Um antidepressivo pode ajudar na recuperação de pacientes com covid-19, concluiu uma pesquisa brasileira, realizada em parceria com cientistas canadenses. Os especialistas observaram no estudo, com a participação de mais de mil pessoas, que a droga fluvoxamina, usada para tratar distúrbios comportamentais, reduziu o tempo de hospitalização de pacientes infectados com o vírus Sars-CoV-2. O trabalho, publicado na última edição da revista especializada The Lancet Global Health, apresenta uma opção de terapia segura e mais barata para o tratamento do novo coronavírus.
A parceria de pesquisa farmacológica TOGETHER surgiu em junho de 2020, poucos meses após o surgimento do vírus, com o objetivo de avaliar a eficácia de medicamentos já existentes no combate à covid-19. “Nossa prioridade era encontrar uma terapia que gerasse ganhos reais aos pacientes e que pudesse ser testada com segurança. Para isso, contamos com a ajuda de parceiros da Universidade McMaster, nos Canadá, que realizavam estudos semelhantes e que tinham ferramentas de análise mais avançadas para nos auxiliar”, disse ao Correio Gilmar Reis, principal autor do estudo e professor adjunto do Departamento de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Para estudar o uso da fluvoxamina, os pesquisadores recrutaram adultos brasileiros que testaram positivo para a covid-19, eram sintomáticos, não haviam sido vacinados e apresentavam, ao menos, um fator de risco, como diabetes ou problemas cardiovasculares (comorbidades). Durante as análises, um grupo de 741 participantes recebeu 100mg de fluvoxamina, duas vezes ao dia, durante 10 dias. Outros 756 voluntários tomaram um placebo. Todos os participantes foram acompanhados por 28 dias.
Após o tratamento, os cientistas observaram que entre o primeiro grupo, que recebeu o medicamento antidepressivo, 79 pessoas (10,6%) necessitaram de uma estadia prolongada (por mais de seis horas) em um ambiente de emergência ou hospitalização, em comparação com 119 (15,7%) participantes que receberam o placebo. Os pesquisadores exaltaram os resultados verificados.
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Menos mortes
“Isso representa um ganho muito importante para nós, principalmente depois da situação que vivemos aqui no Brasil, com hospitais lotados e pacientes que precisavam voltar para casa ainda em situação grave, pois não podiam ser tratados nos centros médico”, destacou Reis. Embora a mortalidade não tenha sido um dos focos do estudo, em uma análise secundária os pesquisadores observaram que, entre os pacientes que tomaram a medicação, foi registrada apenas uma morte em comparação com 12 óbitos no grupo placebo.
Os autores do trabalho explicaram que a fluvoxamina, um inibidor seletivo da recaptação da serotonina (ISRS) atualmente usado para tratar condições de saúde mental, como depressão e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), gerou resultados positivos devido às suas propriedades anti-inflamatórias. “Tínhamos a suspeita de que a fluvoxamina poderia reduzir a produção de moléculas inflamatórias chamadas citocinas, que podem ser desencadeadas pela infecção do SarS-CoV-2, pois vimos, em estudos anteriores, um potencial no uso dessa droga no combate a outras infecções, como a sepse”, relatou o pesquisador. “O medicamento ajudou a tratar essa inflamação, o que se refletiu no tempo de internação reduzido.”
Para o principal autor do estudo, os resultados da experiência são ainda mais importantes quando se considera o custo da droga usada, que é bem mais baixo do que os medicamentos disponíveis atualmente para o tratamento do novo coronavírus. “Uma das poucas terapias realmente eficazes para essa enfermidade são os anticorpos monoclonais, mas eles são extremamente caros, e, por isso, seria muito difícil incluí-los no nosso Sistema Único de Saúde (SUS)”, explicou Gilmar Reis.
“A covid-19 ainda representa um risco para os indivíduos em países com poucos recursos e acesso limitado à vacinação. Por isso, é muito importante aproveitar medicamentos existentes que estão amplamente disponíveis e têm perfis de segurança bem compreendidos”, enfatizou, em um comunicado à imprensa, Edward Mills, pesquisador da Universidade McMaster e coautor do estudo.
Horizonte promissor
Infectologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, Werciley Junior também considerou que o principal destaque do estudo é a possibilidade de uso de uma droga mais barata para tratar a covid-19. “Esses são resultados muito animadores, vistos em uma investigação bem feita e com um número considerável de participantes. É claro que precisamos de mais análises para confirmar essa eficácia, porém temos um horizonte promissor, de benefícios obtidos com uma droga que já é usada no país e que pode ser acessada por todos”, destacou.
“Os anticorpos monoclonais custam mais de R$ 15 mil para o tratamento de um só paciente. Por isso, nós precisamos ter alternativas, principalmente em países menos favorecidos”, complementou o especialista. Outro ponto ressaltado por Werciley Junior é o protagonismo dos brasileiros na área de pesquisa durante a pandemia. “É muito bom termos estudos valiosos como esse, coordenados no nosso país”, enalteceu.
Os cientistas brasileiros e canadenses darão continuidade à pesquisa. Eles pretendem publicar estudos futuros com mais resultados relacionados à fluvoxamina, além de outras drogas que também seguem sendo testadas em parceria.
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Palavra de especialista
Aprofundamento necessário
“Apesar das descobertas importantes do ensaio TOGETHER, algumas questões relacionadas à eficácia e à segurança da fluvoxamina para pacientes com covid-19 precisam ser mais avaliadas. A resposta definitiva sobre os efeitos dessa droga em relação à mortalidade, por exemplo, ainda precisa ser abordada. Também é necessário determinar se a fluvoxamina tem um efeito aditivo a outras terapias, como anticorpos monoclonais e budesonida (anti-inflamatório), e qual é o esquema terapêutico ideal desse medicamento. Ainda não está claro se os resultados do ensaio TOGETHER se estendem a outras populações de pacientes ambulatoriais com covid-19, incluindo aqueles sem fatores de risco para a progressão da doença, aqueles que estão totalmente vacinados e os infectados com a cepa delta ou outras variantes recentes.” Otávio Berwanger, membro da Organização de Pesquisa Acadêmica do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, em um comentário publicado na revista The Lancet Global Health.