Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) anunciaram que estão prontos para iniciar os estudos clínicos da Spintec, mais uma candidata à vacina contra a covid-19 criada no Brasil.
Os especialistas enviaram na sexta-feira (30/7) um dossiê à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, requisitando a liberação para o início das pesquisas.
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Esse é o terceiro imunizante em desenvolvimento no país a entrar com um pedido desses: em março, o Instituto Butantan, em São Paulo, fez a solicitação para realizar os primeiros testes com a ButanVac.
Naquele mesmo mês, a startup de biotecnologia Farmacore também divulgou o progresso da Versamune, um produto criado em parceria com a Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
No entanto, nenhuma das três deve ficar disponível ainda em 2021: a perspectiva é que as pesquisas só sejam finalizadas no ano que vem e, se os resultados forem bons, a aprovação aconteça no final de 2022.
Mas o que a Spintec traz de diferente? E como ela poderá ajudar a controlar possíveis surtos futuros causados pelo coronavírus?
Uma formulação inédita
O candidato a imunizante foi desenvolvido no CTVacinas, um centro de pesquisa em biotecnologia criado numa parceria entre a UFMG, o Instituto René Rachou da FioCruz e o Parque Tecnológico de Belo Horizonte.
O trabalho é coordenado pelo imunologista Ricardo Gazzinelli, professor da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia.
O imunizante foi feito a partir de uma tecnologia chamada subunidade.
"A Spintec não usa o vírus inteiro inativado, mas um pedaço dele", resumiu o virologista Flávio da Fonseca, um dos participantes do projeto,
Entre as vacinas contra a covid-19 já aprovadas no Brasil e no mundo, não há nenhuma que se baseie nesse princípio — a NVX-CoV2373, desenvolvida pela farmacêutica americana Novavax, parece ser a integrante dessa turma mais próxima de se tornar realidade.
Mas há produtos feitos a partir das tais subunidades já disponíveis contra outras doenças, como aqueles que protegem contra a hepatite B.
A Spintec, no caso, traz em sua formulação uma proteína quimérica, que reúne dois pedacinhos do Sars-CoV-2, o coronavírus responsável pela pandemia atual.
Um desses pedacinhos vem da proteína S, que está presente na espícula, a estrutura da superfície do vírus responsável por se conectar ao receptor das nossas células e dar início à infecção.
O segundo ingrediente dessa receita é um trecho da proteína N, que integra a cápsula protetora do material genético do coronavírus.
A grande vantagem em unir as duas proteínas numa única receita é dar mais previsibilidade diante da ameaça de futuras variantes: a S é facilmente reconhecida pelo sistema imune, mas ela sofre muitas mutações genéticas (o que aumenta o perigo de novas versões do vírus com capacidade de escapar das vacinas já disponíveis). Já a N é mais estável e não sofre alterações nos genes com tanta frequência assim.
A formulação fica completa com a adição do adjuvante, uma substância química que tem o objetivo de chamar a atenção e "acordar" nosso sistema imunológico.
A ideia, então, é fazer com que as células imunes reconheçam essas partículas da vacina e desenvolvam uma resposta contra elas.
Daí, caso o agente infeccioso de verdade tente invadir o organismo, nosso sistema defesa já sabe o que fazer antes que o vírus cause maiores problemas.
O avançar das pesquisas
A Spintec já passou pela fase pré-clínica, em que são feitos testes em animais para ver se o produto é seguro e não causa danos à saúde.
Fonseca explica que a vacina foi aplicada em camundongos, hamsters e primatas.
De acordo com o especialista, os resultados ficaram dentro do que se esperava: a formulação não provocou nenhum efeito colateral em cobaias e foi capaz de estimular a produção de anticorpos contra as proteínas S e N do coronavírus (o que sinaliza uma possível resposta imune).
Foi com base nesses achados, que ainda não foram publicados em periódicos científicos, que os cientistas da UFMG e da FioCruz pediram à Anvisa a liberação dos testes clínicos, que envolvem seres humanos.
Essa etapa do desenvolvimento é dividida em três partes (as fases 1, 2 e 3) e tem como meta avaliar a segurança e a eficácia do candidato a imunizante.
Os especialistas brasileiros querem realizar a primeira e a segunda etapa do estudo ao mesmo tempo. Essa mesma tática foi utilizada por outros laboratórios que já estão com seus produtos no mercado.
A fase 1, em que serão recrutados 40 voluntários, vai medir a segurança da Spintec, para ter certeza que ela não provoca mesmo eventos adversos dignos de nota.
Já a fase 2 vai reunir entre 150 e 300 participantes e espera determinar a dosagem ideal do imunizante. Aqui também será observado se ele é capaz de gerar uma boa reação de anticorpos e células de defesa.
Planejamento, prazos e dúvidas
Os pesquisadores esperam agora o ok da Anvisa. Se toda a documentação estiver certa, a agência demora cerca de 72 horas para dar um parecer.
Com a liberação, a meta é iniciar essas duas primeiras etapas dos testes clínicos no final de setembro. Eles demorarão três ou quatro meses para serem finalizados.
Isso significa, portanto, que esses resultados estarão disponíveis no começo de 2022.
Se eles forem bons o bastante, será possível partir para a fase 3 que, mesmo num cronograma bem apertado, vai exigir mais um semestre de trabalho.
Numa perspectiva otimista, portanto, a Spintec ficaria disponível a partir do final do ano que vem (isso, claro, se ela realmente comprovar a segurança e a eficácia nos estudos).
Mas será que faz sentido continuar investindo em novas vacinas contra a covid-19 diante do fato de que a população brasileira deve estar 100% vacinada até o final de 2021?
Um detalhe no planejamento dos testes clínicos da Spintec ajuda a responder a essa pergunta: todos os futuros participantes das fases 1 e 2 do estudo deverão ter tomado as duas doses da CoronaVac (Instituto Butantan/Sinovac) há pelo menos seis meses.
O produto novo, então, funcionaria como um reforço, se houver necessidade de novas aplicações para manter a proteção contra a covid-19 em dia.
"A chegada das vacinas brasileiras está tarde para a atual onda. A gente espera que, até o final de 2022, a população brasileira esteja protegida", avaliou Fonseca.
"Mas e se daqui a dois anos a gente precisar vacinar todo mundo de novo? Vai ser o mesmo pinga-pinga de doses que vivemos agora?", perguntou.
"Por isso a gente precisa de independência na questão da vacina até para ter autonomia na decisão e na produção de nossos próprios insumos. A agilidade é essencial e estratégica para o Brasil", finalizou o virologista.
A fase pré-clínica da Spintec foi custeada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Para pagar a fabricação dos lotes pilotos do imunizante (que estão sendo produzidos na Universidade do Nebraska, nos Estados Unidos) e realizar as fases 1 e 2 dos testes clínicos, serão gastos cerca de R$33 milhões. Esses recursos foram obtidos por meio de emendas parlamentares e pela Prefeitura de Belo Horizonte.
Já a fase 3 custará ao redor de R$300 milhões, mas ainda não há previsão de onde viria esse dinheiro.
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