A semana decisiva da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26) começou com a visita do ex-presidente norte-americano Barack Obama e com o velho e polêmico debate a respeito da responsabilidade dos países ricos pelo aquecimento global.
Considerado o principal entrave nas negociações, o tema envolve, principalmente, o financiamento de medidas de adaptação e mitigação voltadas às nações em desenvolvimento, especialmente àquelas que, como as pequenas ilhas do Pacífico, ameaçam desaparecer em consequência da elevação do nível do mar. Em seu discurso (leia mais nesta página), Obama reconheceu a carência de ações. "Não fizemos o suficiente para enfrentar essa crise", declarou.
Diferentemente de anos anteriores, quando um rascunho da declaração final costumava ser divulgado na segunda-feira da segunda semana, a presidência do evento optou, agora, por agir discretamente.
A Grã-Bretanha, anfitriã da conferência, fez circular, ontem, entre os negociadores três folhas, destacando os principais temas que devem estar no documento previsto para sair na sexta-feira, incluindo os mecanismos de perdas e danos, isso é, as metas e ações concretas para garantir que as nações mais vulneráveis e que se industrializaram muito depois que os países ricos não paguem uma conta que, em grande parte, não é deles.
Embora os delegados admitam avanços na primeira etapa da COP, como a ampliação da rede de países que prometeram não investir mais na indústria do carvão, os pontos críticos entram agora nas mesas de negociações. Um deles é o financiamento das medidas compensatórias. O outro é o marco temporal comum em que todos os países se baseiem para a definição de suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), o que traria mais transparência à conferência.
Redigido em 2015, o Acordo de Paris tem como objetivo chegar ao fim do século com uma temperatura não mais que 2°C e, preferencialmente, até 1,5°C mais alta que os níveis pré-industriais. Como cada país é livre para dizer o que vai fazer para evitar um aumento de temperatura considerado catastrófico, não existe uma data padrão para se comparar o cumprimento das metas, abrindo brecha para "pedaladas".
O Brasil, por exemplo, chegou à COP de Glasgow se comprometendo a reduzir em 50% o lançamento de carbono equivalente até 2030, porém, usou como base um ano em que houve emissões acima do normal. Com a repercussão negativa, o país voltou atrás.
Outro ponto que promete muita discussão é a proposta apresentada na semana passada por um grupo de países vulneráveis aos danos das mudanças climáticas, de se rever as NDCs anualmente, e não a cada cinco anos, como é hoje. O entendimento dessas nações é que o prazo mais enxuto aceleraria a adoção de medidas consistentes com o Acordo de Paris.
Segundo um relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo está se encaminhando para 2,7°C acima da média pré-industrialização. Nesse cenário, as previsões dos cientistas são de aumento do número de mortes por extremos climáticos; fome, causada pelo comprometimento de áreas agricultáveis, intensificação de fenômenos como tufões e ciclones, entre outros.
"Isso é uma vergonha"
O ex-presidente norte-americano Barack Obama declarou, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de Glasgow (COP 26), que "a maioria dos países fracassou" com as metas do Acordo de Paris, de 2015. Obama foi um dos principais impulsionadores do documento histórico, que estabeleceu a meta de mais 2°C como limite para o aquecimento global, e de 1,5°C como desejável, valor que ainda está em debate na conferência britânica. Falando aos delegados de quase 200 países, ele citou o Brasil em suas críticas.
"Foi particularmente desanimador ver os líderes de dois dos maiores emissores do mundo, China e Rússia, se recusarem a comparecer ao evento, e seus planos nacionais refletem o que parece ser uma perigosa falta de urgência, uma vontade de manter o status quo, da parte de ambos os países", disse. "Isso é uma vergonha. Precisamos de economias avançadas como os EUA e a Europa liderando essa questão. Mas também precisamos da China e Índia, Rússia e Indonésia, África do Sul e Brasil. Não podemos permitir ninguém à margem."
Estagnação
As emissões de gases de efeito estufa continuaram aumentando no mundo, apesar dos compromissos e dos novos cortes anunciados pela comunidade internacional antes de Glasgow. "De um certo ponto de vista, o acordo foi um sucesso", disse Obama. "Mas ainda não chegamos onde devíamos estar", declarou. "Parte do nosso progresso estagnou", disse, referindo-se diretamente à decisão de seu sucessor, Donald Trump, de se retirar do Acordo de Paris, o que deixou os Estados Unidos fora das negociações por três anos.
Para o ex-presidente, nos últimos anos, a cooperação internacional diminuiu. "Mas há uma questão que deve transcender nossa agenda política diária. E essa questão é a mudança climática."
PIB
Ontem, um estudo divulgado pela organização não-governamental Christian Aid em Glasgow apontou que, caso a trajetória atual de aquecimento seja mantida, os países mais vulneráveis podem sofrer uma queda de mais de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) por habitante. Dos 65 países estudados (a maioria, na África), a queda média do PIB por habitante seria de 19,6% em 2050, caso persista a trajetória atual de aquecimento do planeta, e de 63,9% até o fim do século.
Para seis dos 10 países mais vulneráveis na lista, a queda pode superar 80% no fim do século. Dois deles — Suriname e Guiana — estão na América do Sul. "Além de ser mortal, o calor extremo também pode impossibilitar o trabalho ao ar livre - portanto, os países tropicais e equatoriais sofrerão crescentes danos econômicos se os grandes poluidores não tomarem medidas para reduzir as emissões", destaca Friederike Otto, conferencista sênior em Ciências do Clima na Imperial College Londres.
"Além disso, as ondas de calor na África são frequentemente subnotificadas e há uma falta de sistemas de alerta precoce e outras medidas para ajudar as pessoas a lidar com isso."
Varsóvia
Para evitar esse tipo de cenário, o oitavo capítulo do Acordo de Paris dedica-se a "perdas e danos relacionados com os efeitos adversos da mudança climática, incluindo os fenômenos meteorológicos extremos e os fenômenos de evolução lenta". Em 2019, foi criado o Mecanismo Internacional de Varsóvia, para acompanhar as políticas compensatórias, mas, até hoje, não foi tirado do papel.
"Existe o temor, para não dizer a paranoia, sobre as questões de responsabilidade e as compensações", disse à agência de notícias France-Presse Yamine Dagnet, do Instituto de Recursos Mundiais. "Mas não se trata disso, e, sim, do que acontecerá quando estas pequenas ilhas desaparecerem", observou, referindo-se ao grupo mais vulnerável às mudanças climáticas.
Os países ricos querem que o mecanismo de perdas e danos seja contemplado pelo fundo climático, que deveria repassar, a partir de 2020, US$ 100 bilhões anuais para os em desenvolvimento, para ações de mitigação e adaptação. Porém, além desse valor não ter sido totalmente depositado (faltam 20%), os negociadores das nações mais pobres afirmam que é necessário aumentar, e não retirar, o financiamento.
Uma das propostas é a redução da dívida externa em troca de investimentos adaptativos, como sugeriu, na semana passada, o Equador. "Vocês são os primeiros a sofrer e os últimos que recebem ajuda", reconheceu o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, durante uma reunião do Fórum de Países Vulneráveis ao Clima (CVF), em Glasgow.