AVANÇOS CIENTÍFICOS

Anticorpo monoclonal é esperança na terapia contra o Alzheimer

Anticorpo reduz em 43% o declínio cognitivo em testes com 272 pacientes que sofrem da forma leve a moderada da doença. Ainda intermediários, os resultados são inéditos

Pela primeira vez, um anticorpo monoclonal com foco na proteína tau, do cérebro, obteve resultados positivos em um teste clínico para a doença de Alzheimer. Esse tipo de terapia tem sido promissora para algumas enfermidades, incluindo as autoimunes e cânceres diversos.

Em dois estudos anteriores, o semorinemab, da biofarmacêutica suíça AC Immune, decepcionou ao não demonstrar eficácia para pacientes com as formas leve a moderada do mal neurodegenerativo. Agora, segundo um comunicado do laboratório, o remédio foi capaz de reduzir em 43,6% o declínio cognitivo dos pacientes, comparado ao grupo placebo.

O estudo de fase 2, chamado Lauriet, investigou o desempenho dos participantes nos 11 parâmetros da ADCS-ADL, uma escala que avalia a cognição de pessoas com Alzheimer. Iniciado em janeiro de 2019, o teste conta com 272 voluntários com a doença leve a moderada. Eles foram divididos em dois grupos, sendo que nem os próprios voluntários nem os médicos sabiam quem estava sendo tratado com a droga e quem foi incluído no braço do placebo. O resultado final do Lauriet é esperado para 20 de outubro de 2022 — os dados apresentados ontem se referem à avaliação intermediária da droga.

Depois de 49 semanas, os pacientes que receberam o anticorpo monoclonal tiveram melhores escores na escala ADCS-ADL, em comparação com o grupo placebo. Nesse instrumento de avaliação, pacientes e cuidadores são entrevistados e devem relatar o desempenho do doente de Alzheimer em parâmetros como orientação no tempo/lugar, memória e fluência da fala, entre outros. Contudo, o Lauriet não alcançou o outro objetivo, que era reduzir o declínio funcional dos participantes na escala que avalia o desempenho em tarefas do dia a dia.

Ainda assim, a farmacêutica Andrea Pfeifer, cofundadora e presidente da AC Immune, disse que os resultados são animadores. “Os principais resultados do ensaio clínico Lauriet Fase 2 de semorinemab são notáveis, pois é a primeira vez que observamos um efeito terapêutico por uma terapia de anticorpo monoclonal anti-Tau. Também estamos entusiasmados com o fato de que essa é a primeira vez que um anticorpo monoclonal tem um impacto terapêutico na cognição de pacientes com doença de Alzheimer leve a moderada”, disse, em nota.

Ação de bloqueio

Os anticorpos monoclonais funcionam bloqueando moléculas-chave da doença que se quer tratar e são produzidos em laboratório usando células vivas. O semorinemab tem como alvo a proteína tau, que, no caso do Alzheimer, apresenta um funcionamento anormal. Com o tempo, vão sendo desenvolvidos emaranhados no cérebro, e essas estruturas danificadas destroem e matam as células. Embora não seja o único mecanismo associado à doença neurodegenerativa, a tau é um dos focos das pesquisas que buscam um medicamento para retardar a doença.

Até agora, nenhuma droga foi capaz de tratar o Alzheimer — recentemente, o aducanumab foi aprovado nos Estados Unidos com essa indicação, provocando polêmica entre o meio científico. Esse medicamento também é um anticorpo monoclonal, mas age em outra linha, atacando as proteínas beta-amiloides, que, no caso da doença neurodegenerativa, provocam um depósito de gordura no cérebro e a consequente morte dos neurônios.

O problema é que, depois de falhar em diversos testes, o medicamento foi capaz de reduzir o declínio cognitivo em 22% dos voluntários, em comparação com o placebo. A ação foi sobre um sintoma da doença, e não na causa do Alzheimer em si, o que levou cientistas a questionarem a aprovação do aducanumab como tratamento para o mal pela Food and Drug Administration (FDA), o órgão regulatório norte-americano.

Além disso, a droga passou em um dos dois estudos conduzidos simultaneamente, falhando no outro. Ainda assim, muitos médicos comemoraram a aprovação, por ter sido o primeiro remédio a conseguir retardar a evolução do Alzheimer no aspecto cognitivo.

Cautela

No comunicado à imprensa, Andrea Pfeifer afirmou que, embora os resultados do semorinemab tenham sido animadores, é preciso cautela. “Apesar desses resultados interessantes, ainda somos cautelosos sobre o que isso pode significar para os pacientes, uma vez que não houve um impacto na taxa de declínio funcional ou outros desfechos de eficácia”, disse.

“A doença de Alzheimer é crônica e de evolução lenta, e esse pequeno ensaio foi relativamente curto, de 49 semanas. Cientificamente, esses dados são encorajadores para as estratégias terapêuticas direcionadas à tau. Esperamos dados adicionais de nossos outros programas Tau em estágio clínico, uma vacina, em parceria com a Janssen, e um inibidor de agregação de moléculas, em parceria com a Eli Lily.”

Para Bart De Strooper, diretor do Instituto de Pesquisa de Demência, no Reino Unido, os desempenhos dos anticorpos monoclonais na terapia de Alzheimer são positivos. “A busca por tratamentos é difícil porque o cérebro e os distúrbios associados a ele são extremamente complexos; provavelmente, existem várias causas envolvendo várias vias biológicas. Além disso, a doença de Alzheimer progride por um longo tempo, com sintomas, muitas vezes, aparecendo apenas décadas após as primeiras alterações bioquímicas em nosso cérebro”, pondera.

“Estamos vendo agora uma mudança no desenho dos ensaios clínicos, por meio da qual podemos intervir mais cedo na doença, salvando um grande número de neurônios.”

Saiba Mais

Mais uma frente de intervenção

A compreensão do papel da proteína tau na doença de Alzheimer levou a novas maneiras de diagnosticá-la, assim como ao desenvolvimento de medicamentos agora em ensaios clínicos, como o semorinemab. O acúmulo da tau está intimamente relacionado ao declínio cognitivo dos pacientes; no entanto, os emaranhados neurofibrilares são apenas uma peça da patologia, e os cientistas têm se esforçado para entender como a lesão das células nervosas dá origem às anomalias da proteína no caso da enfermidade.

Agora, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Boston (BUSM), nos EUA, descobriram um novo tipo de patologia molecular que se acumula nas células nervosas de pacientes com Alzheimer. O estudo foi publicado ontem, na revista Molecular Cell. “Descobrimos que, à medida que as células nervosas lesadas acumulam a proteína danificada, elas deixam uma marca no RNA, que é o material genético que codifica a proteína”, conta Benjamin Wolozin, professor da BUSM e um dos autores do estudo. “A quantidade de RNA marcado, chamado m6A, aumenta cerca de quatro vezes ao longo do curso da doença”, explica.

O grupo de pesquisa de Wolozin mostrou, ainda, que a inibição da via de marcação de RNA protege contra a lesão de células nervosas — a neurodegeneração — associada ao acúmulo de tau danificada. Esse resultado levanta a possibilidade de que o bloqueio desse mecanismo forneça uma nova abordagem para o tratamento de Alzheimer.

Wolozin, então, investigou por que esses marcadores de RNA se acumulam com a doença. O grupo usou a técnica da optogenética combinada com a análise de proteínas para descobrir que há um outro componente, uma proteína de ligação genética chamada HNRNPA2B1, que atua no processo de acúmulo dos emaranhados que matam as células.“Esse trabalho abre um novo caminho que os investigadores podem usar para explorar o processo da doença de Alzheimer e, assim, talvez desenvolver novas abordagens para tratar a doença”, acrescenta Wolozin.

OMS: nova variante parece não estar se espalhando

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou, ontem ,que uma nova cepa do Sars-CoV-2 identificada no fim da semana passada por cientistas africanos não parece estar se disseminando pelo globo. A divulgação on-line de um artigo não revisado pelos pares levantou a preocupação de que a variante — já em circulação na Europa, na Ásia e na Oceania, além da África — se torne mais resistente às vacinas, pois ela apresenta mais mutações que as mutações alfa, beta, delta e gama.

Contudo, em uma coletiva de imprensa, a porta-voz da OMS Margaret Harris disse que “não parece estar aumentando a circulação” da chamada C.1.2. De acordo com ela, por ora, a agência das Nações Unidas não a classifica como preocupante. Já no estudo, os autores dizem que “é de grande preocupação” a quantidade de mutações da cepa, “o que provavelmente terá um impacto sobre a sua neutralização”.

“Os cientistas estão preocupados com a variante por causa da rapidez com que sofreu mutação. Ela também contém muitas mutações que têm sido associadas a uma maior transmissibilidade e a uma capacidade aumentada de evitar anticorpos em outras variantes, disseram os cientistas, embora ocorram em diferentes combinações, e seus impactos sobre o vírus ainda não sejam totalmente conhecidos”, opina o virologista Vinod Balasubramaniam, da Universidade de Monash, na Austrália. Contudo, o especialista não acha que há motivos para pânico. “Pessoalmente, sinto que, no estágio atual, as pessoas não devem se preocupar excessivamente com a C.1.2.. Era de se esperar que variantes com mais mutações surgissem mais tarde na pandemia. Além disso, a C.1.2. ainda representa uma porção muito pequena, embora crescente, de todos os casos da África do Sul. Foi responsável por apenas 1% das amostras em junho e 3% em julho. Já a variante delta estava em 67% e 89% das amostras, respectivamente.” (PO)