Líderes de quase 200 nações aprovaram, na tarde de ontem (13), o documento final da Cúpula do Clima (COP26), em Glasgow, na Escócia. O acordo define regras para o mercado global de carbono, que prevê a negociação de créditos entre países com base na quantidade de emissões feitas ou evitadas de CO2 na atmosfera. Outro destaque do texto, cujo teor foi atenuado ao longo das negociações, é um apelo em favor da redução gradual do uso de combustíveis fósseis. Especialistas dizem que houve avanços, mas, insuficientes na luta contra a catástrofe climática.
A regulamentação do mercado de carbono - importante instrumento para financiar os esforços contra o aquecimento global - era prevista desde o Acordo de Paris, em 2015. Alguns países têm seus mercados internos regulamentados, e outros operam com mecanismos voluntários, como é o caso do Brasil. O sistema internacional - cujos detalhes da operação ainda serão definidos - é um passo para que países em que há grandes áreas de absorção de CO2 (como a Amazônia) possam negociar títulos com nações poluentes, que precisam compensar o excesso de emissões na atmosfera.
Na última COP - a de Madri, em 2019 - a delegação brasileira foi um dos principais obstáculos para um acordo. Nesta conferência, entretanto, o governo decidiu fazer concessões e aceitar o modelo proposto. Uma das principais críticas do Brasil tratava dos itens que impedem a dupla contagem: que a emissão de um crédito de carbono seja contado e abatido das emissões totais do país que vendeu e, também, do que comprou.
Outro destaque do documento aprovado nesta COP é a previsão de redução gradual do uso de combustíveis fósseis. A linguagem do texto, que inicialmente previa o abandono desse tipo de poluente, foi suavizada ao longo das negociações, após forte pressão de países produtores ou consumidores de combustíveis fósseis, especialmente o carvão. Nas últimas horas de negociação, houve apelo de China e Índia para usar o termo "redução" no lugar de "eliminação" dos poluentes. Os dois países quase barraram as negociações de última hora, por causa da posição contrária ao parágrafo sobre a necessidade de eliminar a dependência do carvão e os subsídios aos combustíveis fósseis.
"Parte justa"
O ministro indiano do Meio Ambiente, Bhupender Yadav, argumentou que as nações menos industrializadas, com pouca responsabilidade histórica pelo aquecimento global, têm "direito a sua parte justa do orçamento global de carbono e têm direito ao uso responsável de combustíveis fósseis".
A mudança, para garantir a assinatura de Índia e China, foi alvo de fortes críticas de outros países, como México e Suíça, que reclamaram da falta de transparência dessa negociação.
O texto final também recomenda dobrar os recursos oferecidos pelos países ricos às nações em desenvolvimento, com o objetivo de financiar ações contra o aquecimento global e adaptações às mudanças climáticas. Em 2009, os países desenvolvidos haviam se comprometido a criar, até o ano passado, um fundo climático de US$ 100 bilhões. A promessa, porém, não foi cumprida. Segundo os cálculos mais recentes, o montante oferecido para essa finalidade não passou de US$ 80 bilhões.
O financiamento dessas estratégias para enfrentar as mudanças climáticas foi motivo de um dos principais embates ao longo da COP. Ainda na plenária final do evento, ontem à tarde, representantes das nações mais pobres reivindicaram mais verbas. O Brasil foi uma das principais vozes nos apelos por mais dinheiro dos países desenvolvidos.
O pacto propõe ainda que países-membros apresentem, até o fim de 2022, novos compromissos nacionais de cortes de emissões de gases de efeito estufa, três anos antes do previsto, ainda que "tendo em conta as diferentes circunstâncias nacionais".
Relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima das Nações Unidas, em agosto, mostrou que a Terra está esquentando mais rápido do que era previsto, e se prepara para atingir 1,5º C acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do esperado.
Vilão da vez
O Brasil chegou à conferência sob desconfiança internacional, diante da explosão do desmatamento na Amazônia e da postura de pouco diálogo do presidente Jair Bolsonaro sobre a agenda ambiental. Na conferência, entretanto, o país aderiu a acordos propostos por Estados Unidos e países europeus, como os pactos para conter o desmatamento e as emissões de gás metano.
Analistas consideram positivo que o Brasil não tenha colocado obstáculos nas negociações, mas apontam que recuperar a reputação na área ambiental dependerá de ações efetivas da gestão Bolsonaro. Enquanto a COP ainda ocorria, dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, mostraram que o desmate na Floresta Amazônia bateu recorde em outubro na série histórica de sete anos.
Frustração dos países em desenvolvimento
Os países em desenvolvimento brigaram até o fim para garantir compensações financeiras, mas obtiveram um resultado discreto. O enviado especial dos Estados Unidos, John Kerry, seu homólogo chinês, Xie Zhenhua, e o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, passaram os últimos dias alternando conversas com os vários grupos de negociadores, para alinhavar um texto que, após os discursos de encerramento do evento, foi praticamente aceito por unanimidade, embora com duras críticas.
Logo após o anúncio do acordo, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, alertou que o mundo ainda segue às portas de uma catástrofe climática. "(O acordo) reflete os interesses, as contradições e o estado de vontade política do mundo, hoje. É um passo importante, mas não é o suficiente. É hora de ligar o modo emergência", declarou.
Os diferentes grupos de países em desenvolvimento decidiram não bloquear o avanço das negociações, apesar de não terem sido contemplados com a criação de um instrumento formal internacional que desse resposta ao problema do financiamento das chamadas perdas e danos decorrentes do aquecimento global.
O projeto de declaração debatido nas últimas horas da conferência de Glasgow apenas propunha acelerar a aplicação das medidas técnicas já previstas, sem metas temporais.
"Entendemos que (essa linguagem) não reflete nem prejudica a solução que queremos sobre o financiamento de perdas e danos para os mais vulneráveis", disse o representante de Guiné, Amadou Sebory Touré, líder do grupo de negociação G77 China, que reúne mais de 100 países em desenvolvimento e emergentes.
A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis, na sigla em inglês), referindo-se também ao espírito de "compromisso", assinalou que o esboço da declaração inclui avanços em "algumas de nossas prioridades", mas deixou clara a frustração do bloco. "Estamos muito decepcionados pela ausência de elementos sobre perdas e danos e expressaremos nossas demandas em seu devido momento", registrou a Aosis em nota.
O enviado dos EUA, John Kerry, tentou, por sua vez, tranquilizar os países desfavorecidos: "estamos dispostos a participar do diálogo sobre perdas e danos e a contribuir para o seu sucesso", garantiu Kerry.
Já o representante da União Europeia, que também se opôs ao mecanismo internacional, reconheceu que esse é apenas o "começo do que temos de faz er em matéria de perdas e danos".
Observadores criticam a falta de metas objetivas
Representantes da sociedade civil, ambientalistas, cientistas e observadores do mundo todo deixam a COP26 aliviados pelo fato de a conferência ter conseguido formatar um acordo, mas criticaram a falta de balizas mais específicas para atingir metas de redução das emissões e de elevação da temperatura global.
Para a jovem ativista Greta Thunberg, que ajudou a mobilizar milhares de jovens na COP26, a conferência sobre o clima foi puro "blá-blá-blá". Em publicação no Twitter, a sueca escreveu que "o verdadeiro trabalho continua fora dessas salas. E nunca, nunca nos renderemos".
"O que este texto está tentando fazer é tapar buracos e iniciar um processo", resumiu Helen Mountford, do World Resources Institute. O texto "é tímido, é fraco e a meta de 1,5º C mal está viva, mas dá um sinal de que a era do carvão está acabando. E isso é importante", contemporizou a diretora executiva do Greenpeace, Jennifer Morgan.