O pesquisador e biólogo Atila Iamarino usou as redes sociais, na noite de terça-feira (9/11), para denunciar uma alteração indevida — e incorreta — nos dados pessoais dele cadastrados na plataforma ConecteSUS, do Ministério da Saúde. Os nomes dele e da mãe, e a nacionalidade foram alterados no Certificado Nacional de Vacinação Covid-19.
“Descobri que também invadiram meus dados no ConecteSUS. Ministério da Saúde, como me sentir com meus dados na mão de quem faz isso? Com os dados do meu filho lá?”, questiona Atila.
“Não preciso do certificado agora e já pedi a correção. Mas a sensação de ter dados sensíveis alterados assim não passa com o reparo. É inadmissível ter os dados alterados dentro do órgão oficial que deveria prezar pela nossa informação”, reclamou o pesquisador.
A postagem, feita no Twitter, tem mais de 25,6 mil curtidas e gerou uma onda de respostas de usuários que descobriram ter sofrido o mesmo que o pesquisador. Na maioria dos casos relatados, as mudanças indevidas ocorreram em registros de retiradas de medicamentos em farmácias populares — nas quais o cidadão consegue um remédio de maneira gratuita.
“Fuçando no app vi que no meu cadastro consta retirada de medicamentos em 5/18 em São José dos Pinhais, sendo que nessa data nem no BR (Brasil) estava. Para isso acontecer precisa mostrar documento de identidade e 2x vias da receita, não? Descaso total”, compartilhou Fernando Campos.
“No meu aconteceu o mesmo, retiradas de Sinvastatina e Hidroclorotiazida entre os meses 10, 11 e 12 de 2016. Nunca tomei nada disso”, respondeu Adriano Taba.
Os testes para detecção de covid-19, feitos por meio do SUS, também foram registrados de maneira indevida nos cadastros dos usuários. “Verifiquei meu app do ConecteSUS e consta dois testes de covid, sendo que fiz apenas um. O segundo aparece feito em Juiz de Fora e em uma data que eu posso provar que não estava em Minas… Decepcionado Ministério da Saúde”, diz Alexandre Rosário.
O mesmo ocorreu com o usuário Diguénada, que percebeu o registro de um teste de covid em Ceará, quando, na verdade, ele nunca esteve no estado citado e nem se submeteu a nenhum exame de detecção. “Isso é um absurdo”, frisou ele.
O que diz o Ministério da Saúde
Em nota, a pasta reconheceu as alterações indevidas apenas no caso de Atila Iamarino e informou que “a modificação não foi feita por servidor do ministério, mas por um operador credenciado, o qual já teve o seu acesso ao sistema bloqueado”.
O Ministério da Saúde não respondeu ao questionamento sobre as alterações em massa serem resultado de uma ação conjunta e não individual. Apesar disso, a nota diz que a pasta “está atuando para restaurar os cadastros e bloquear os operadores responsáveis pelas alterações indevidas”. No entanto, não descreveu quais outras ações pretende tomar para que a falha, recorrente, não ocorra mais.
Quem perceber a mudança nas informações inseridas na plataforma deve procurar a ouvidoria, por meio do número 136.
Alteração de dados na plataforma não é inédita; denúncias ocorrem em intervalos cada vez menores
A onda de descobertas de alterações de dados é a terceira em cinco meses. As últimas denúncias, no entanto, ocorreram há apenas 12 dias por youtubers. Pelas redes sociais, Felipe Neto e o casal Felipe Castanhari e Nyvi Estephan notaram que termos pejorativos e sexistas foram inseridos no local do nome dos dois.
Eles também notaram que a alteração foi feita apenas no Certificado Nacional de Vacinação da covid-19, assim como ocorreu com Atila. Já no caso de Felipe Neto, a alteração foi no status de vida do empresário. Ele foi dado como morto na plataforma.
Os primeiros casos de alteração foram identificados em julho, por políticos da esquerda. No dia 13 daquele mês, a deputada e presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, notou que o cadastro no SUS estava com o nome de Bolsonaro. Além disso, o perfil estava inativo por motivo de óbito.
No dia 19 daquele mês, Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-candidato a prefeito de São Paulo, anunciou que os nomes dos pais foram alterados no sistema por ofensas e “xingamentos grosseiros”.
Na época, Boulos relacionou a alteração a um ataque bolsonarista. “Estamos diante de um ataque que é a cara do bolsonarismo e que mostra até que ponto as garras bolsonaristas estão estendidas sobre a máquina pública. É lamentável que nem mesmo o SUS esteja a salvo do Gabinete do Ódio!", frisou. O Ministério da Saúde informou que a invasão foi feita por uma pessoa "credenciada para utilizar o sistema de cadastro de dados”.
Dois dias depois, a ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB) notou que, no cadastro do SUS, ela estava como morta desde 2018. A ex-candidata à vice-presidência da República percebeu o ocorrido quando foi tomar a primeira dose da vacina contra a covid-19. “No dia em que fui me vacinar, fiquei algumas horas na fila, emocionada. Quando foram preencher meu cadastro, não encontraram meus dados. Imaginei que podia ser algo relacionado à legislação sobre figuras politicamente expostas”, disse.
A invasão de dados é preocupante não só pela sensação de insegurança, mas pelo próprio caráter da plataforma do Ministério da Saúde. Criada para consolidar o histórico de toda trajetória pessoal do cidadão no SUS, a mudança de informações pode impossibilitar exames, vacinas, retirada de remédios e até mesmo ser contabilizada como uma pessoa viva.