Com a ausência de Brasil, Estados Unidos e China, um grupo de 28 nações se comprometeu a eliminar a produção de carvão, durante a Conferência para Mudanças Climáticas (COP26) de Glasgow. O Reino Unido, anfitrião do evento, anunciou que as novas adesões elevam para 77 o número de nações que formam a Powering Past Coal Alliance (PPCA), uma aliança fundada há três anos com o objetivo de encerrar as atividades associadas à indústria carvoeira — responsável por 35% da energia gerada globalmente.
Na quarta-feira, Alok Sharma, presidente da COP26, disse que a conferência, que vai até o próximo dia 12, deverá encerrar com 190 nações, estados, regiões e organizações comprometidas com a PPCA que, hoje, tem 165 membros, já contando com os novos. Entre as instituições que aderiram, estão o HSBC e o Lloyds Bank, alguns dos financiadores de mais de US$ 17 trilhões destinados às metas de eliminação do carvão da aliança.
Para cumprir com o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura global preferencialmente em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, a transição para a energia limpa precisa progredir de quatro a seis vezes mais rápido do que atualmente. Como o carvão é o maior contribuinte individual para o aquecimento do planeta, cientistas alegam que eliminá-lo gradualmente é fundamental para evitar que o século 21 termine com temperaturas consideradas catastróficas.
De acordo com uma nota do governo britânico, desde o Acordo de Paris, de 2015, houve um corte de 76% no número de novas usinas de carvão planejadas globalmente, o que significa menos 1.000GW gerados por esse material, ou cerca de 10 vezes a capacidade total de geração de pico do Reino Unido. Agora, com as novas negociações na COP britânica, a expectativa é de que os países ricos eliminem o carvão até 2030, e os em desenvolvimento até 2040. "Hoje (ontem), acho que posso dizer que o fim da era do carvão está à vista", disse, em nota, Kwasi Kwarteng, secretário de Negócios e Energia do Reino Unido.
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Extração no exterior
A ampliação da PPCA é uma das ações de uma declaração conjunta divulgada ontem e que inclui outras iniciativas coordenadas pelo Reino Unido. Entre elas, o comprometimento de 19 países — dessa vez, incluindo os EUA — de acabar com o financiamento público de projetos de extração de carvão no exterior. "Investir em projetos relacionados com a extração contínua de energia fóssil implica crescentes riscos, sociais e econômicos", afirmou o grupo em um comunicado, determinando o fim de 2022 como prazo para acabar com esse tipo de atividade. O Brasil também não participou desse acordo, assim como importantes investidores em combustíveis fósseis, como China, Japão e Coreia do Sul.
Um estudo recente da organização Oil Change International mostrou que, entre 2018 e 2020, os países desenvolvidos do G20 investiram US$ 188 bilhões em projetos de extração no exterior, principalmente por meio de bancos de desenvolvimento multilaterais. Essas instituições não estão envolvidas no compromisso assinado em Glasgow. Porém, o anúncio, se concretizado, significará que até US$ 15 bilhões desse montante poderão ser desviados anualmente para outros projetos de energias limpas. "O mundo está se movendo na direção certa, pronto para selar o destino do carvão e abraçar os benefícios ambientais e econômicos de construir um futuro movido a energia limpa", destacou Kwarteng.
Receio
Os ambientalistas, porém, não estão certos sobre o cumprimento dos acordos anunciados na COP26. "É um progresso bem-vindo, mas os países (signatários), em especial os Estados Unidos, devem permanecer firmes com os compromissos e fechar a torneira para as empresas de combustíveis fósseis", declarou, à agência France-Presse de notícias (AFP), Kate DeAngelis, diretora do programa de finanças internacionais da ONG Amigos da Terra.
As emissões de gás e carvão são particularmente preocupantes, pois crescerão neste ano mais do que caíram em 2020, segundo um relatório divulgado na terça-feira por cientistas ingleses e australianos. "Esse relatório é um balde de água fria", comentou a coautora do trabalho, Corinne Le Quéré, professora de mudanças climáticas na Universidade de East Anglia. "Mostra o que acontece no mundo real, enquanto aqui, em Glasgow, falamos sobre como lidar com as mudanças climáticas", acrescentou.
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76%
É o corte no número de novas usinas de carvão planejadas globalmente, desde o Acordo de Paris, em 2015, segundo o governo britânico.
Custos até 10 vezes maiores
Para serem cumpridas, as metas de corte nas emissões de gases de efeito estufa — incluindo as atreladas ao fim da indústria carvoeira — dependem de mecanismos de adaptação. Porém, um relatório divulgado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) aponta que os custos dessas ações são de cinco a 10 vezes maiores do que o montante destinado a esse fim atualmente.
"O mundo deve aumentar radicalmente seus esforços para se adaptar às mudanças climáticas", afirmou, em nota, Inger Andersen, diretor executivo do Pnuma. Até 2020, os países ricos destinaram US$ 79,6 bilhões para financiar ações de adaptação das nações em desenvolvimento — faltam US$ 20 bilhões para completar o prometido. Segundo o relatório, dois terços desse valor foram investidos, mas em mitigação (projetos de redução das emissões de CO2).
O relatório conclui que os custos de adaptação precisarão, provavelmente, de US$ 140 bilhões a US$ 300 bilhões, por ano, até 2030 e de US$ 280 bilhões a US$ 500 bilhões, por ano, até 2050, apenas para países em desenvolvimento — muito mais que os US$ 100 bilhões anuais acordados em Paris.
Avanços
Algum progresso foi feito, diz o Pnuma, porém é insuficiente. Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelam que os 10 principais doadores financiaram mais de 2,6 mil projetos com foco principal na adaptação entre 2010 e 2019.
"Mesmo se fecharmos a torneira das emissões de gases de efeito estufa hoje, os impactos das mudanças climáticas estariam conosco por muitas décadas", destacou Andersen. "Precisamos de uma mudança radical na ambição de adaptação para financiamento e implementação para reduzir significativamente os danos e perdas das mudanças climáticas. E precisamos disso agora."