Depois de mais de um ano e meio da pandemia de coronavírus, a incógnita sobre a relação entre cigarro e covid-19 tem sido tamanha que os resultados de diferentes estudos científicos apontaram desde um maior risco para fumantes à possibilidade de um efeito protetivo do tabaco.
Nesta segunda-feira (27/09), pesquisadores das universidades de Oxford e Bristol, no Reino Unido, dizem ter desenvolvido um método inédito para responder a essa pergunta. Em resumo, a resposta que eles dão é: fumar aumenta sim a chance de gravidade e morte por covid-19.
Em uma primeira parte do estudo, os cientistas partiram de um gigantesco banco de dados de saúde do Reino Unido, o UK Biobank, que contém informações sobre meio milhão de pessoas. Eles cruzaram estes dados com informações sobre testes positivos, hospitalizações e mortes por covid-19 em 2020; e também classificaram as pessoas entre as que nunca fumaram; as ex-fumantes; e as fumantes.
Com isso, os autores descobriram que os fumantes tinham 80% mais chances de serem hospitalizados com covid-19 do que as pessoas que nunca fumaram. A probabilidade de morrer pela nova doença chegou a ser de 2 a 6 vezes maior, dependendo da quantidade de cigarros fumados por dia.
Os resultados foram publicados na revista científica Thorax, do grupo de periódicos médicos BMJ, após o trabalho passar pelo processo de revisão dos pares (peer review).
Do meio milhão de pessoas cujos dados estão no UK Biobank, os autores do estudo chegaram a 1.649 pessoas que testaram positivo para o coronavírus em 2020.
Entretanto, não foi constatado no estudo uma relação entre infecção e fumo — ou seja, os resultados mostram que o cigarro aumenta as chances de gravidade de morte, mas não conseguiu constatar maior probabilidade de pegar a doença.
Esta parte do trabalho usa um método observacional, como boa parte de outros estudos científicos que buscaram responder à questão. Pesquisas assim muitas vezes trabalham em cima de dados do passado e que são permeáveis a interferências da "vida real", como o estilo de vida e particularidades locais do grupo estudado. Elas são capazes de estabelecer uma correlação, mas não uma causalidade, entre fatores (no caso, fumo e covid-19).
A segunda parte do estudo da Thorax diz ter sido capaz de mostrar uma relação de causa e efeito entre o tabagismo e a doença, através de um método chamado de randomização mendeliana, que busca identificar características genéticas que sejam preditivas de um fator de risco específico.
Já existe uma literatura que permite mapear variantes genéticas associadas à iniciação ao tabagismo e ao tabagismo pesado. Isso foi feito com dados genéticos do UK Biobank.
"Nossa configuração genética influencia nossa predisposição a vários comportamentos relativos ao fumo — isso ao lado de fatores sociais", explicou o médico e pesquisador Ashley Clift, da Universidade de Oxford, à BBC News Brasil por e-mail.
A predisposição genética à entrada no tabagismo foi associada a uma chance 45% maior de infecção; 60% de internação; e 35% de morte pro covid-19.
Já a predisposição ao fumo pesado elevou as chances de infecção em 2,5 vezes; de hospitalização em 5 vezes; e de morte, em 10 vezes.
"Uma das vantagens cruciais do nosso trabalho é a consideração tanto de análises observacionais quanto genéticas para chegar a conclusões. Isso permite lidar com possíveis limitações de uma única abordagem e focar no conjunto de evidências — que sugere de forma consistente o efeito prejudicial do tabagismo nos quadros de covid-19", apontou Clift.
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