Até 85% de espécies da Amazônia em risco de extinção podem ter perdido parte substancial de seu habitat nas duas últimas décadas devido a desmatamentos e incêndios, mostra um estudo publicado na revista Nature. O trabalho, feito por cientistas dos EUA em parceria com brasileiros, indica ainda que mudanças nas políticas públicas relacionadas à conservação ambiental a partir de 2019 podem ter contribuído para esse cenário. Também divulgada ontem, uma pesquisa britânica traz outro dado que sinaliza o quanto à biodiversidade brasileira está em perigo: o país é a nação com o maior número de espécies de árvores ameaçadas em seu território.
A primeira equipe de cientistas combinou dados de satélite relacionados a incêndios que atingiram a região com mapas detalhados, mostrando a distribuição geográfica de 11.514 espécies de plantas e 3.079 animais. Os resultados da análise indicam que entre 77% e 85% das espécies identificadas como ameaçadas pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) perderam pelo menos parte de seu habitat em incêndios ocorridos de 2001 a 2019. “Para cada 10 mil quilômetros quadrados de floresta queimada, cerca de 30 espécies de plantas e 2,5 espécies de animais sofreram perda significativa de habitat”, detalham os autores do artigo.
A Bacia Amazônica tem um papel vital na regulação do clima do planeta e abriga 10% de todas as espécies conhecidas, enfatizam os autores. “A degradação da floresta ameaça a resiliência desse ecossistema, estima-se que cerca de 21 a 40% da cobertura florestal será perdida até 2050, o que terá grandes impactos sobre a biodiversidade dessa região”, relatam no artigo.
Além de analisar o impacto do fogo na fauna e na flora, a equipe avaliou se mudanças na política florestal brasileira influenciaram o alcance das chamas. Os resultados indicam que um fortalecimento da legislação ambiental em meados dos anos 2000 está relacionado a uma redução de queimadas, mas um relaxamento dessas medidas em 2019 “aparentemente começou a reverter essa tendência”. “O impacto dos incêndios foi menor entre 2009 e 2018, e observamos um aumento em 2019, que coincidiu com um relaxamento das políticas florestais no Brasil”, afirmou à Agência France-Presse (AFP) de notícias Xiao Feng, autor principal do estudo e pesquisador da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos.
Segundo os cientistas, os dados reforçam a necessidade do combate a queimadas, a fim de impedir uma perda ainda maior da biodiversidade amazônica e a chegada do fogo ao “coração” da floresta. “Os incêndios já afetaram o habitat de 85,2% das espécies de plantas e animais ameaçados de extinção. As espécies não ameaçadas tiveram 64% de seu habitat impactado pelas chamas”, conta ao Correio Paulo Brando, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e um dos autores do trabalho. Para o brasileiro, o problema deve aumentar em decorrência das mudanças climáticas. “A biodiversidade está sendo destruída pelos incêndios florestais, que devem aumentar com as mudanças climáticas. A floresta vai ficar cada vez mais inflamável, um cenário totalmente propenso a mais perdas.”
Saiba Mais
Ação humana
O levantamento da Organização Botanic Gardens Conservation International (BGCI, em inglês), no Reino Unido, traça um cenário no mesmo sentido. O documento, que avaliou dados de 60 mil espécies de árvores do globo, revela que 30% (17.500) delas estão atualmente em risco de extinção, sendo o Brasil o país que abriga a maior quantidade de espécies que estão em mais risco (1.788).
A análise indica que a agricultura, a extração madeireira e a pecuária são as principais ameaças, mas as mudanças climáticas e as condições meteorológicas extremas representam perigos emergentes. O relatório indica, por exemplo, que uma em cada três árvores atualmente colhidas para obtenção de madeira estão ameaçadas de extinção. “Esses números precisam ser levados a sério, e medidas que impeçam que essas espécies da fauna desapareçam completamente precisam ser adotadas com urgência”, defendem os autores do trabalho.