Fazer com que os autômatos tenham mãos versáteis, como as dos humanos, é um desafio entre os profissionais da robótica. Resultados de dois estudos divulgados neste mês sinalizam avanços nessa área. Uma equipe da Espanha desenvolveu o primeiro protótipo de dedos adaptáveis altamente articulados e capazes de girar em torno do próprio eixo. Já cientistas dos Estados Unidos criaram um sistema de injeção a ar que permitirá com que as máquinas tenham um "toque suave".
"Os robôs rígidos tradicionais não conseguem segurar sua mão e permitir que você se mova para algum lugar sem quebrar o pulso. Eles não são feitos naturalmente para interagir com as coisas macias, como humanos ou tomates", explica, em comunicado, Pierre-Thomas Brun, professor-assistente de engenharia química e biológica da Universidade de Princeton e pesquisador-chefe do estudo, apresentado na revista Nature.
Uma das dificuldades em projetos de criação de robôs macios é controlar como eles se esticam e deformam, o que determina como se movem. Todos os autômatos têm componentes que causam movimentos, os chamados atuadores. Ao contrário das máquinas rígidas que se movem de maneiras fixas dependendo de suas juntas, os materiais em robôs macios têm o potencial de se mover e se expandir em um número infinito de maneiras.
A fundição de bolhas oferece uma maneira simples e flexível de criar atuadores para robôs macios usando regras básicas da mecânica: a física dos fluidos. O método usa um polímero líquido, chamado elastômero, que, ao ser curado, se transforma em um material elástico e emborrachado. Esse polímero líquido pode ser injetado em um molde simples, como um canudo, ou em uma forma mais complexa, como uma espiral.
Quando se injeta ar no elastômero, cria-se uma bolha longa em todo o comprimento do molde. Graças à gravidade, a bolha sobe lentamente até o topo, ao mesmo tempo em que o polímero líquido é drenado para o fundo. Depois que ele endurece, pode ser removido do molde e inflado com ar, o que faz com que o lado fino, com a bolha de ar, se estique e se enrole na base mais espessa.
Controlando fatores variados, como a espessura do elastômero que reveste o molde, a rapidez com que ele se deposita no fundo e quanto tempo leva para curar, é possível controlar como o atuador criado vai se mover. "Se for permitido mais tempo para drenar antes de curar, o filme, no topo, será mais fino. E quanto mais fino o filme, mais ele se esticará quando você o inflar, causando uma dobra geral maior", detalha o primeiro autor do estudo, Trevor Jones, estudante de graduação de engenharia química e biológica da universidade estadunidense.
A partir da solução tecnológica, a equipe desenvolveu "mãos" em forma de estrela que conseguiram segurar suavemente uma amora-preta, uma espiral que se contrai como um músculo e até mesmo um conjunto de "dedos" que se enrolam um a um conforme todo o sistema é inflado, como se estivessem tocando piano.
Simulação
Uma grande parte do trabalho foi descobrir como os robôs se comportariam uma vez inflados, informação que ajudaria os pesquisadores a projetarem atuadores macios com movimentos específicos. O coautor Etienne Jambon-Puillet, pesquisador de pós-doutorado no laboratório de Brun, trabalhou com Jones para desenvolver uma simulação de computador do sistema. "Podemos prever o que acontecerá usando uma equação simples que qualquer pessoa pode usar. Nós entendemos muito bem agora o que acontece quando inflamos esses materiais semelhantes a tubos", afirma Jambon-Puillet.
Segundo a equipe canadense, uma grande vantagem da formação de bolhas é que ela não requer impressão 3D ou outras ferramentas de alto custo normalmente usadas em soluções para a robótica suave. Além disso, o sistema é escalonável: tem o potencial para produzir atuadores de vários metros de comprimento, com características tão finas quanto 100 mícrons — quase tão pequenos quanto um fio de cabelo humano.
"O que é realmente inteligente é essa ideia de moldar a estrutura apenas pelo movimento do fluido natural (...) Esses processos funcionarão em muitas escalas diferentes, inclusive para coisas muito pequenas. Isso é empolgante", enfatiza, em comunicado, François Gallaire, professor de dinâmica dos fluidos na EPFL em Lausanne, Suíça, que não esteve envolvido na pesquisa.
Limites
Apesar da versatilidade, o lançamento de bolhas tem limites. Até agora, os pesquisadores conseguiram forçar uma bolha através de apenas alguns metros de tubo com elastômero. Além disso, a inflação excessiva pode fazer com que os balões estourem. "O fracasso é bastante catastrófico", afirma Jones. A equipe trabalha no aperfeiçoamento do método e planeja usar o sistema para criar atuadores mais complexos e explorar novas aplicações. Eles estão interessados, por exemplo, em projetar atuadores que se movam juntos, em ondas sequenciais, como os pés ondulantes de uma centopeia.
Mais à frente, prevê o grupo, os robôs macios poderão colher produtos, pegar itens delicados de uma esteira ou fornecer cuidados pessoais. Há ainda a possibilidade de usá-los em procedimentos médicos, como exoesqueletos vestíveis para reabilitação ou em dispositivos implantáveis que envolvam o coração e o ajudem a bater. "Nós entendemos esse problema muito fortemente em um nível de física. Então, agora, a robótica pode realmente ser explorada", aposta Jones.
Abridor de portas
Acionar uma maçaneta também poderá ser uma tarefa executada por robôs, pelos planos de uma equipe de engenharia aeroespacial da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos. Eles recorreram a simulações digitais tridimensionais para construir um robô autônomo. Além de conseguir abrir portas, a máquina encontra uma tomada elétrica e se recarrega.
Tudo sem ajuda humana. Yufeng Sun, o principal autor do projeto, apresentado na revista IEEE Access, explica que, por meio de aprendizado de máquina, o autômato aprende como abrir a porta. Isso pode ser demorado no início, mas ele corrige os erros à medida que avança. As simulações digitais tiveram de 60% a 70% de sucesso. A equipe estima que, em cerca de um ano, conseguirão preencher a lacuna para aperfeiçoar o novo sistema de robótica autônomo.
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Dedos altamente articulados
Pegar um objeto com apenas uma das mãos e girá-lo sem que ele caia é uma tarefa simples para boa parte dos humanos. Não para as máquinas. Um protótipo desenvolvido na Universidade de Málaga, na Espanha, começa a tornar essa façanha possível. A equipe criou um sistema formado por três dedos adaptativos e altamente articulados, com capacidade de girar em torno do próprio eixo em diferentes velocidades.
Cada dedo pode adaptar o movimento de preensão, o que, segundo os criadores, permite a manipulação de objetos não rígidos com segurança — ou seja, sem deixar cai-los ou quebrá-los. Para isso, cada seção dos dedos tem uma superfície de aderência de borracha que pode girar para a esquerda ou para a direita em relação à estrutura subjacente. Mexendo simultaneamente todas essas superfícies na mesma direção, gira-se o objeto com sucesso.
Segundo Jesús M. Gómez, professor de telerrobótica e principal autor do estudo, tamanha destreza simplifica a automação de processos. Deixa, por exemplo, os autômatos com uma das "mãos" livre. "Antes, quando um robô móvel tinha que realizar qualquer tarefa, fosse industrial ou clínica, precisava das duas mãos. Por exemplo, para verificar a frequência cardíaca do paciente, era necessário uma para medi-la e outra para enrolar a manga do paciente", exemplifica.
Outra aplicação cogitada pelo grupo é criar robôs para movimentar frutas e vegetais ou executar atividades industriais mais complexas, como a instalação de tubulações. Atualmente, o protótipo, apresentado na revista científica IEEE Robotics and Automation Letters, tem três dedos, mas os pesquisadores trabalham no desenvolvimento de uma solução com quatro.