Pela primeira vez, um anticorpo monoclonal com foco na proteína tau, do cérebro, obteve resultados positivos em um teste clínico para a doença de Alzheimer. Esse tipo de terapia tem sido promissora para algumas enfermidades, incluindo as autoimunes e cânceres diversos.
Em dois estudos anteriores, o semorinemab, da biofarmacêutica suíça AC Immune, decepcionou ao não demonstrar eficácia para pacientes com as formas leve a moderada do mal neurodegenerativo. Agora, segundo um comunicado do laboratório, o remédio foi capaz de reduzir em 43,6% o declínio cognitivo dos pacientes, comparado ao grupo placebo.
O estudo de fase 2, chamado Lauriet, investigou o desempenho dos participantes nos 11 parâmetros da ADCS-ADL, uma escala que avalia a cognição de pessoas com Alzheimer. Iniciado em janeiro de 2019, o teste conta com 272 voluntários com a doença leve a moderada. Eles foram divididos em dois grupos, sendo que nem os próprios voluntários nem os médicos sabiam quem estava sendo tratado com a droga e quem foi incluído no braço do placebo. O resultado final do Lauriet é esperado para 20 de outubro de 2022 — os dados apresentados ontem se referem à avaliação intermediária da droga.
Depois de 49 semanas, os pacientes que receberam o anticorpo monoclonal tiveram melhores escores na escala ADCS-ADL, em comparação com o grupo placebo. Nesse instrumento de avaliação, pacientes e cuidadores são entrevistados e devem relatar o desempenho do doente de Alzheimer em parâmetros como orientação no tempo/lugar, memória e fluência da fala, entre outros. Contudo, o Lauriet não alcançou o outro objetivo, que era reduzir o declínio funcional dos participantes na escala que avalia o desempenho em tarefas do dia a dia.
Ainda assim, a farmacêutica Andrea Pfeifer, cofundadora e presidente da AC Immune, disse que os resultados são animadores. “Os principais resultados do ensaio clínico Lauriet Fase 2 de semorinemab são notáveis, pois é a primeira vez que observamos um efeito terapêutico por uma terapia de anticorpo monoclonal anti-Tau. Também estamos entusiasmados com o fato de que essa é a primeira vez que um anticorpo monoclonal tem um impacto terapêutico na cognição de pacientes com doença de Alzheimer leve a moderada”, disse, em nota.
Ação de bloqueio
Os anticorpos monoclonais funcionam bloqueando moléculas-chave da doença que se quer tratar e são produzidos em laboratório usando células vivas. O semorinemab tem como alvo a proteína tau, que, no caso do Alzheimer, apresenta um funcionamento anormal. Com o tempo, vão sendo desenvolvidos emaranhados no cérebro, e essas estruturas danificadas destroem e matam as células. Embora não seja o único mecanismo associado à doença neurodegenerativa, a tau é um dos focos das pesquisas que buscam um medicamento para retardar a doença.
Até agora, nenhuma droga foi capaz de tratar o Alzheimer — recentemente, o aducanumab foi aprovado nos Estados Unidos com essa indicação, provocando polêmica entre o meio científico. Esse medicamento também é um anticorpo monoclonal, mas age em outra linha, atacando as proteínas beta-amiloides, que, no caso da doença neurodegenerativa, provocam um depósito de gordura no cérebro e a consequente morte dos neurônios.
O problema é que, depois de falhar em diversos testes, o medicamento foi capaz de reduzir o declínio cognitivo em 22% dos voluntários, em comparação com o placebo. A ação foi sobre um sintoma da doença, e não na causa do Alzheimer em si, o que levou cientistas a questionarem a aprovação do aducanumab como tratamento para o mal pela Food and Drug Administration (FDA), o órgão regulatório norte-americano.
Além disso, a droga passou em um dos dois estudos conduzidos simultaneamente, falhando no outro. Ainda assim, muitos médicos comemoraram a aprovação, por ter sido o primeiro remédio a conseguir retardar a evolução do Alzheimer no aspecto cognitivo.
Cautela
No comunicado à imprensa, Andrea Pfeifer afirmou que, embora os resultados do semorinemab tenham sido animadores, é preciso cautela. “Apesar desses resultados interessantes, ainda somos cautelosos sobre o que isso pode significar para os pacientes, uma vez que não houve um impacto na taxa de declínio funcional ou outros desfechos de eficácia”, disse.
“A doença de Alzheimer é crônica e de evolução lenta, e esse pequeno ensaio foi relativamente curto, de 49 semanas. Cientificamente, esses dados são encorajadores para as estratégias terapêuticas direcionadas à tau. Esperamos dados adicionais de nossos outros programas Tau em estágio clínico, uma vacina, em parceria com a Janssen, e um inibidor de agregação de moléculas, em parceria com a Eli Lily.”
Para Bart De Strooper, diretor do Instituto de Pesquisa de Demência, no Reino Unido, os desempenhos dos anticorpos monoclonais na terapia de Alzheimer são positivos. “A busca por tratamentos é difícil porque o cérebro e os distúrbios associados a ele são extremamente complexos; provavelmente, existem várias causas envolvendo várias vias biológicas. Além disso, a doença de Alzheimer progride por um longo tempo, com sintomas, muitas vezes, aparecendo apenas décadas após as primeiras alterações bioquímicas em nosso cérebro”, pondera.
“Estamos vendo agora uma mudança no desenho dos ensaios clínicos, por meio da qual podemos intervir mais cedo na doença, salvando um grande número de neurônios.”