anos após a sua formação, esses planetas ainda são quentes o suficiente para brilhar, o que os torna diretamente detectáveis por câmeras sensíveis em grandes telescópios. "Medimos os minúsculos movimentos, as cores e a luminosidade de dezenas de milhões de imagens de uma grande área do céu. Essas medições nos permitiram identificar com segurança os objetos mais fracos nessa região, esses planetas rebeldes", detalha.
Os planetas flutuantes foram identificados na região Upper Scorpius OB, que está a 420 anos-luz da Terra. Essa área contém várias das nebulosas (nuvens formadas por poeira cósmica) mais famosas, incluindo a Rho Ophiuchi, a Nebulosa do Pipe, Barnard 68 e o Coalsack. Até 3.455 candidatos a objetos cósmicos significativos foram identificados na análise, dos quais pelo menos 70 e até 170 objetos do tamanho de Júpiter podem ser considerados planetas órfãos.
Os astrônomos relatam que não é possível fechar um número exato de planetas devido a incertezas relacionadas à idade presumida da região e à massa dos objetos. "Pudemos inferir as massas individuais comparando o brilho de cada planeta apenas com modelos teóricos. A principal dificuldade é que os planetas são relativamente brilhantes quando jovens e desaparecem rapidamente com o tempo. Então, se a idade do planeta não for conhecida com precisão — o que é o caso em nossa amostra —, é difícil diferenciar um planeta massivo antigo de um mais jovem, mas menos massivo", explica Miret-Roig.
No artigo, os autores destacam que a descoberta só foi possível graças à grande quantidade de imagens avaliadas, que foram captadas por uma série de telescópios de porte amplo espalhados pelo mundo e avaliadas com "ferramentas estatísticas modernas combinadas com técnicas de mineração de dados". "A grande maioria dos nossos dados vem de observatórios do European Southern Observatory (ESO), que foram absolutamente essenciais para esse estudo. Seu amplo campo de visão e sua sensibilidade única foram fundamentais para o nosso sucesso", afirma Hervé Bouy, pesquisador do Laboratório de Astrofísica da Universidade de Bordeaux e também autor do estudo. Segundo ele, a equipe usou dezenas de milhares de imagens de campo amplo fornecidas pelo ESO, somando "centenas de horas de observações e, literalmente, dezenas de terabytes de dados."
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Enigma
A descoberta inédita poderá ajudar a melhorar o entendimento de como planetas rebeldes se formam. Há a hipótese de que esses objetos cósmicos podem ter surgido a partir do colapso de nuvens de gás, que seriam muito pequenas para levar à formação de uma estrela. Também cogita-se que eles foram expulsos de seu sistema original. O novo estudo pode trazer uma outra resposta, segundo Miret-Roig. "Nosso resultado excede o número de planetas flutuantes caso eles realmente surgissem apenas de uma pequena nuvem molecular, indicando que outros mecanismos devem estar em jogo", justifica. "Pode haver vários bilhões desses planetas gigantes de flutuação livre vagando livremente na Via Láctea, sem uma estrela hospedeira", cogita Bouy.
Os autores enfatizam a necessidade de um estudo de acompanhamento para medir, com precisão, a idade e a massa desses novos planetas, além de determinar outras propriedades físicas, como a temperatura efetiva e a composição. Como próximo passo, eles pretendem avaliar um número ainda maior de imagens, utilizando dados coletados pelo Extremely Large Telescope (ELT), também do ESO, que está em construção no Deserto do Atacama, no Chile, e deve iniciar as observações no fim desta década.
"Esses objetos são extremamente tênues e pouco pode ser feito para estudá-los com as instalações atuais. O ELT será absolutamente crucial para reunir mais informações sobre a maioria dos planetas invasores que encontramos", diz Bouy. "Esse projeto ilustra a incrível importância de fornecer acesso a dados de arquivo de diferentes telescópios, não apenas nos EUA, mas em todo o mundo."
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Lançamento do maior telescópio
Depois de mais de 30 anos de espera e de superar uma série de problemas, o telescópio James Webb, o maior e mais potente instrumento de observação já construído, deve ser lançado amanhã ao espaço, onde vai explorar as origens do Universo e buscar por exoplanetas parecidos com a Terra. A tecnologia, desenvolvida pela Agência Espacial Americana (Nasa), em colaboração com a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Agência Espacial Canadense (CSA), partirá de Kourou, na Guiana Francesa, a bordo do foguete Ariane 5.
"Estamos muito emocionados, esperamos esse momento há muito tempo", disse à Agência France-Presse de notícias (AFP) Pierre Ferruit, um dos cientistas da ESA encarregados do projeto. A lista de espera para acessar os horários de observação do novo telescópio só cresce, e a agência europeia informou que já recebeu mais de mil solicitações só para o primeiro ano de funcionamento. Na avaliação de Ferruit, isso mostra que "as questões pelas quais o Webb foi concebido continuam sendo atuais, 20 anos depois".
Segundo especialistas, trata-se de um observatório incomparável, tanto em tamanho quanto em complexidade. Equipado com um imenso espelho composto por 18 segmentos hexagonais, James Webb tem diâmetro de 6,5 metros, três vezes o do Hubble. Seu espelho é tão grande que precisou ser dobrado como um origami para ser colocado na nave que o levará ao espaço.
O lançamento estava previsto para ontem, mas foi adiado devido às más condições meteorológicas, anunciou a Nasa. Ele será posicionado na órbita do Sol, a cerca de 1,5 milhão de quilômetros da Terra. Essa localização, conhecida como Lagrange 2, foi minuciosamente escolhida, explica Ferruit. Permite que "a Terra, o Sol e a Lua estejam situados do mesmo lado de seu guarda-sol, o que lhe permite permanecer na escuridão, facilitando o seu trabalho."