Em 26 anos de conferências climáticas, o mundo nunca esteve sob tantas ameaças quanto agora. De hoje a 12 de novembro, líderes políticos e negociadores têm o desafio de fazer valer o Acordo de Paris, assinado há seis anos, em um momento no qual relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) e de outras instituições apresentam evidências científicas de uma catástrofe iminente, provocada pela ação humana.
O que estará em jogo na COP 26, realizada em Glasgow, no Reino Unido, já pode ser sentido, literalmente, na pele. Recordes de calor, ocorrências de fenômenos extremos, incêndios devastadores, perdas econômicas provocadas pela falta ou excesso de chuva não são mais avisos que possam ser ignorados por negacionistas climáticos, mas eventos com os quais a humanidade terá de se acostumar, caso a trajetória de emissões de gases de efeito estufa não seja invertida.
Na avaliação do presidente da COP, o britânico Alok Sharma, será mais difícil fechar um acordo agora do que em Paris, quando se assinou o acordo que, até agora, foi pouco colocado em prática. Naquele momento, depois de exaustivas negociações, os quase 200 signatários adotaram um texto que, se não agradou totalmente os ambientalistas e cientistas climáticos, foi o que se mostrou possível. Os líderes mundiais concordaram em estabelecer metas nacionais visando evitar que o século termine mais de 2°C acima dos níveis pré-industriais e que, preferencialmente, esse aumento não passe de 1,5°C.
Passados seis anos, porém, os registros meteorológicos e os modelos baseados nas taxas anuais de emissões indicam que o mundo se encaminha para um cenário considerado catastrófico por especialistas: no mínimo 2,7°C a mais que no século 19, podendo ultrapassar os 4°C, se as metas definidas em Paris continuem a avançar lentamente. Ou a regredir — caso do Brasil, que foi nominalmente criticado em um relatório da ONU divulgado nesta semana, por ter revisto os compromissos ratificados em 2016, abrindo brecha para o aumento das emissões de CO2.
"O que fizeram em Paris foi brilhante, foi um marco, (mas) grande parte das regras detalhadas foram deixadas para o futuro", lamentou Sharma em entrevista ao jornal britânico The Guardian. "É como se tivéssemos chegado ao fim da prova e restassem apenas as perguntas mais difíceis. E o tempo está acabando, a prova termina em meia hora."
Secretário-geral da ONU, o português António Guterres, participou de duas coletivas de imprensa on-line nos últimos seis dias para comentar as publicações que apontaram, respectivamente, emissão recorde de gases de efeito estufa registradas em 2020-2021 e o conservadorismo das contribuições determinadas nacionalmente (NDCs), as metas definidas por cada país para frear o aquecimento global. Em ambas as ocasiões, insistiu exaustivamente em um mantra que já vem sendo repetido por seus antecessores há muito. "O tempo está se esgotando. Estamos nos encaminhando para um cenário catastrófico, que não mudará, a menos que os países se comprometam com metas mais ambiciosas", disse aos jornalistas na terça-feira.
Interesses
Por trás da resistência em adotar medidas drásticas, estão interesses de um modelo econômico mundial baseado em combustíveis fósseis — seja na produção, na exportação ou no uso propriamente desses recursos poluentes e não renováveis. O problema é que, como frisa Guterres, o tempo para começar a transição para energia limpa está no fim. "Nesta década, faltam apenas oito anos para se atingir uma das metas que evitarão um aumento de temperatura acima de 1,5°C. Para isso, precisamos evitar a emissão de 28 gigatoneladas de carbono equivalente, o que exigiria a redução das emissões em 45% e 55%", destaca Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima (OC).
A análise das NDCs revistas que foram apresentadas pelos países do G20 — responsáveis por cerca de 80% das emissões globais — mostra o quão distante se está dessa meta, ou mesmo da mais conservadora; o cenário que limita o aumento da temperatura a 2°C (veja quadro). A estimativa dos analistas das Nações Unidas é que, se as promessas se cumpram rigorosamente, ainda assim, 2100 começará 2,7°C mais quente que na era pré-industrial. Por isso, a insistência de maior ambição nos compromissos nacionais, o que inclui o financiamento das medidas de mitigação e combate às mudanças climáticas nas nações mais pobres, que se industrializaram tardiamente e, por isso, têm pouca responsabilidade histórica com o aquecimento global.
"É uma insanidade continuar fazendo a mesma coisa na esperança de obter um resultado diferente. No progresso atual, fecharemos a lacuna de emissões de 2030 em algum momento da década de 2080", destaca Myles Allen, professor de ciência geossistêmica da Universidade de Oxford, na Inglaterra. "Não há apetite para reduzir o consumo de combustível fóssil globalmente na taxa necessária para cumprir nossas metas climáticas. A única opção restante é aumentar o descarte seguro e permanente de dióxido de carbono, por exemplo, armazenando-o de volta no subsolo, em vez de despejá-lo na atmosfera."
Para isso, é preciso investir, entre outras coisas, na manutenção das florestas tropicais, que funcionam como sumidouros de carbono. Contudo, a exemplo do que acontece no Brasil, as taxas de desflorestamento avançam pelo globo. "Atualmente, descartamos menos de 0,1% do dióxido de carbono que geramos: isso precisa estar em 10% até 2030 para estar no caminho de 100% até 2050. Essa é a lacuna que importa, e eles nem vão falar sobre isso em Glasgow."
Saiba Mais
Além disso, as negociações serão complexas pela evolução do contexto geopolítico, pois Reino Unido e Estados Unidos mantêm relações mais tensas do que antes com China e Rússia, cujos presidentes, provavelmente, não comparecerão à COP 26. O líder chinês Xi Jinping anunciou, na quinta-feira, as novas metas de Pequim, recebidas com decepção por não avançarem em relação ao que foi prometido há cinco anos.
Assim como Brasil e Índia, o governo chinês historicamente insiste que os países em desenvolvimento não podem pagar, sozinhos, uma conta que começou a ser acumulada pelas nações que investiram cedo na industrialização e, consequentemente, têm maior responsabilidade pelo aquecimento global. Contudo, ambientalistas cobram de Pequim uma mudança na postura de incentivo à indústria do carvão. Embora Xi Jinping tenha, recentemente, anunciado que não investirá mais em minas no exterior, isso não é suficiente, alegam. "A fim de obter melhores efeitos de economia de energia e redução de emissões, os tomadores de decisão devem se concentrar na otimização da eficiência energética em toda a cadeia de abastecimento", alega Zhang Kai, vice-diretor do escritório de Pequim do Greenpeace.
As promessas do G20
China
Maior emissor mundial de gases de efeito estufa, Pequim se compromete a alcançar o pico de emissões e a neutralidade de carbono antes de 2030. As contribuições preveem reduzir a intensidade de carbono (emissões de CO2 em relação ao PIB) em mais de 65% em relação a 2005.
Estados Unidos
Segundo maior emissor do mundo, os EUA comprometeram-se, ainda sob a presidência de Barack Obama, a reduzir as emissões em 2025 entre 26-28% em relação aos níveis de 2005. O presidente Donald Trump retirou o país do acordo, ao qual voltou no início deste ano com Joe Biden, que reforçou as metas de uma queda de 50-52% até 2030. Esse objetivo não ultrapassa os 2ºC, mas é insuficiente para 1,5ºC, segundo o grupo Climate Action Tracker (CAT).
União Europeia
O bloco se comprometeu, em 2015, a reduzir suas emissões de CO2 em pelo menos 40% até 2030 em relação a 1990 e, em dezembro passado, aumentou para "pelo menos 55%". O objetivo está alinhado com 2ºC, de acordo com o CAT.
Reino Unido
Já fora da UE, aumentou a sua ambição com um novo patamar de redução das emissões em "pelo menos 68%" em 2030 face a 1990. O objetivo é compatível com um mundo a 1,5ºC.
Brasil
Segundo a ONU, a NDC brasileira aumentará o volume de emissões em 0,46% (2025) e em 0,4% (2030). O governo fez uma pedalada, apresentando as mesmas metas de redução de 2015 — 37% até 2025 e 43% até 2030 —, mas usando como referência um ano em que houve mais emissões. Com base no inventário de 2020, o governo brasileiro, na verdade, abre margem para um aumento de 0,46% nas emissões em 2025, e de 0,4% em 2030.
México
As NDCs mexicanas foram suspensas pela Justiça do país.
Índia
O compromisso inicial da Índia se baseia em uma redução da intensidade de carbono, de 33-35% para 2030, com relação ao nível de 2005. Desde então, o país não apresentou um novo NDC, nem indicou quais são seus planos.
Rússia
Aderiu formalmente ao Acordo de Paris apenas em 2019 e apresentou seu primeiro NDC no fim de 2020. Nele, recupera seus antigos compromissos de limitar suas emissões em 2030 a 70% do nível de 1990, ou seja, uma redução de 30%. Para o CAT, é muito insuficiente.
Austrália
É considerado o país que apresentou as metas mais evasivas, desde 2015. Apesar de ter anunciado o investimento de 18 bilhões de dólares australianos na próxima década em tecnologias de baixas emissões, não tem objetivo de emissão zero, além de apoiar indústrias de combustíveis fósseis. Segundo o CAT, o cenário é de 3°C.
Japão
Comprometeu-se, em 2016, a reduzir suas emissões em 26% até 2030 em comparação com a situação de 2013. O novo NDC eleva a meta para uma queda de 46% até 2030, em linha com um planeta a 2°C, de acordo com o CAT.
Outros do G20
Com baixo impacto mundial nas emissões, Coreia do Sul e Indonésia apresentaram revisões sem novidades, ao contrário de Argentina, África do Sul e Canadá, que definiram metas mais ambiciosas. O NDC da Arábia Saudita ainda não foi analisado por especialistas. A Turquia acabou de ratificar o Acordo de Paris e ainda não entregou sua primeira NDC.
Fontes: Climate Action Tracker e agência de notícias France-Presse