CIÊNCIA

Fim do isolamento social acelera crise climática, diz ONU

Retomada das atividades interrompe queda nas emissões de gases do efeito estufa registrada em 2020 devido à pandemia, alerta órgão

A interrupção das medidas de confinamento social adotadas durante a pandemia da covid-19 pode acelerar o agravamento da crise climática. O alerta foi feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), em um relatório divulgado ontem. No documento publicado a poucas semanas do início da 26º Conferência Sobre a Mudanças Climáticas (COP26), que será realizada no Reino Unido, no próximo mês, a instituição também destaca que limitar o aquecimento global a 1,5ºC será impossível sem um freio imediato e em larga escala das emissões de gases do efeito estufa.

No relatório intitulado Unidos na ciência 2021, publicado por um conjunto de agências da ONU e parceiros científicos, os autores ressaltam que, embora as emissões de gases do efeito estufa tenham registrado queda de 5,6% em 2020 devido à pandemia e à desaceleração econômica, os níveis retornaram aos índices de 2019 após o aumento de atividade nos primeiros sete meses de 2021, em todos os setores, com exceção da aviação e do transporte marítimo. “A redução temporária nas emissões de carbono provocada pela pandemia da covid-19 não conseguiu frear o aquecimento”, informa o documento.

Para os especialistas, o Acordo de Paris, firmado, em 2015, durante a reunião COP21, dificilmente será cumprido no cenário atual. “A menos que aconteça a redução imediata, rápida e em larga escala das emissões dos gases do efeito estufa, limitar o aquecimento a 1,5°C será impossível, o que terá consequências catastróficas para as pessoas e o planeta”, adverte, no documento, António Guterres, secretário-geral da ONU. “Este ano, as emissões de combustíveis fósseis voltaram a subir, a concentração de gases do efeito estufa continua aumentando e alguns episódios meteorológicos graves acentuados pelo homem afetaram a saúde e as vidas em cada continente”, completa.

O relatório também indica que, entre 2017 e 2021, a temperatura média na superfície do planeta está entre 1,06ºC e 1,26ºC acima do nível pré-industrial (1850-1900), e os especialistas calculam que existe 40% de possibilidade de que, em algum dos próximos cinco anos, ela supere a marca de 1,5ºC. Segundo Guterres, o planeta está em um “ponto de inflexão”, e o relatório mostra que “estamos realmente sem tempo”.

Os autores do documento ilustram alguns quadros preocupantes. Segundo eles, embora a onda de calor que atingiu o noroeste do Pacífico, neste ano, tenha sido um evento raro, ela seria “impossível sem a mudança climática causada pelo homem”. Da mesma forma, a ação humana “aumentou a probabilidade e intensidade de fenômenos” como as inundações que atingiram a Alemanha em julho, provocando diversas mortes. “Espero que todas essas questões sejam abordadas e resolvidas na COP26. Nosso futuro está em jogo”, enfatiza o secretário-geral da ONU.

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Alerta reforçado

Jefferson Cardia Simões, professor e pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), avalia que os dados trazidos pelo relatório da ONU reforçam mensagens de diversos especialistas da área e servem como mais um alerta às autoridades. “Muitas pesquisas feitas no ano passado e agora, em 2021, apontaram que esse recuo da indústria durante a pandemia não geraria tantos ganhos assim ao planeta. Era uma ilusão. Não temos tantos ganhos ambientais porque o isolamento foi um período curto para o planeta, precisaríamos de muitos anos de ‘parada’ para colher frutos”, explica. “Nós também não paramos de produzir totalmente, por mais que o consumo tenha sido reduzido.”

Simões destaca que a redução de gases poluentes e o controle da temperatura em 1,5ºC só serão alcançados com um grande empenho dos líderes mundiais, que precisam firmar compromissos mais sólidos durante a COP26. “Toda a comunidade científica tem batido nessa tecla. Mas, à medida que o tempo passa, vemos que isso se torna mais difícil. As autoridades precisam confiar nas previsões dos cientistas, pois eles acertaram no passado, quando disseram que, a partir de 2020, veríamos desequilíbrios ambientais com mais frequência. Agora, as previsões mostram que isso pode se tornar irreversível”, afirma.