O grupo de dinossauros que tem como chamariz o Tiranossauro rex ganhou um integrante brasileiro no mínimo inusitado. Batizado de Berthasaura leopoldinae, o animal que viveu entre 70 e 80 milhões de anos atrás, era jovem e não tinha dentes, bem diferente de um dos maiores dinossauros carnívoros de que se tem notícia. Até então, essa característica só havia sido detectada em fósseis de adultos. Os restos encontrados em um sítio arqueológico no Paraná, entre 2011 e 2014, estão tão conservados que foi possível remontar o animal e perceber essa condição inédita. Segundo cientistas envolvidos no projeto, a descoberta desse "dinossauro genuinamente raro" abre novas discussões sobre a diversidade alimentar entre os terópodes, o grupo dos dinos bípedes.
"Temos restos do crânio e mandíbula, coluna vertebral, cinturas peitoral e pélvica e membros anteriores e posteriores, o que torna Bertha um dos dinos mais completos já encontrados no período Cretáceo brasileiro", relata, em comunicado, Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional (MN). A identificação de B. Leopoldinae é fruto de uma parceria entre o museu, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e a Universidade do Contestado, que vem analisando o promissor sítio arqueológico localizado em Cruzeiro do Oeste.
Na cidade paranaense, já foram catalogadas outras espécies, como lagartos e pterossauros. "Essa nova descoberta de um dinossauro, o segundo da região, mostra a importância daquele sítio fossilífero que chamamos de cemitério dos pterossauros," enfatiza Luiz Weinschütz, geólogo do Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (Cenpáleo). O primeiro dino, outro terópode, recebeu o nome de Verspersaurus paranaensis. Ele media cerca de 80 centímetros de altura e 1,5 metro de comprimento. Era carnívoro e se alimentava de pequenos animais, segundo o estudo que o apresentou, divulgado, em 2019, na revista Scientific Report.
Berthasaura leopoldinae é detalhado, agora, no mesmo jornal científico, que indica que o jovem dinossauro tinha cerca de 1 metro de comprimento, 80 centímetros de altura e pesava entre oito e 10 quilos. Além disso, o bico era córneo e havia uma lâmina óssea bem desenvolvida na arcada superior, formação diferente de todas as espécies encontradas até hoje, no país. A hipótese dos cientistas é de que o dinossauro pode ter sido herbívoro ou pelo menos onívoro, corroborando com uma divergência evolutiva quanto à existência de alimentação díspares entre os noassaurídeos — família do qual fazem parte os terópodes.
Para Geovane Alves Souza, aluno de doutorado do MN, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e um dos autores do estudo, o fato de Bertha não ter dentes, além de "uma verdadeira surpresa", evoca questionamentos sobre o tipo de dieta do animal. "Isso não quer dizer que, por não ter dentes, ele não podia comer carne, já que muitas aves, como o falcão e o urubu, o fazem. O mais provável é que fosse um animal onívoro, já que o ambiente era inóspito e ele precisava aproveitar o que tinha disponível", detalha.
Para confirmar a ausência de dentes e compreender se realmente era uma condição do animal, e não um problema na preservação dos ossos encontrados, o fóssil foi analisado no Laboratório de Instrumentação Nuclear (LIN) do Coppe. Por meio da microtomografia computadorizada, pode-se identificar a ausência de cavidades portadoras de dentes na mandíbula e no maxilar, confirmando que essa especificidade é única no novo dinossauro. As imagens mostraram também marcas e sulcos que sugerem a presença de um bico córneo semelhante ao que ocorre nas aves atuais.
Tripla homenagem
A originalidade do novo dinossauro brasileiro vai além do nome escolhido. Marina Bento Soares, professora do Museu Nacional, conta que o exemplar foi batizado em uma homenagem tripla. O nome genérico faz referência a Bertha Lutz, importante cientista e naturalista brasileira vinculada ao MN. Já o epíteto específico alude à Maria Leopoldina, representante da corte brasileira que viveu no Palácio Imperial e era uma defensora das ciências naturais, e à escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que, em 2018, homenageou o museu na Sapucaí. "Nomes genéricos homenageando mulheres são extremamente raros: apenas três dinossauros anteriores foram registrados assim. Berthasaura é a primeira terópode com nome genérico feminino", comemora Marina Soares.
Ao apresentar Bertha, o diretor do museu, Alexander Kellner, também enfatizou as especificidades de uma pesquisa paleontológica, que, geralmente, segue um método lento e muito detalhado. Só 10 anos depois das primeiras descobertas do dinossauro, o resultado do trabalho começa a ser divulgado. "A gente nunca imaginou encontrar um terópode sem dentes no Brasil. Isso demonstra de uma forma muito categórica: invista em ciência no país para que possamos fazer descobertas como essa. Podemos fazer ainda mais descobertas naquele sítio arqueológico, que tem um potencial muito grande", afirma.
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