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Entenda o que é pobreza menstrual e os impactos na saúde das mulheres

Uma em cada 4 adolescentes no Brasil não tem acesso a absorvente durante o período menstrual e quase 30% das mulheres jovens já deixaram de ir às aulas por isso

Larissa Ricci/ Estado de Minas
Maria Irenilda Pereira - Estado de Minas
postado em 15/10/2021 23:44 / atualizado em 15/10/2021 23:44
No Brasil, uma em cada quatro adolescentes não têm acesso a absorventes durante seu período menstrua -  (crédito: ARTE/EM)
No Brasil, uma em cada quatro adolescentes não têm acesso a absorventes durante seu período menstrua - (crédito: ARTE/EM)

"Não uso mais absorventes. Para comprar, era muito difícil. Então, quando fui buscar métodos para não engravidar, aproveitei para não menstruar''. O relato é da jovem Yasmin Emiliano, de 24 anos, moradora de ocupação no Centro de Belo Horizonte, mãe de dois filhos, um de 9 meses e outro de 2 anos, e que vive com renda obtida com a venda de balas e bombons. Yasmin optou pela injeção hormonal depois de passar períodos difíceis desde a sua primeira menstruação, aos 10 anos. "Eu já sofri com a situação de menstruar e não ter dinheiro para comprar o absorvente. E a vergonha de falar?''

Falar de menstruação ainda é um tabu na nossa sociedade. A maioria das mulheres tem vergonha de discutir sobre um processo natural. Isso porque temas relacionados ao corpo feminino são repletos de desinformação e estigmas.

Pobreza ou precariedade menstrual é o nome dado à falta de acesso de meninas, mulheres e homens trans a produtos básicos para manter uma boa higiene no período da menstruação. Não se restringe só à falta de dinheiro para comprar absorventes. Tem relação também com a ausência ou precariedade de infraestrutura no ambiente onde vivem, como banheiros, água e saneamento.

Direito universal garantido pela ONU

A higiene menstrual é um direito humano reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2014, mas está longe de ser uma realidade. "Já fiquei sem (absorvente), coloquei papel higiênico. Muitas vezes eu ficava em casa para não usar nada e já aconteceu até de ficar sem papel higiênico. Uma situação bem complicada'', comentou Yasmin.

No Brasil, uma em cada quatro adolescentes não tem acesso a absorventes durante seu período menstrual, como mostra o relatório Livre para Menstruar, feito pelo movimento Girl Up. O estudo "Impacto da pobreza menstrual no Brasil", encomendado pela Always e feito pela plataforma de pesquisas Toluna, aponta que 28% das mulheres jovens já deixaram de ir às aulas por não conseguirem comprar um absorvente. E 48% delas, ou seja, quase a metade das entrevistadas, esconderam que o motivo foi a falta de absorventes, segundo a pesquisa, divulgada em maio de 2021.

Impacto direto na educação

De acordo com o relatório "Pobreza menstrual no Brasil - Desigualdades e violações de direitos", elaborado pelo Unicef, cerca de 321 mil alunas, 3% do total de meninas nas escolas, estudam onde não têm banheiro em condições de uso. A pesquisa mostrou que, no Brasil, 1,24 milhão de meninas (11,6%) não têm à disposição papel higiênico nos banheiros das escolas. Entre essas meninas, 66,1% são pretas/pardas.

A situação das meninas negras é ainda mais preocupante. O risco relativo de elas estudarem em escolas sem papel higiênico é 51% maior do que para meninas brancas. Ou seja, além do impacto na saúde mental dessas jovens, a pobreza menstrual contribui para aumentar a desigualdade na educação entre homens e mulheres, pois elas acabam faltando mais vezes às aulas.

"Às vezes tinha absorvente e às vezes não"

A jovem Lorrane Cristina, de 20 anos, conta que aos 12 a menstruação ainda era desregulada e dificultava o acesso ao item básico. Então, às vezes tinha absorvente e às vezes não. "Minha mãe comprava quando tinha dinheiro. Às vezes, não tinha como ir à escola. Minha mãe sempre me ensinou a fazer algumas gambiarras, como usar papel higiênico ou usar pano. Já fui para a escola com o pano e foi bastante desconfortável. E já ocorreu de vazar na sala de aula'', lembrou a jovem.

Ela contou que percebeu a cadeira suja ao levantar para ir ao recreio. "O bom é que eu tinha o costume de usar blusa de frio. E eu amarrei. E a vergonha de falar para os outros que eu estava menstruada? Vergonha de chegar na coordenação e dizer que estou menstruada e que estava vazando. Então, eu fiquei vazando o dia todo".

Miolo de pão, panos velhos, folhas de jornais...

Faltar ao trabalho, perder aulas ou ser obrigada a usar métodos alternativos que colocam a saúde em risco. Miolo de pão, panos velhos, folhas de jornais são alguns dos materiais usados por mulheres em situação de vulnerabilidade como alternativa à falta de acesso ao absorvente. Outras, que até conseguem comparar o absorvente ou ganhar em uma quantidade não suficiente para o fluxo, acabam precisando ficar horas ou dias com o mesmo absorvente.

O problema é antigo, porém o tema voltou à tona depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se colocou contra a promoção da saúde das mulheres e vetou o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos . O presidente vetou cinco trechos do Projeto de Lei 4968/2019, de autoria da deputada federal Marília Arraes (PT-PE), que previa a distribuição gratuita de absorventes higiênicos, além da oferta de cuidados básicos de saúde menstrual em escolas públicas de ensino médio e de anos finais do ensino fundamental. A atitude do presidente gerou uma onda de críticas.

Protesto em BH contra veto

Na quinta-feira (14/10), o Movimento 8 De Março Unificado da Região Metropolitana de Belo Horizonte organizou um protesto na Praça Sete, no Centro de BH, que reuniu centenas de mulheres. Vanessa Viana, de 23 anos, coordenadora do Coletivo Nacional Feminista Juntas, disse que o veto é carregado pela misoginia.

"Esse veto é carregado pela misoginia, por uma disposição que ele tem de dificultar o máximo possível a vida das mulheres. A gente sabe que a distribuição gratuita interfere muito na vida de mulheres e meninas pobres no Brasil em crise com os altos preços do feijão, da gasolina. Isso interfere no custo mensal que é de comprar um absorvente", afirmou.

Para Fernanda Ávila, advogada especialista em direito da mulher, quando a situação da pobreza menstrual entra na pauta do dia e começa a gerar discussão é um sinal de que a sociedade está a caminho de ser mais equitativa.

"Isso vai fazer bem para todo mundo, isso vai afetar a minha vida, a sua vida e a vida de qualquer pessoa. É responsabilidade de todos pensar nisso. Porque se temos uma sociedade mais justa, ela é mais segura, menos violenta, melhor para todos. Não adianta querer fechar os olhos e fingir que isso não é um problema seu. Se você vive em uma sociedade insegura e injusta hoje é porque você olha para todos de forma igualitária'', disse.

Leis de distribuição de absorventes

Em Minas Gerais, ainda não há uma política geral de distribuição gratuita de absorventes. O que há, até o momento, tanto no âmbito estadual como na capital, são leis que contemplam alguns grupos em situação de vulnerabilidade, como detentas.

"Existem alguns ambulatórios e abrigos para população em situação de rua que fornecem o absorvente gratuitamente. Mas isso depende da gestão do abrigo. Assim como nas escolas, existem vários diretores que deixam o pacote guardado para quando as meninas precisam. Mas depende da direção da escola comprar. E muitas vezes as meninas não sabem. Não é uma política institucionalizada'', afirma a vereadora Iza Lourença (PSOL).

A Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou, em 5 de agosto, emenda na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 que garante os direitos reprodutivos às pessoas que menstruam. A proposta de emenda partiu da Gabinetona, composta pelas vereadoras do PSOL Iza Lourença, Bella Gonçalves e Cida Falabella.

Ainda não foram definidos os valores que serão destinados à emenda. Enquanto o poder público não cria uma política ampla de acesso gratuito, o que tem levado dignidade a milhares de mulheres são iniciativas de solidariedade.

A própria Iza Lourença integra um projeto de distribuição de itens básicos para a saúde da mulher na região onde mora, que fica no Barreiro, desde o início da pandemia, em março de 2020.

Em 2017, também nasceu a organização não governamental (ONG) chamada Projeto Las Chicas de Chico, que tem como objetivo a arrecadação e distribuição de absorventes.

Saiba como ajudar a recolher e distribuir absorventes em BH

Las Chicas de Chico

Projeto social que promove a distribuição de suprimentos menstruais para mulheres em situação de vulnerabilidade social em Belo Horizonte. As doações podem ser feitas pela página do projeto no Instagram: www.instagram.com/laschicasdechico

Flores de Resistência

Projeto de distribuição de itens básicos para a saúde da mulher que atua na periferia de BH. As doações podem ser feitas via picpay disponível na página do coletivo: www.instagram.com/floresderesistencia

Cruz Vermelha

As doações podem ser entregues na sede da entidade, localizada na Alameda Ezequiel Dias, 427, no Centro de BH, de segunda a domingo.Para mais informações o telefone é 3239-4227

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