A Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) é uma entre várias técnicas de neuroestimulação (ver Para saber mais), que buscam “reorganizar” a atividade cerebral. Ela foi criada para tratar distúrbios psiquiátricos diversos, principalmente a depressão, com resultados extremamente positivos. Esse sucesso inicial motivou especialistas a testar o método no enfrentamento a outras enfermidades. Pesquisas recentes mostram que pacientes com doenças sem cura, como Parkinson e dores crônicas, apresentaram melhoras significativas após passar por sessões dessa terapia não invasiva. Especialistas também acreditam que a EMT pode ser usada para prevenir enfermidades que geram danos cognitivos na velhice, como o Alzheimer.
A dor crônica é um dos problemas de saúde mais difíceis de serem tratados. Isso acontece porque é difícil determinar quais são as suas causas. Alguns especialistas defendem que a atividade cerebral pode estar relacionada a essa enfermidade, o que incentivou cientistas americanos a testarem a EMT em pacientes com esse diagnóstico.
“Estudos anteriores mostraram que pessoas com dor crônica experimentam oscilações neuronais anormais. Como já trabalhamos há anos com a estimulação transcraniana, resolvemos usá-la em alguns pacientes que não responderam bem ao uso de medicamentos”, explicou ao Correio Flávio Frohlich, psiquiatra e diretor do Centro de Neuroestimulação da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Frohlich e sua equipe selecionaram 20 pessoas com dor crônica na lombar, que passaram por duas sessões — cada uma de 40 minutos — de EMT com três semanas de intervalo. Durante o tratamento, os cientistas direcionaram as ondas magnéticas de estímulo para uma área chamada de córtex somatossensorial. “Nessa região são produzidas ondas cerebrais chamadas de oscilações alfa. Elas surgem quando estamos parados, meditando, por exemplo. A nossa suspeita é que quando estão em desequilíbrio elas podem ser a causa da dor crônica. Nosso objetivo no estudo foi fazer com que a estimulação neural as deixasse em sincronia”, detalhou o autor do trabalho.
A aposta dos cientistas deu certo. Após o tratamento, todos os participantes relataram sentir menos dor e alguns disseram estar totalmente livres do incômodo nas costas. “O empolgante é que esses resultados ocorreram após poucas sessões. Ficamos felizes e esperamos realizar um estudo maior para descobrir qual será o efeito de um tratamento mais longo”, comemorou Frohlich.
O uso da EMT também gerou ganhos no tratamento de uma enfermidade neurodegenerativa, o Parkinson. A descoberta foi feita por pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em um estudo feito com 20 voluntários. Os participantes compareceram a duas sessões, de 30 minutos cada, de exercícios aeróbicos, combinadas com dois tipos de estimulação transcraniana, ativa ou placebo (sem efeitos). Antes e logo após de cada sessão, foram avaliadas funções cognitivas e a atividade cerebral durante a caminhada dos pacientes.
Terapia complementar
Os cientistas observaram que os participantes que receberam o estímulo cerebral apresentaram melhoras na locomoção e um aumento na atividade do córtex pré-frontal, área do cérebro que pessoas com Parkinson usam mais que indivíduos saudáveis, e que é responsável pelo controle do andar. “Mesmo com as limitações do tamanho da amostra, vimos que a estimulação transcraniana aumentou a atividade do córtex pré-frontal. Com uma única sessão associada ao exercício, observamos melhoras, inclusive das funções cognitivas”, declarou à agência Fapesp de notícias Rodrigo Vitório, que atualmente é pesquisador na Faculdade de Ciências e Saúde da Universidade Northumbria, no Reino Unido.
De acordo com os especialistas, a técnica pode ser usada como uma terapia complementar para os pacientes com Parkinson. “A estimulação transcraniana, além de segura, se mostra promissora no sentido de potencializar os efeitos de intervenções e tratamentos”, ressaltou o autor do estudo.
Para Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), o uso da EMT para tratar ou para complementar terapias de mais enfermidades além da depressão é algo promissor, que deve gerar ainda mais frutos no futuro. “Esse é um tipo de intervenção que tem despertado muito interesse na área científica. Mais pesquisas que testem seu uso terapêutico devem surgir”, opinou. “Faz muito sentido avaliar o seu uso em problemas como a dor crônica. Primeiro porque não temos recursos eficientes para tratá-la e porque essa é uma técnica não invasiva, que não agride o paciente. Então, não temos prejuízos. Eu até já participei de uma sessão e vi que é algo bem tranquilo, não te incomoda e nem dói”, relatou.
Lobo destacou que os benefícios verificados nos dois estudos são animadores, porém ressaltou que mais trabalhos precisam ser feitos para entender pontos importantes, como o tempo em que a terapia deve ser usada e quais os perfis de pacientes que serão beneficiados. “Acredito que, na maioria dos casos, a técnica será usada como uma ferramenta extra. Todos esses ajustes também poderão ser definidos com mais análises”, assinalou.