"Como a natureza fez para criar um relógio a partir de neurônios?"
Como essa pergunta como ponto de partida, Dean Buonomano, professor de neurobiologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), começou a investigar a forma como nosso cérebro percebe o conceito de tempo.
E várias de suas conclusões o levaram a escrever Your Brain is a Time Machine - The Neuroscience and Physics of Time (em tradução livre, Seu cérebro é uma máquina do tempo - a neurociência e a física do tempo), no qual aborda várias teorias sobre a funcionalidade objetiva da memória e como nosso cérebro tem "vários relógios" que calculam o tempo.
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É por isso que várias revistas especializadas o descrevem como "um dos primeiros neurocientistas a se perguntar como o cérebro humano codifica o tempo".
Em meio a uma pandemia que alterou nossa percepção do tempo, a reportagem da BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol) entrevistou Buonomano a respeito do assunto e sobre temas como livre arbítrio.
BBC - O livre arbítrio é uma ilusão?
Dean Buonomano - Já dedicamos muito tempo a pensar e a escrever sobre o tema, mas poucas vezes nos dedicamos a defini-lo.
Acho que eu começaria por aí: como você definiria o livre arbítrio? O que ele significa para você?
BBC - É difícil. Diria que é a capacidade do ser humano de tomar decisões, mas essa definição pode ser insuficiente. Então devolvo a pergunta: temos livre arbítrio?
Buonomano - Como você acaba de dizer, a resposta da pergunta depende da forma como se escolha definir livre arbítrio. Eu escolho a definição, tenho essa liberdade. É uma decisão tomada pelo meu cérebro.
E, novamente, uma forma de explicá-lo é dizendo que o livre arbítrio são decisões tomadas pelo meu cérebro, que por sua vez define o que é livre arbítrio. Por isso é algo que vai além da ciência ou da física, as transcende.
Digo isso porque, de acordo com as leis da física, o livre arbítrio não existe como tal, porque deve obedecer às leis da física.
Então aqui entra em jogo outro elemento: o determinismo.
E isso nos dá duas visões: a de que o futuro não existe e a de que ele já está determinado, já está previsto.
A primeira versão sinaliza que o futuro não existe, porque ainda não tomamos as decisões que nos vão levar a ele; e a segunda, a de que ele pode estar definido porque não podemos escapar das leis da física.
Mas vamos colocar isso em termos práticos. E aí acho que podemos dizer que o futuro não existe, porque é impossível prever o que as pessoas vão fazer ou como vão se comportar.
Por exemplo, se eu te peço que escolha um número entre zero e mil, é impossível que eu adivinhe qual número você vai escolher. Nessa escolha entram inúmeros fatores, além de eu não ter todas as informações necessárias para poder adivinhar sua escolha.
Como você vê, é um sistema caótico e difícil de se prever; no entanto, segue sendo governado pelo poder da física.
O que quero dizer é que a gente se sente incômoda com a ideia de que nossas decisões sejam limitadas ou determinadas por leis da física. E, mesmo que não gostem, elas o são. Por isso, podemos dizer que o livre arbítrio é uma ideia, uma ilusão.
BBC - Mas como como entra nisso tudo o indivíduo, ou o cérebro dele, que é o centro da sua pesquisa?
Buonomano - O que eu acabei de dizer não significa que na prática todas as ações sejam predeterminadas.
O que eu acredito que é importante é abraçar o fato de que as minhas decisões, meu livre arbítrio, é consequência da gestão de complicadas redes de informação que são ou foram processadas pelo meu cérebro.
E essa informação processada depende de todas as experiências que eu tive na vida. Dependerá do lugar onde cresci, do que aprendi quando era pequeno, dos países que visitei, porque tudo isso molda meus circuitos neurais.
Por isso gosto de pensar no livre arbítrio como todo esse processo que ocorre no meu cérebro.
BBC - De acordo com essa resposta, e com vários dos seus ensaios e livros, também se pode concluir que o futuro já existe e está predeterminado?
Buonomano - Não. Nisso é preciso ter dois pontos de vista que, como você destaca, partem do que falamos antes e têm a ver com a natureza do tempo.
De um lado está uma visão chamada presentista, que diz basicamente que só o presente é real. E que o passado foi real (quando ocorreu).
Ou seja,posso recordar coisas do passado e o futuro não está determinado. Essa é uma versão quase intuitiva, que quase todos os seres humanos temos.
E, além disso, como não podemos mudar o passado, sente-se que nossas decisões estão, de alguma maneira, dando forma a nosso futuro/
Agora, há outra visão chamada eternalismo, ou universo em bloco.
Essa visão aponta que todos os momentos do tempo são iguais, do mesmo modo como todos os pontos no espaço são reais.
Por exemplo: Londres e Los Angeles são duas cidades reais, que existem. Eu estar parado em um desses pontos - Los Angeles - não quer dizer que o que se passa em Londres deixa de ser real.
O que essa teoria quer dizer é que o tempo é uma dimensão, como o espaço, em que todos os momentos do tempo são igualmente reais, mesmo que uma pessoa não possa senti-los ou vivê-los porque está presa em um momento - em seu presente.
Essa visão aponta que, da mesma forma que não posso sentir o que acontece em Londres neste minuto, tampouco poderei sentir com o que vai acontecer no futuro, mas isso não significa que não seja real.
BBC - O senhor está mais próximo à primeira visão (presentista).
Buonomano - O eternalismo, de muitas maneiras, sugere que a nossa percepção de tempo está distorcida ou é uma espécie de ilusão.
Por quê? Porque para nós é difícil mudar a noção de que o futuro é algo real, como se esse caminho já existisse. Então, se o eternalismo estiver certo, nossa visão de tempo (e do mundo em geral) seria enganosa, porque a maioria de nós concorda que sente como se o passado se esvaneceu e o futuro ainda está em aberto.
Essa visão sugere que, possivelmente, nossa intuição e percepção estão muitas vezes equivocadas, mas eu discordo disso muitas vezes porque nossas intuições e percepções se adaptam e evoluem para nos ajudar a sobreviver - novamente - em um universo controlado pelas leis da física.
Por isso, nossas intuições, na minha opinião, provavelmente estão certas, motivo pelo qual sou presentista.
BBC - Ou seja, o futuro não existe?
Buonomano - Não acredito na ideia de que o futuro de alguma maneira exista, ou de que o passado exista de uma forma real.
Acho que só o presente é real. Mas ao dizer algo assim tenho que tomar muito cuidado com a teoria da relatividade.
Porque o ser presentista não significa que todos tenhamos o mesmo presente. Não implica, de forma alguma, que haja um presente absoluto.
Por exemplo, sabemos que os relógios mudam dependendo da velocidade de seu potencial gravitacional. Ou seja, isso implica essa parte da relatividade que aponta que a velocidade com que muda um relógio ou a taxa da passagem do tempo que o relógio conta depende dos efeitos do potencial gravitacional.
A magnitude desse potencial aumenta e diminui conforme a proximidade ao centro de gravidade, seja na Terra ou no espaço. Tudo isso para dizer que os relógios mudam a ritmos diferentes.
O que nos deixa claro que não há um presente absoluto ou mesmo um tempo absoluto.
BBC - Qual a definição do tempo e por que ela é importante?
Buonomano - Vamos voltar ao começo: depende do que definimos como tempo. (...) Em seu principal significado, tem a ver com uma medida de mudança, medida por um relógio.
Mas os fatos que vivemos, os lugares que visitamos, tudo nos faz pensar em versões relativas dessa mudança. Uma versão subjetiva do tempo. Por exemplo, o tempo que acabamos de viver devido à pandemia de covid-19 é totalmente diferente do que vivemos em anos anteriores.
Por isso se faz necessário tentar agrupar e medir de forma mais padronizada o possível essa mudança, porque nossa percepção do tempo varia muito em nossa mente.
BBC - Para o senhor, a pandemia mudou nossa ideia de tempo, então?
Buonomano - Com certeza mudou, mas, novamente, isso tem a ver com a nossa percepção subjetiva do tempo, (...) que depende do contexto.
Se estamos fazendo algo que gostamos ou que nos inspira, é possível que sintamos o tempo passar mais rápido.
A pandemia fez alterar esse contexto, tanto para nossa percepção atual, do presente, quanto para nossa percepção em retrospecto.
Sentimos que os meses passam muito rapidamente. Mas quando olhamos para trás, quando nos falam de algo que aconteceu antes da pandemia, sentimos que faz muito tempo, talvez mais do que realmente passou se não tivesse havido uma pandemia no meio.
BBC - O senhor disse certa vez algo muito interessante, que o cérebro é uma máquina do tempo.
Buonomano - Isso tem a ver com dois conceitos.
O primeiro é o que entendemos por tempo e como se configura nossa concepção do tempo.
Segundo, nosso cérebro tem a habilidade de planejar o futuro. E faz isso usando o passado.
Eu me centrei na ideia de como o cérebro vai armazenando memórias que depois vai usar para nos orientar a seguir adiante. Minha grande motivação é poder ver como isso ocorre e porque o nosso cérebro faz isso.
E acho que uma conclusão a que cheguei é que nossas memórias e recordações estão aí para construir nosso futuro.
Não servem apenas para nossas tardes de recordação, quando dizemos que o tempo que passou era melhor. Elas têm um uso prático.
BBC - Como isso ocorre na prática?
Buonomano - Acumulamos e mantemos nossa memória para sobreviver. Também o fazem os animais que estocam comida para o inverno: lembram onde colocaram os alimentos e voltam para buscá-los.
Nós fazemos isso de outra maneira. Nosso cérebro precisa saber o que vai acontecer e quando - se vai chover e quando. E para fazer esse tipo de cálculo precisa de tempo.
Tanto para os animais quanto para nós, é preciso aprender a nos movermos em nossos ambientes, em nossos habitats.
BBC - E como o cérebro processa isso?
Buonomano - Há muitas perguntas sobre como o cérebro percebe o tempo, como o conta, o recorda, como prevê o que vai acontecer.
Talvez a resposta mais precisa venha de se perguntar como o cérebro humano conceitualiza o tempo, como o conta e o abstrai.
As pessoas podem chegar a pensar que há uma espécie de relógio central, que mede tudo o que estamos fazendo. Mas sabemos que não é assim.
Sabemos que o cérebro não tem um relógio central que lhe permita contar o tempo nessa escala. Temos diferentes circuitos internos que classificam o tempo em segundos, em milésimos de segundos; outros em horas e outros em dias.
E aqui se incluem aqueles que controlam os ritmos circadianos, que marcam o relógio biológico das pessoas durante um intervalo de tempo.
O interessante disso é que, dessa forma, temos vários relógios internos que medem coisas diferentes entre si. E isso nos permite concluir que o tempo é algo fundamental no funcionamento do nosso cérebro.
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