O Brasil não quer que você durma. Ou, pelo menos, tem dificultado nossas noites de sono. Como se não bastasse a pandemia, ainda embrulhamos nosso pacote de ansiedades com crise política, problemas econômicos e uma Olimpíada realizada em um fuso horário que nos faz acordar no meio da madrugada.
"Eu sempre tive um sono pesado, mas, do ano passado para cá, tudo virou do avesso. A pandemia fez com que eu trocasse a noite pelo dia. Não consigo dormir, desperto com ansiedade à flor da pele. Tive até burnout (distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema, sempre relacionada ao trabalho)", contou a confeiteira Tatiana Branco, de 38 anos.
Uma pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto do Sono revelou que a dificuldade de dormir afeta 66,8% dos brasileiros na pandemia. O levantamento ouviu 1.600 pessoas de 24 Estados no Brasil, que responderam a um questionário virtual. Além disso, 59,4% das pessoas acordam mais vezes durante a noite.
Ultimamente, a Olimpíada no Japão também reflete nos problemas de sono da confeiteira Tatiana Branco. "Deixei a TV ligada para ver um pouco do futebol feminino. Daí o Brasil ganhou de 5 a 0 da China. A cada gol eu despertava um pouco. Não consegui mais pegar no sono depois", lembrou.
O médico e pesquisador do Instituto do Sono Sergio Brasil Tufik explica a diferença entre sofrer de insônia ou ter apenas uma noite mal dormida: "Para ser considerado que a pessoa sofre de insônia, ela precisa ter três noites por semana com dificuldade para dormir, por pelo menos três meses, mesmo com condições propícias para o sono".
Tufik elencou os fatores que podem tirar o sono dos brasileiros no momento. "Primeiro, claro, a preocupação com a própria saúde e a dos familiares; depois, a gente ainda tem as questões econômicas e a conjuntura política. Esses fatores geram preocupações que compõem riscos para a insônia", afirmou.
Para o coordenador do Departamento do Sono do Hospital Santa Paula, Luiz Fernando Lobo, a insegurança em relação ao futuro está tirando o sono do brasileiro. "A preocupação com a pandemia, o emprego, as contas a pagar. Tudo isso gera insegurança. O que nos apavora é o desconhecido", disse. Para Lobo, o básico para tentar se livrar deste acúmulo de estresse é falar. "Toda emoção que se vive tem que ser verbalizada, precisamos falar sobre o que estamos vivendo."
Sobre os Jogos Olímpicos, Tufik apontou a mudança na rotina como o principal fator de alteração do sono. "Acordar de madrugada para ver os jogos mexe com a nossa rotina - e isso altera o nosso sono. Se a pessoa não tiver alguma forma de compensar ao longo do dia, dormindo em outro horário, essa privação pode causar problemas", disse.
Outra insone, Tatiana Santos Veríssimo de Lima, de 35 anos, coordenadora de habitação da subprefeitura de Freguesia/Brasilândia, conta que sempre teve olheiras de insônia. "Eu tento não mexer no celular na hora de dormir, mas acabo pesquisando coisas do trabalho e não consigo mais pegar no sono. Já tentei de tudo."
Aquela "olhadinha" no celular antes de dormir ou simplesmente dormir com o celular ao lado da cama é um fator de risco para quem quer dormir direito. "As pessoas recebem muitos estímulos. Antes era só a TV, mas agora com celulares e computadores são estímulos que pedem mais interatividade e exigem atenção", comentou Tufik.
Lobo afirmou que o "bombardeamento de informações com pouco processamento destas informações" é um dos fatores que provocam dificuldade em dormir. "A gente vive em um sistema binário. Não processamos informações. Você está conversando com alguém e esse alguém já corre para o Google. É um 'chega e responde' (de informação), sem reflexão. Em uma cidade como São Paulo isso fica até opressor."
Oito horas
Muita gente reclama de não conseguir dormir as tais 8 horas por dia. Mas será que elas são realmente necessárias? De acordo com Laura Castro, psicóloga do sono e diretora de psicologia dos Vigilantes do Sono, cada corpo reage de uma forma e nem todas as pessoas precisam das 8 horas. "Não é todo mundo que responde à meditação, aos exercícios físicos. Cada caso é uma história diferente e precisa de um acompanhamento individualizado."
Tufik explica que existem "curtos dormidores". "São pessoas que dormem apensas 5 horas e estão bem. Por outros lado, tem gente que precisa de 10 ou 11 horas de sono. Esse período necessário de sono também vai variando de acordo com a idade."
Sonambulismo
Alguns casos de insônia desenvolvem-se de forma muito grave, como o de Selma Aguilera, de 60 anos, técnica em eletrocardiograma. Do início da pandemia para cá, a insônia dela piorou bastante. "Existe uma ansiedade que não me permite sequer ficar deitada. Eu tomo remédios para dormir. E eles já não ajudam. Só de imaginar que vou deitar e não vou conseguir pegar no sono já fico nervosa", contou. O pior é que, quando adormece, ela faz coisas dormindo e não se lembra.
"Quando dou por mim, tem caixas de Bis, pipoca e sucos na cama. Coisas que não lembro de pegar na cozinha. Pior, faço compras pela internet. No dia seguinte, preciso correr e ligar para o banco e tentar cancelar as operações", disse. Selma iniciou uma série de exames no Instituto do Sono para descobrir uma forma de tratar sua insônia e seu provável sonambulismo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.