COP. Uma sigla com a qual a maioria das pessoas já está familiarizada devido às discussões sobre o aquecimento global. Porém, a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas não é o único evento internacional realizado pela ONU com objetivo de tentar salvar o planeta de catástrofes ambientais. Na segunda-feira (11/10) tem início a COP-15, Conferência sobre Diversidade Biológica, com o desafiador objetivo de estabelecer metas de conservação da vida animal e vegetal para a próxima década.
A primeira parte da COP-15, que ocorre, virtualmente, até sexta-feira, vai abordar questões-chave, como perdas recordes de habitats, degradação de áreas protegidas, ameaça e extinção de espécies animais, entre outras. A segunda etapa da conferência, que acontece no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, será realizada na China, de 25 de abril a 8 de maio do próximo ano. Essa última sessão é considerada a mais decisiva, pois é dela que sairá o documento a ser acordado pelos países e Estados-membros das Nações Unidas. Atualmente, 195 nações ratificaram a convenção, que nasceu no Brasil, em 1992, na Cúpula da Terra do Rio de Janeiro. Estados Unidos e Vaticano não são signatários do tratado, embora participem das discussões.
A cada dois anos, governos de todo o mundo são convocados pela convenção a participar da Conferência sobre Diversidade Biológica, a COP, e discutir políticas de conservação. A edição atual ocorre em um momento de declínio da biodiversidade a uma taxa sem precedentes na história. De acordo com relatórios da ONU, 1 milhão de plantas e animais estão em risco de extinção por causas antropogênicas — ou seja, devido à ação do homem. Além disso, do evento deve sair o acordo sobre novas metas para a próxima década, por meio do Marco Pós-2020 da Convenção de Diversidade Biológica da ONU.
O documento pretende estabelecer um plano para implementar ações e garantir que, até 2050, a convivência do homem com o meio ambiente seja mais harmoniosa. Um grande desafio, visto que as 20 metas acordadas em 2010, no Japão, e que deveriam ter sido cumpridas nos últimos 10 anos, não saíram do papel. Nenhuma delas.
“Contamos com a biodiversidade para regular o meio ambiente, para manter um planeta habitável. Nossos sistemas alimentares requerem rica biodiversidade e ecossistemas para produzir os alimentos que comemos. Embora essa reunião seja em grande parte cerimonial, é quando os líderes estabelecem metas e fundos para a ação para a próxima década”, destaca Morgan Gillespy, do Instituto de Recursos Mundiais (WRI), organização não governamental com sede na Inglaterra. Ela se refere ao fato de o descumprimento das metas não acarretarem sanções aos países. Porém, Gillespy, que participou de uma coletiva de imprensa on-line sobre o evento, destaca que o sucesso de políticas sobre diversidade biológica é crucial para o desfecho positivo da COP-26, do clima, que acontecerá no próximo mês, em Glasgow.
O clima e a biodiversidade dependem um do outro e não podem ser encarados separadamente, sustentam pesquisadores e especialistas em políticas ambientais. Destruição de florestas levam à perda da biodiversidade e contribuem significativamente para o aumento de temperatura; esta, por sua vez, é responsável por alterar biomas, colocando em risco espécies vegetais e animais. “São duas crises mescladas que precisam ser resolvidas juntas. Ecossistemas saudáveis, como florestas e oceanos, armazenam melhor o carbono. E limitar o aquecimento global reduz o risco de desaparecimento de espécies”, disse à agência France-Presse de notícias (AFP) Elizabeth Maruma, secretária-executiva da Convenção de Diversidade Biológica da ONU. “Contamos com a biodiversidade para regular o meio ambiente, para manter um planeta habitável”, lembrou Li Shuo, oficial sênior de políticas públicas sobre o clima do Greenpeace China, em uma entrevista on-line.
Pontos-chave
As metas a serem discutidas concentram-se em três objetivos: conservação da biodiversidade, uso sustentável da biodiversidade e participação justa e equitativa dos benefícios resultantes da utilização dos recursos genéticos. O texto que será discutido agora e no próximo ano trata de 21 ações (veja quadro), que deverão ser colocadas em prática até 2030. Entre elas, a conservação efetiva de pelo menos 30% das terras emergidas e marítimas, a redução de pelo menos metade dos fertilizantes liberados no meio ambiente e de dois terços de pesticidas no mínimo, a eliminação de todos os resíduos do plástico, e a redução de subsídios prejudiciais ao meio ambiente (como o de boa parte do setor agropecuário, segundo relatório da ONU) em pelo menos US$ 500 bilhões.
Outro ponto a ser debatido — e esse costuma ser polêmico nas reuniões tanto de biodiversidade quanto climáticas — é a necessidade de criar mecanismos de financiamento e de acompanhamento efetivo das medidas adotadas, para que não se tornem letra morta, como aconteceu com as metas de Aichi, acordadas no Japão, há uma década. “Para que a COP-15 seja um sucesso, ela deve incluir um acordo global para proteger e conservar pelo menos 30% das terras, da água doce e dos oceanos do mundo até 2030, promover os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios e mobilizar pelo menos US$ 80 bilhões em novos financiamentos para nações em desenvolvimento e comunidades locais para proteger a natureza”, aponta Brian O’Donnel, diretor da ONG Campanha para a Natureza.
Assim como ocorre nas conferências do clima, é difícil chegar a um acordo sobre a responsabilidade de países desenvolvidos, em desenvolvimento e pobres na conservação e na mitigação de danos à biodiversidade. Georgina Chandler, oficial sênior de política internacional da Royal Society for the Protection of Birds (RSPB), no Reino Unido, defende que países-chave para a biodiversidade, como Brasil, Índia e China, sejam incluídos no grupo de alta ambição, mesmo sendo nações em desenvolvimento. “Sabemos que a reunião da próxima semana é o tiro de partida dos próximos seis meses. Ainda temos muitos obstáculos a superar nessa corrida, e precisamos superá-los se quisermos cruzar a linha de chegada e alcançar uma estrutura de biodiversidade ambiciosa.”
Principais objetivos
Realizada em duas etapas — a primeira, começando na próxima segunda-feira, e a segunda, de abril a maio de 2022 —, a Conferência das Partes sobre a Biodiversidade (COP-15) vai, entre outras coisas, discutir 21 metas para 2030. Entre elas:
» Pelo menos 30% das áreas terrestres e marítimas globais (especialmente as de particular importância para a biodiversidade e suas contribuições para as pessoas) conservadas por meio de sistemas de áreas protegidas, ecologicamente representativos e bem conectados, além de outras medidas eficazes de conservação com base em cada região;
» Redução 50% maior na taxa de introdução de espécies exóticas invasoras, controles ou erradicação de tais espécies para eliminar ou reduzir seus impactos;
» Redução dos nutrientes perdidos em pelo menos metade, e do uso de pesticidas em pelo menos dois terços, além da eliminação dos resíduos de plástico;
» Contribuições baseadas na natureza para os esforços de mitigação das mudanças climáticas globais de pelo menos 10 bilhões de toneladas métricas de CO2 por ano, e que todos os esforços de mitigação e adaptação evitem impactos negativos sobre a biodiversidade;
» Redirecionar, reaproveitar, reformar ou eliminar incentivos prejudiciais para a biodiversidade, em uma forma justa e equitativa, reduzindo-os em pelo menos US $ 500 bilhões por ano;
» Aumentar os recursos financeiros de todas as fontes para pelo menos US$ 200 bilhões por ano.
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Desmatamento em alta
O Brasil, que não atingiu nenhuma das metas de Aichi, é citado pelo relatório Panorama da Biodiversidade Global, divulgado neste ano pela Convenção de Diversidade Biológica, pelo papel que desempenha na conservação da maior floresta tropical do mundo, a Amazônica. O documento destaca que, de 2004 a 2012, o desmatamento caiu 84% devido a políticas de prevenção e combate. Também ressalta que, nos últimos anos, essa tendência se inverteu, sendo que, em 2019, a destruição florestal alcançou 10.129 quilômetros quadrados.
Mais 2°C mudariam metade do planeta
De nada adianta traçar metas de conservação da biodiversidade caso as políticas de enfrentamento às mudanças climáticas não sejam efetivadas, sustenta um estudo da Universidade de Montana, nos EUA. Os cientistas investigaram como ecorregiões e biomas nas áreas de conservação afetadas pelo aquecimento global podem se transformar — florestas virando cerrado, por exemplo —, ainda que protegidas formalmente.
Os cientistas dividiram as áreas não oceânicas da Terra em cerca de 800 ecorregiões — um ecossistema definido por geografia e biota distintas. Essas combinações de plantas e animais representam a biodiversidade do planeta. “As mudanças climáticas provavelmente afetarão os ecossistemas representados em áreas protegidas. Mas ainda não está claro como isso ocorrerá”, afirma Solomon Dobrowski, principal autor do artigo e professor da ecologia da paisagem florestal da universidade.
Também não se sabe como isso poderia afetar a eficácia das estratégias de conservação que dependem de áreas protegidas — como o esboço do Quadro de Diversidade Global Pós-2020, mais conhecido como 30 por 30, que prevê a proteção permanente de 30% da Terra até 2030 por meio da expansão da rede de unidades de conservação, entre outras iniciativas. Essa proposta será uma das mais importantes a serem debatidas na COP-15.
Análogos do clima
Os cientistas, então, usaram análogos do clima espacial — locais atuais que compartilham climas semelhantes aos projetados para uma região no futuro — para examinar como um aumento de 2°C nas temperaturas globais poderia alterar a distribuição das ecorregiões. Em seguida, analisaram como essas mudanças afetariam a estrutura 30 por 30. A equipe descobriu que cerca de metade da área terrestre do planeta passará por condições climáticas que correspondem a diferentes ecorregiões. Ou seja, 50% do planeta, tirando os oceanos, terá uma configuração diversa da de agora. “A mudança climática tem o potencial de mudar drasticamente os ecossistemas do planeta”, diz Dobrowski. “Olhamos para o mundo ao nosso redor e vemos ecossistemas que estamos acostumados a ver. Achamos que são estáveis, mas não são. E esses tipos de mudanças vão desafiar nossa capacidade de conservar a biodiversidade globalmente. ”
O grupo criou uma ferramenta on-line, Analog Atlas (https://plus2c.org/), para informar o público sobre as maneiras pelas quais as mudanças climáticas podem alterar os ecossistemas onde vivem. “Os análogos do clima contextualizam as mudanças climáticas fazendo uma pergunta simples: Onde posso encontrar o clima do meu futuro, hoje?”, resume o pesquisador. (PO)