CIÊNCIA

Emissões de CO2 voltam ao ritmo de pré-pandemia nos países do G20

Relatório climático indica que, nos países do G20, o lançamento de CO2 na atmosfera aumentará 4% neste ano, invertendo o cenário registrado nos 12 meses anteriores. Com a adoção de medidas mais restritivas para conter a crise sanitária, 2020 teve queda de 6%

Vilhena Soares
postado em 15/10/2021 06:00
Usina de carvão na Europa: documento indica que países mais ricos do mundo respondem por até 75% das emissões globais de carbono -  (crédito: Nikolay Doychinov/AFP)
Usina de carvão na Europa: documento indica que países mais ricos do mundo respondem por até 75% das emissões globais de carbono - (crédito: Nikolay Doychinov/AFP)

O cenário de desaceleração da crise ambiental devido à adoção de medidas restritivas para conter a covid-19 já ficou no passado, avisa o Relatório de Transparência Climática. O documento, que é publicado anualmente, indica que a emissão de CO2 pelo grupo de países que fazem parte do G20 deve aumentar 4% neste ano, em relação a 2020. A taxa, dessa forma, reflete uma inversão nos rumos do ano passado, em que foi registrada queda de 6% na produção de gases tóxicos ao planeta, considerando 2019. O trabalho também mostra que o Brasil está na contramão das medidas necessárias para manter a temperatura global abaixo de 1,5ºC, conforme firmado no Acordo de Paris.

Apresentado às vésperas da 26º Conferência do Clima (COP26), programada para ocorrer no próximo mês, no Reino Unido, o documento serve como mais um alerta para que os líderes mundiais endureçam as medidas de preservação ambiental necessárias para combater o aquecimento do planeta. O relatório foi construído por 16 organizações de pesquisa ligadas a 14 integrantes do G20, além de grupos que defendem a preservação ambiental.

Nele, é relatado que o grupo de países mais ricos do mundo é responsável por até 75% das emissões globais de carbono, e que esse número sofreu uma queda considerável em 2020. O fenômeno está ligado às medidas de isolamento social adotadas para conter a pandemia da covid-19. Porém, a retomada das atividades de alto potencial poluente, como o transporte e a produção industrial, mudou esse cenário. A produção de gases de efeito estufa tem aumentado entre todos os membros do G20, principalmente em nações como Argentina, China, Índia e Indonésia, que devem, neste ano, exceder os níveis de emissões de 2019.

O uso contínuo de combustíveis fósseis para a retomada econômica é o principal responsável pelo recente aumento de CO2, segundo os autores. A expectativa é de que, no G20,o consumo de carvão aumente 5% neste ano, com a China sendo a líder no uso desse material poluente. Estima-se que o país asiáticos será responsável por até 61% desse aumento, seguido pelos Estados Unidos (18%) e pela Índia (17%). Em relação ao gás, o relatório mostra que o uso desse agente poluente aumentou 12% entre todos os membros do G20 entre 2015 e 2020.

Outro alerta é que o aumento da temperatura mundial está em cerca de 1,1ºC, um número bastante próximo ao limite estabelecido no Acordo de Paris, o que demanda uma reação do grupo que representa cerca de 80% do produto interno bruto (PIB) mundial, defendem os autores do documento. “Os membros do G20 precisam ser mais ambiciosos quanto às metas nacionais para a redução das emissões. Os dados do nosso relatório mostram que não podemos mudar esses valores sem esses protagonistas. A bola está totalmente na mão deles na véspera da COP26”, declarou Kim Coetzee, líder da organização alemã Climate Analytics e responsável pela coordenação da análise geral dos dados.

Energia eólica

Há também informações animadoras no documento, como o aumento do uso da energia solar e eólica. Agora, as energias renováveis fornecem cerca de 12% da energia utilizada pelo G20, em comparação com 10% em 2020. A expectativa de cientistas é de que representantes do grupo — que se reunirão, em Roma, dias antes da COP26 — anunciem metas mais ambiciosas para manter as temperaturas sob controle, como um maior investimento no uso de energia limpa.

Stela Herschmann, especialista em política climática da Organização Observatório do Clima, destaca que o relatório traz dados importantes e esperados por estudiosos da área. “Já sabíamos que essa redução seria algo momentânea, pois vivemos um momento totalmente atípico. Para mantê-la, seria necessário um trabalho mais complexo, com a implementação de medidas que mantivessem as taxas mais baixas de CO2 a cada ano, algo que já deveria ter sido feito inclusive”, explica.

Na visão de Herschmann, o foco dado ao relatório em relação ao uso de combustíveis fósseis é algo extremamente válido, que entra em concordância com o que especialistas ambientais defendem há anos. “É mais uma mensagem de que o carvão e outros combustíveis fósseis são algo do passado, que deveriam ser extintos. Isso porque geram danos imensos ao planeta e também pela disponibilidade que temos de energias limpas, que podem ser mais bem exploradas”, justifica.

A especialista também avalia que o apelo feito pelos cientistas terá respostas ao longo das discussões da COP26. “Temos muitos estudiosos que defendem medidas para extinguir o uso desses poluentes e que vão falar sobre isso nesse evento. Outro ponto que deve ser abordado é o uso do metano, que também é extremamente tóxico”, afirma. “Temos também um relatório recente, chamado Panorama energético global, que fala sobre isso, sobre a necessidade de triplicarmos os investimentos na área de energia limpa para conseguirmos manter a meta de temperatura em 1,5ºC.”

» Antes do espaço, o planeta, defende príncipe William

Número dois na sucessão ao trono britânico, o príncipe William criticou, ontem, o investimento no turismo espacial e pediu concentração nos problemas do planeta. “Algumas das mentes e dos cérebros mais brilhantes do mundo deveriam, antes de mais nada, tentar consertar esse planeta, não tentar encontrar outro lugar para viver”, declarou o membro da família real em uma entrevista à rede de televisão britânica BBC. O comentário desagradou cientistas, que destacaram o valor para a humanidade de décadas de exploração espacial. A cientista espacial britânica Maggie Aderin-Pocock, por exemplo, declarou que concorda que a ação humana está destruindo o planeta, mas isso não impede a dedicação a outras áreas. “Vou para a COP26 no mês que vem para falar sobre como o espaço nos ajuda com a mudança climática. Temos que nos concentrar nesses eventos devastadores, mas essa não pode ser a única coisa para nos preocuparmos”, declarou ao canal ITV.

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Relatório indica que Brasil contribui para o aquecimento

 (crédito: AFP)
crédito: AFP

O Relatório de Transparência Climática também enfatiza que a política ambiental adotada pelo Brasil favorece o aquecimento global. De acordo com os especialistas, o país não tem adotado as medidas necessárias para manter a temperatura abaixo de 1,5°C, e as políticas atuais estão mais alinhadas a uma temperatura global de 3°C. O capítulo que trata sobre o cenário brasileiro, que foi coordenado por William Wills, professor do Centro Clima da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), alerta que, caso essa marca seja alcançada, o país enfrentará efeitos climáticos de grande impacto, como secas ainda mais severas, ondas de calor frequentes e mais dias com temperaturas acima de 35 °C.

Para impedir a ocorrência desses fenômenos, o documento sugere melhorias na proteção de áreas verdes, principalmente a Amazônia. “Reduzir rapidamente o desmatamento para zero é uma das oportunidades mais importantes para o Brasil aumentar sua ação climática”, indicam os autores.

Outro ponto a ser priorizado pelos governantes brasileiros, segundo os cientistas, é o uso de energia mais limpa, já que as emissões geradas principalmente pela área de transporte também preocupam. A área de mobilidade de passageiros e de carga no país é, em sua maioria, feita por estradas, um setor dominado pelo uso de combustíveis fósseis, com os veículos elétricos representando apenas 0,12% das vendas no país.

“Enquanto a economia do Brasil mostra sinais de retornar aos níveis pré-pandêmicos em 2021 e o governo tenta implementar medidas de recuperação, o país precisa evitar os combustíveis fósseis. Uma recuperação econômica ‘verde’ exigirá investimentos renovados e recursos financeiros dedicados a evitar um bloqueio de combustíveis fósseis e controlar o desmatamento”, defendem.

Especialista em política climática da Organização Observatório do Clima, Stela Herschmann concorda e enfatiza que apenas uma mudança contundente das políticas públicas brasileiras pode impedir um cenário climático negativo nos próximos anos. “O país realmente tem andado na contramão, e suas emissões têm aumentado bastante, principalmente devido ao desmatamento. Essa é uma atividade ilegal, criminosa, que só gera efeitos negativos. É essencial combater essa prática, até porque já temos visto danos negativos ao clima, como secas mais severas”, afirma.

Para a especialista, o investimento em energia limpa trará grandes benefícios ao país. “Temos um papel importante nessa área. Recentemente, fomos reconhecidos por trabalhos nesse setor, mas isso não ocorre na área do transporte ainda. É preciso fazer mais, é muito importante deixarmos de sermos dependentes de energias mais antigas e altamente poluentes.”

 

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