Em um dos maiores estudos já realizados sobre genética e Alzheimer, pesquisadores da Universidade de Glasgow, no Reino Unido, descobriram que a estrutura do cérebro é capaz de predizer o risco da doença muito antes que os sintomas significativos sejam evidentes. A partir de um banco de dados britânico de 32.790 adultos saudáveis e sem sinais de demência, os cientistas identificaram aqueles com maior probabilidade de desenvolver, no futuro, o mal neurodegenerativo. O artigo foi publicado na revista Neuropsychopharmacology.
Uma das características da doença de Alzheimer é o comprometimento gradativo de capacidades cognitivas, sendo que a perda de memória costuma acometer os pacientes em estágios mais avançados. Também se sabe que, muitos anos antes de a enfermidade se manifestar, o cérebro pode sofrer alterações morfológicas, causadas, entre outros, pelo acúmulo de uma proteína chamada beta-amiloide e pela formação de emaranhados nos neurônios, provocados por anomalias no gene Tau.
No estudo escocês, os pesquisadores utilizaram um modelo matemático que estima, a partir de variantes no DNA, o risco de uma pessoa desenvolver determinada condição, comparada a outra com perfil genético diferente. É a chamada pontuação de risco poligênico (PRP). Há tempos sabe-se que algumas mutações têm relação com o Alzheimer — a mais comum é o gene APOE-e4, que confere 25% de probabilidade da doença. Porém há muitas outras alterações que podem favorecer o mal neurodegenerativo.
Os pesquisadores, então, calcularam a pontuação de risco genético poligênico, tendo como base um grande número de mutações dos mais de 30 mil voluntários, para verificar se esse marcador tinha associação com diferenças na estrutura do cérebro, visualizadas pelo exame de ressonância magnética funcional, além do desempenho em testes de cognição. Antes de a perda de memória se instalar, os pacientes de Alzheimer exibem alterações como dificuldade de se orientar, problemas de linguagem e de atenção.
A partir das três medidas — pontuação de risco poligênico, alterações cerebrais e desempenho em testes cognitivos —, os cientistas descobriram que um PRP mais alto está associado a um menor volume do hipocampo e a escores de cognição mais baixos. Essa área do cérebro está ligada à aprendizagem e é, normalmente, uma das primeiras a serem afetadas pelo Alzheimer, mesmo antes do aparecimento de sintomas como perda de memória e dificuldade de orientação.
“Nossas descobertas são novas porque mostram que os efeitos do risco genético podem, até certo ponto, serem aparentes muito antes de um diagnóstico clínico de demência”, diz Rachana Tank, principal autora do estudo. “Essas descobertas podem levar a uma forma melhor e mais informativa de avaliar o risco genético de doença de Alzheimer do que os métodos atuais, que consistem em indagar sobre o histórico familiar de demência. Com o novo método, é possível melhorar muito o diagnóstico e as opções de tratamento no futuro”, acredita.
O fato de a avaliação ser mais acessível também é um destaque. “Embora exames de imagens cerebrais sejam caros e os testes de cognição trabalhosos, medir o PRP é relativamente simples e barato”, afirma Paul Morgan, diretor do Instituto de Pesquisa de Sistemas Imunitários da Universidade de Cardiff, no Reino Unido. “A medição do risco de Alzheimer pelo PRP, isoladamente ou em combinação com marcadores sanguíneos é, portanto, bem adequada para a triagem populacional”, acredita.
Limitação
Para Derek Hill, professor de imagens médicas da Universidade College Londres, o estudo traz uma limitação importante. “A escala do estudo é impressionante. Mas os resultados não demonstram que o escore de risco poligênico possa ser usado de forma confiável para detectar e, quando os tratamentos adequados estiverem disponíveis, tratar pessoas com risco de doença de Alzheimer. Para isso, seria necessário um estudo muito diferente. Seria necessário estudar as pessoas ao longo do tempo e ver quão bem o escore de risco pode prever as pessoas que realmente desenvolvem a doença”, alerta.
Rachana Tank diz que está ciente dessa limitação, mas espera que o estudo escocês abra caminho para pes-quisas que acompanhem os voluntários por décadas para, assim, estabelecer uma relação mais sólida. “Embora não possamos dizer, com certeza, que essas diferenças genéticas sejam sinais precoces de demência per se, é importante que façamos mais pesquisas nessa área”, observa.