A dois dias do encerramento da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de Glasgow (COP26), a presidência do evento divulgou o rascunho do texto final, que precisa ser aprovado por unanimidade pelos 196 signatários do Acordo de Paris na sexta-feira. O texto traz duas novidades em relação ao redigido há seis anos, que prometem polêmica nas mesas de negociação. O documento sugere que o prazo para se atingir as metas de corte de emissões seja 2022, em vez de 2025. Além disso, abraça a proposta dos países mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global: a revisão anual, e não mais a cada cinco anos, das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), ou seja, o compromisso que cada nação assumiu para fazer valer o que foi acordado na capital francesa, em 2015.
O Acordo de Paris diz que se deve chegar ao fim do século com um aumento máximo da temperatura em relação aos níveis pré-industriais de 2°C e, se possível, 1,5°. Com essa finalidade em mente, os signatários têm de apresentar, até 2030, suas NDCs, revendo o nível de ambição a cada cinco anos. Depois dessa data, dependendo do cenário, serão estabelecidas novas metas. Porém, seis anos depois do documento, o que foi feito até agora e o ritmo com que as ações têm sido colocadas em prática apontam para um aquecimento de 2,4°C a 2,7°C. As consequências serão catastróficas, conforme relatórios científicos recentes. Além disso, o mundo está emitindo mais carbono, e não reduzindo, como era o esperado.
Desde o início da COP26, o grupo dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento, formado por países como Nova Guiné e República Dominicana, insistem que a revisão das NDCs seja anual. Uma ideia que tem a simpatia do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterrez, que tem reiterado, em seus discursos, que o ritmo das ações para o cumprimento do Acordo de Paris é incompatível com o objetivo traçado.
Ontem, na abertura das sessões do evento, em Glasgow, o presidente da COP fez um apelo aos negociadores: "Estamos avançando, mas ainda temos uma montanha a escalar nos próximos dias", disse o britânico Alok Sharma. "O que foi comprometido coletivamente (até agora) atende até certo ponto, mas certamente não para manter a meta de 1,5°C ao alcance. A lacuna da ambição diminuiu." Embora o encerramento oficial da conferência seja na sexta-feira, a expectativa das delegações é de que se estenda por mais tempo, possivelmente continuando até a próxima semana. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, voltou a entrar em cena em Glasgow para acompanhar de perto as negociações finais.
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Cenário piorado
A antecipação da data para corte de emissões também é um apelo dos Estados insulares e de outros países em desenvolvimento. Segundo cientistas, é preciso reduzir em 45% o lançamento de gases de efeito estufa ainda nesta década para que o limite de 1,5°C seja viável. Embora o Acordo de Paris também aceite o aumento de 2°C, os cenários apontados por modelos climáticos são piores do que os de seis anos atrás, o que tem feito com que delegados e organizações não governamentais peçam para não se extrapolar 1,5°C. A meta parece cada vez mais longe — na terça-feira, a ong Climate Action Tracker indicou que as NDCs apresentadas até agora colocam o planeta no caminho dos 2,4°C.
"Estamos longe de nosso objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, e a ciência nos diz que qualquer coisa acima disso terá impactos ainda mais catastróficos sobre as pessoas e a vida selvagem", reagiu o assessor climático da WWF Internacional Stephen Cornelius. "O tempo está se esgotando. Os líderes devem ouvir as pessoas nas ruas que pedem ação, não palavras, se comprometer em Glasgow a aumentar drasticamente a ambição de seus planos de ação climática e apresentar ações confiáveis, políticas poderosas e financiamento ambicioso agora."
Carvão
O rascunho do documento final da COP traz outra novidade em relação às conferências anteriores: pela primeira vez, pede que os países "acelerem a eliminação do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis". Embora não mencione nominalmente o petróleo e o gás, o trecho foi considerado um avanço por Lola Vallejo, diretora do programa climático do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais, de Paris. Ela, contudo, não está otimista. "Há poucas possibilidades de que isso se mantenha no texto final", disse à agência France-Presse de notícias (AFP).
Outro ponto do rascunho em consonância com as reivindicações dos países em desenvolvimento é a ampliação do financiamento para que as nações mais pobres se adaptem aos efeitos das mudanças climáticas. O texto pede a duplicação do dinheiro, embora existam poucas expectativas de que isso vá ocorrer. Dos US$ 100 bilhões anuais que deveriam ter sido depositados no ano passado, ainda faltam 20%.
Para Tracy Carty, chefe da delegação da Oxfam International na COP26, o "texto é muito fraco". Ele falha em responder à emergência climática enfrentada por milhões de pessoas que estão vivendo com condições climáticas extremas sem precedentes e sendo empurradas para a pobreza. Não inclui um compromisso claro e inequívoco de aumentar a ambição das metas de redução de emissões para 2030 no próximo ano para manter (o objetivo de) 1,5°C vivo. As emissões estão aumentando, não diminuindo, e os compromissos atuais estão muito longe de manter essa meta ao alcance", opina.