A leucemia é um câncer caracterizado pelo acúmulo de células sanguíneas defeituosas que atrapalham a produção do sangue. Para eliminá-las, um dos tratamentos mais eficazes é o transplante da medula óssea, justamente a “fábrica” que as produz. A abordagem, porém, esbarra na dificuldade de encontrar doadores. Uma pesquisa feita por cientistas do Canadá pode resultar em uma terapia mais simples contra essa enfermidade.
Eles identificaram um mecanismo presente nas células doentes que pode ajudar a silenciá-las. A equipe acredita que o resultado do trabalho, publicado na revista especializada Cell Stem Cell, abre caminho para o desenvolvimento de tratamentos terapêuticos mais eficazes também para outros tipos de tumor.
No estudo, os especialistas resolveram estudar a fundo o funcionamento dos lisossomos, que são organelas presentes em todas as células. Antigamente, acreditava-se que essas moléculas, que estão ligadas à membrana celular, eram apenas uma “lata de lixo das células, que reciclava o material residual produzido por elas.
No entanto, investigações recentes apontam uma atividade mais complexa desempenhada por esses elementos. “A nossa pesquisa se baseia em novos dados sobre lisossomos que mostram que eles atuam como centros de sinalização-chave, regulando o funcionamento das células-tronco hematopoéticas, responsáveis pela produção sanguínea”, relatam no artigo.
Por meio de análises laboratoriais, os cientistas observaram que os lisossomos atuam constantemente como um sensor de equilíbrio, sendo, assim, um dos principais responsáveis pelo funcionamento das células. “Nossos dados mostraram que o lisossomo que está dentro das células, mesmo nas doentes, é muito ativo. Ele atua no transporte de nutrientes, por exemplo”, detalham os autores.
Para a equipe, a descoberta desse mecanismo é extremamente importante, pois permite a criação de métodos que interfiram na ação dos lisossomos, podendo, assim, silenciar as células hematopoéticas cancerígenas.
“Nosso estudo descobriu um novo mecanismo de dormência. Poderemos aproveitar o conhecimento dessa organela, o lisossomo, para manter as células nocivas dormentes. Isso abre um novo caminho, em que os lisossomos podem ser potencialmente aproveitados como um alvo terapêutico”, declara, em comunicado, Laura Garcia-Prat, pesquisadora do Centro de Tratamento de Câncer Princess Margaret.
Transplante
Os pesquisadores destacam que, todos os anos, dezenas de milhares de pessoas em todo o mundo recebem transplantes de medula óssea para ajudar a combater a leucemia. Mas encontrar um doador compatível pode ser um desafio, especialmente em diferentes comunidades étnicas, em que as listas de doadores podem não ser extensas ou nem existir.
“Mesmo as células-tronco encontradas no sangue do cordão umbilical, que também são uma opção usada para pacientes com leucemia, não nos ajudam tão bem, já que o número encontrado costuma ser muito baixo para um receptor adulto. Precisamos de uma opção mais simples e eficaz” enfatizam, no artigo.
Rafael Vasconcelos, hematologista da oncologia do Hospital Santa Marta, em Brasília, destaca que os dados da pesquisa canadense são importantes e podem indicar o desenvolvimento de mais tratamentos oncológicos. “É um estudo muito interessante, pois temos, possivelmente, o início de uma nova linha terapêutica. Isso seria algo muito bem-vindo, já que, em muitos casos dessa doença, as opções disponíveis não geram as respostas positivas que esperamos”, justifica. “A estratégia de deixar as células danosas dormentes seria algo totalmente novo. Além disso, poderia ser uma saída mais simples, caso essas alterações nos lisossomos consigam ser feitas com o auxílio de um medicamento, por exemplo.”
Vasconcelos acredita que mais pesquisas precisam ser realizadas para saber se esse mesmo mecanismo poderá ser usado também no tratamento de outros tipos de tumores. “Nesse caso, foram estudadas apenas as células responsáveis pela atividade sanguínea. Temos que avaliar, com mais cuidado, outras áreas para saber se o mesmo tipo de intervenção pode auxiliar a conter outros tipos de células danosas. Isso é algo que só saberemos com mais análises mesmo”, afirma.
Os autores da pesquisa adiantam que realizarão novos estudos e acreditam que investigações mais amplas também podem ser feitas por outras equipes. “Somos um dos poucos laboratórios no mundo que trabalha com células-tronco hematopoéticas humanas. Então, isso faz uma grande diferença em termos de traduzir nossa pesquisa em tratamentos para humanos. Acreditamos que, com algumas parcerias, podemos chegar a novas terapias em bem menos tempo”, aposta Garcia-Prat.