Encerrada a fase de reunião de cúpula dos líderes mundiais, a Conferência do Clima (COP26) das Nações Unidas entrou, ontem, no momento das negociações, com destaque para as que envolvem uma questão-chave do Acordo de Paris: o financiamento de ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Um dos pontos mais polêmicos do documento elaborado em 2015 prevê que as nações ricas, que começaram a emitir gases de efeito estufa mais cedo devido ao processo de industrialização, ajudem os países em desenvolvimento e os mais afetados pelo aquecimento global a fazerem a transição para meios de produção sustentáveis, sem que isso devaste suas economias.
O acertado na capital francesa era que um fundo anual de US$ 100 bilhões estaria disponível a partir de 2020, mas os países ricos só depositaram 80% desse valor. Por sua vez, nações em desenvolvimento, como a China, o maior emissor mundial de CO2, vinculam suas metas de redução de poluentes ao cumprimento do financiamento de adaptação e mitigação.
Até agora, todas as falas dos delegados chineses e de autoridades do país, incluindo o presidente Ji Xiping — que não foi a Glasgow, mas mandou uma mensagem por escrito — associam o estabelecimento de compromissos mais ambiciosos ao pagamento do que foi prometido.
A Índia, quarto maior emissor mundial, também tem insistido nesse ponto para apresentar as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), incluindo as que visam a neutralidade do carbono, ou seja, quando as emissões são equilibradas pela captura de carbono, o que se obtém por meio de programas de conservação ambiental.
Ontem, Rishi Sunak, ministro da Economia do Reino Unido — o anfitrião da COP26 — prometeu que o montante não depositado será levantado em breve. "Sabemos que (os países em desenvolvimento) foram devastados por dupla tragédia, da covid e da mudança climática", declarou aos delegados. "Por isso, nós vamos cumprir o objetivo de destinar US$ 100 bilhões para o financiamento climático às nações em desenvolvimento", prometeu.
Além de Sunak, o presidente da COP, Alok Sharma, e a secretária americana do Tesouro, Janet Yellen, destacaram o papel importante que os investidores privados devem desempenhar, como um complemento imprescindível à ação pública. "O setor financeiro está pronto para fornecer o financiamento", assegurou Yellen, citada pela agência France-Presse de notícias (AFP). "Espero que, até o fim dessa conferência, alcancemos a meta de US$ 100 bilhões."
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Prudência
Com o fim da cúpula com os líderes mundiais, o bastão foi passado aos negociadores, que têm até 12 de novembro para debater as melhores formas de evitar que o mundo chegue ao fim do século com uma temperatura 2°C acima dos níveis pré-industriais. O primeiro-ministro britânico Boris Johnson, se definiu, em uma coletiva de imprensa, como "prudentemente otimista" com a nova fase da conferência.
Em uma tentativa de estimular o diálogo, os chefes de Estado e de Governo de 100 países, inclusive o Brasil, se comprometeram, na terça-feira, a reduzir em 30%, até 2030, na comparação com os níveis de 2020, as emissões de metano, gás com efeito estufa 80 vezes mais potente que o mais conhecido CO2. Apesar da liderança dos Estados Unidos e da União Europeia, segundo e terceiro maiores emissores do planeta, respectivamente, não aderiram à iniciativa a Índia, nem China e Rússia, esta última gigante da extração de gás, com um elevado percentual de vazamentos de metano em seus gasodutos de distribuição para a Europa.
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Pequim e Moscou reagem às críticas
China e Rússia — primeiro e quinto maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa — afirmaram que levam a sério a crise do clima, em uma resposta às críticas do presidente norte-americano, Joe Biden, feitas na abertura da COP26. “Não concordamos com as acusações”, afirmou, em Moscou, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. Segundo ele, a Rússia está adotando ações contra a mudança climática "coerentes, refletidas e sérias", apesar da ausência de seu presidente, Vladimir Putin, na reunião de cúpula de segunda-feira e terça-feira. O presidente chinês, Xi Jinping, também não viajou à Escócia e foi acusado por Biden de “dar as costas” ao “gigantesco” problema do aquecimento global que ameaça fugir do controle. “Os atos falam mais que as palavras”, respondeu, em Pequim, o porta-voz da diplomacia chinesa, Wang Wenbin, que criticou as “palavras vazias” do presidente americano.
Emissões em nível pré-covid
A pressão para a adesão dos maiores emissores aos acordos que visam frear a crise climática cresce à medida que novos relatórios sobre o panorama da poluição por CO2 são lançados. Na semana passada, a Organização Meteorológica Mundial, da ONU, destacou que as emissões estão aumentando, empurrando o mundo para um aumento de 2,7°C na temperatura, até 2100. Ontem, um estudo da Universidade de Melbourne, na Austrália, alertou sobre o aumento no lançamento de gases de efeito estufa. De acordo com a pesquisa, liderada pelo projeto Carbono Global e divulgada em uma coletiva de imprensa on-line, as emissões globais de carbono em 2021 devem se recuperar perto dos níveis anteriores à pandemia da covid-19.
Segundo os cientistas climáticos da instituição, com os lockdowns determinados por diversos países, as emissões provenientes da queima de carbono fóssil caíram 5,4% no ano passado, mas o modelo australiano projeta um aumento de 4,9% neste ano (de 4,1% para 5,7%), o que significam 36,4 bilhões de toneladas a mais na atmosfera. As emissões pelo uso de carvão e gás natural devem crescer mais em 2021 do que caíram em 2020, mas as vinculadas à exploração de uso do petróleo permanecem abaixo dos níveis de 2019. Para os principais poluidores, os lançamentos de 2021 parecem retornar às tendências pré-covid: redução de CO2 nos Estados Unidos e na União Europeia, e aumento na Índia. Para a China, a resposta à pandemia provocou um maior crescimento nas emissões de CO2, empurrada pelos setores de energia e indústria, quando o lockdown foi suspenso.
Reação global
A equipe de pesquisa, que inclui as universidades de Exeter, de East Anglia e de Stanford, no Reino Unido, alerta que um novo aumento nas emissões em 2022 não pode ser descartado se o transporte rodoviário e a aviação retornarem aos níveis pré-pandêmicos. "A rápida recuperação das emissões à medida que as economias se recuperam da pandemia reforça a necessidade de uma ação global imediata sobre a mudança climática", disse, em coletiva de imprensa, o professor Pierre Friedlingstein, da Exeter's Global Systems Institute, que liderou o estudo. "A recuperação nas emissões globais de CO2 fóssil em 2021 reflete um retorno à economia baseada em fósseis pré-covid. Investimentos na economia verde em planos de recuperação pós-covid de alguns países têm sido insuficientes".
Os cálculos dos pesquisadores indicam que, para chegar a zero lançamento líquido de CO2 na atmosfera em 2050, será preciso cortar as emissões globais dos gases de efeito estufa em cerca de 1,4 bilhão de toneladas por ano, em média. "As emissões caíram 1,9 bilhão de toneladas em 2020. Então, para atingir o zero líquido até 2050, devemos cortá-las a cada ano em um valor comparável ao observado durante a covid. Isso destaca a escala da ação que é necessária e, portanto, a importância das discussões na COP26", diz Friedlingstein.