O cenário de desaceleração da crise ambiental devido à adoção de medidas restritivas para conter a covid-19 já ficou no passado, avisa o Relatório de Transparência Climática. O documento, que é publicado anualmente, indica que a emissão de CO2 pelo grupo de países que fazem parte do G20 deve aumentar 4% neste ano, em relação a 2020. A taxa, dessa forma, reflete uma inversão nos rumos do ano passado, em que foi registrada queda de 6% na produção de gases tóxicos ao planeta, considerando 2019. O trabalho também mostra que o Brasil está na contramão das medidas necessárias para manter a temperatura global abaixo de 1,5ºC, conforme firmado no Acordo de Paris.
Apresentado às vésperas da 26º Conferência do Clima (COP26), programada para ocorrer no próximo mês, no Reino Unido, o documento serve como mais um alerta para que os líderes mundiais endureçam as medidas de preservação ambiental necessárias para combater o aquecimento do planeta. O relatório foi construído por 16 organizações de pesquisa ligadas a 14 integrantes do G20, além de grupos que defendem a preservação ambiental.
Nele, é relatado que o grupo de países mais ricos do mundo é responsável por até 75% das emissões globais de carbono, e que esse número sofreu uma queda considerável em 2020. O fenômeno está ligado às medidas de isolamento social adotadas para conter a pandemia da covid-19. Porém, a retomada das atividades de alto potencial poluente, como o transporte e a produção industrial, mudou esse cenário. A produção de gases de efeito estufa tem aumentado entre todos os membros do G20, principalmente em nações como Argentina, China, Índia e Indonésia, que devem, neste ano, exceder os níveis de emissões de 2019.
O uso contínuo de combustíveis fósseis para a retomada econômica é o principal responsável pelo recente aumento de CO2, segundo os autores. A expectativa é de que, no G20,o consumo de carvão aumente 5% neste ano, com a China sendo a líder no uso desse material poluente. Estima-se que o país asiáticos será responsável por até 61% desse aumento, seguido pelos Estados Unidos (18%) e pela Índia (17%). Em relação ao gás, o relatório mostra que o uso desse agente poluente aumentou 12% entre todos os membros do G20 entre 2015 e 2020.
Outro alerta é que o aumento da temperatura mundial está em cerca de 1,1ºC, um número bastante próximo ao limite estabelecido no Acordo de Paris, o que demanda uma reação do grupo que representa cerca de 80% do produto interno bruto (PIB) mundial, defendem os autores do documento. “Os membros do G20 precisam ser mais ambiciosos quanto às metas nacionais para a redução das emissões. Os dados do nosso relatório mostram que não podemos mudar esses valores sem esses protagonistas. A bola está totalmente na mão deles na véspera da COP26”, declarou Kim Coetzee, líder da organização alemã Climate Analytics e responsável pela coordenação da análise geral dos dados.
Energia eólica
Há também informações animadoras no documento, como o aumento do uso da energia solar e eólica. Agora, as energias renováveis fornecem cerca de 12% da energia utilizada pelo G20, em comparação com 10% em 2020. A expectativa de cientistas é de que representantes do grupo — que se reunirão, em Roma, dias antes da COP26 — anunciem metas mais ambiciosas para manter as temperaturas sob controle, como um maior investimento no uso de energia limpa.
Stela Herschmann, especialista em política climática da Organização Observatório do Clima, destaca que o relatório traz dados importantes e esperados por estudiosos da área. “Já sabíamos que essa redução seria algo momentânea, pois vivemos um momento totalmente atípico. Para mantê-la, seria necessário um trabalho mais complexo, com a implementação de medidas que mantivessem as taxas mais baixas de CO2 a cada ano, algo que já deveria ter sido feito inclusive”, explica.
Na visão de Herschmann, o foco dado ao relatório em relação ao uso de combustíveis fósseis é algo extremamente válido, que entra em concordância com o que especialistas ambientais defendem há anos. “É mais uma mensagem de que o carvão e outros combustíveis fósseis são algo do passado, que deveriam ser extintos. Isso porque geram danos imensos ao planeta e também pela disponibilidade que temos de energias limpas, que podem ser mais bem exploradas”, justifica.
A especialista também avalia que o apelo feito pelos cientistas terá respostas ao longo das discussões da COP26. “Temos muitos estudiosos que defendem medidas para extinguir o uso desses poluentes e que vão falar sobre isso nesse evento. Outro ponto que deve ser abordado é o uso do metano, que também é extremamente tóxico”, afirma. “Temos também um relatório recente, chamado Panorama energético global, que fala sobre isso, sobre a necessidade de triplicarmos os investimentos na área de energia limpa para conseguirmos manter a meta de temperatura em 1,5ºC.”
» Antes do espaço, o planeta, defende príncipe William
Número dois na sucessão ao trono britânico, o príncipe William criticou, ontem, o investimento no turismo espacial e pediu concentração nos problemas do planeta. “Algumas das mentes e dos cérebros mais brilhantes do mundo deveriam, antes de mais nada, tentar consertar esse planeta, não tentar encontrar outro lugar para viver”, declarou o membro da família real em uma entrevista à rede de televisão britânica BBC. O comentário desagradou cientistas, que destacaram o valor para a humanidade de décadas de exploração espacial. A cientista espacial britânica Maggie Aderin-Pocock, por exemplo, declarou que concorda que a ação humana está destruindo o planeta, mas isso não impede a dedicação a outras áreas. “Vou para a COP26 no mês que vem para falar sobre como o espaço nos ajuda com a mudança climática. Temos que nos concentrar nesses eventos devastadores, mas essa não pode ser a única coisa para nos preocuparmos”, declarou ao canal ITV.