Em três décadas, o número de adultos acima de 30 anos convivendo com hipertensão arterial dobrou no mundo, com o maior aumento de casos observado em países pobres e em desenvolvimento. Já naqueles com renda mais alta, a prevalência dessa condição — associada a doenças cardiovasculares e acidente vascular cerebral (AVC) — declinou, ao mesmo tempo em que os sistemas de saúde atingiram taxas de tratamento de até 80%, com 60% de pacientes controlados.
Baixo índice de detecção e, consequentemente, de cuidados adequados persistem nas nações mais pobres do globo, como as da África subsaariana, da Oceania e do sudeste asiático, mostra o maior estudo já realizado sobre o tema, publicado, ontem à noite, na revista The Lancet. De acordo com a pesquisa, mais de 1,2 bilhão de adultos tinham hipertensão em 2019.
O artigo, financiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), traz dados de 1.201 estudos referentes a 184 países, incluindo o Brasil, e cobre 99% da população mundial na faixa etária analisada (30 a 79 anos). Além de ser um fator de risco para a covid-19 grave, a hipertensão arterial está diretamente ligada a mais de 8,5 milhões de mortes em todo o mundo a cada ano, e é o principal desencadeador de AVC, doença isquêmica do coração, outras condições vasculares e comprometimento renal.
Segundo um estudo anterior, também divulgado pela The Lancet, a redução da pressão arterial pode diminuir o número de AVCs em 35% a 40%; de ataques cardíacos em 20% a 25% e de insuficiência cardíaca em cerca de 50%.
Estatisticamente, não houve alteração significativa na prevalência da hipertensão arterial (veja Sinais de alerta), mas preocupam os autores do artigo o fato de que, no mundo, 41% das mulheres e 51% dos homens com o problema não tiveram diagnóstico apropriado. Entre aqueles que têm a condição confirmada, são baixos os percentuais de pacientes em tratamento e ainda mais reduzidos os índices de controle da popularmente chamada pressão alta. Na Oceania, por exemplo, até 97% da população do sexo feminino que se trata não está com a doença controlada.
“As baixas taxas de detecção e tratamento que persistem nas nações mais pobres do mundo, juntamente ao número crescente de pessoas que têm hipertensão, transferirão uma parcela cada vez maior da carga de doenças vasculares e renais para a África subsaariana, a Oceania e o sudeste da Ásia”, advertiu, em nota, a coautora Leanne Riley, da OMS na Suíça. “A melhoria da capacidade desses países de detectar e tratar a hipertensão como parte da atenção primária à saúde e da cobertura universal de saúde deve ser acelerada.”
Avanços
Já nos países de alta renda, como Espanha, Alemanha, Suíça e Reino Unido, as taxas reduziram drasticamente. O Peru também aparece no estudo como a nação que, ao lado do Canadá, apresentou menor proporção de pessoas que vivem com hipertensão: cerca de uma em cada quatro pessoas de 30 a 79 anos. O Brasil tem prevalência alta (entre 40% e 50% para mulheres e homens), mas o estudo destaca que o país é um dos que, nos últimos 30 anos, apresentaram melhoria no diagnóstico, no tratamento e no controle da condição médica.
O cardiologista Ernesto Osterne reconhece os avanços brasileiros no período, mas destaca desafios (leia entrevista). “O Brasil ainda precisa melhorar muito em termos de diagnóstico, acompanhamento, tratamento e no fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).”
A melhoria no tratamento e controle também foi observada em países de renda alta, com o Canadá, Islândia e Coreia do Sul, e de nações em desenvolvimento, como a Costa Rica. O estudo mostra, contudo, poucas mudanças nesse sentido na África Subsaariana, na Oceania, no Nepal e na Indonésia — onde menos de 1/4 das mulheres e 1/5 dos homens com hipertensão arterial estavam sendo tratados em 2019, e menos de 10% tinham a pressão bem controlada.
“Há uma necessidade urgente de transformação e abordagens inovadoras para reduzir o fardo da hipertensão em todo o mundo. Precisamos de melhores estratégias para aumentar o diagnóstico e a gestão, aproveitando a atenção primária ou os sistemas existentes ou identificando novos métodos para envolver os pacientes na gestão da pressão arterial”, disse Clara Chow, pesquisadora da Universidade de Sydney e autora de um artigo sobre o estudo, também publicado na The Lancet.
Telemedicina, equipamentos baratos e eficazes de monitoramento doméstico e lembretes como mensagens de texto no celular para melhorar a adesão ao tratamento são algumas das estratégias citadas por ela.
Três perguntas / Ernesto Osterne - cardiologista do Hospital Anchieta de Brasília
Estatisticamente, o percentual de adultos com hipertensão não variou muito nos últimos 30 anos, mas, numericamente, dobrou. Para os sistemas de saúde, o que significa esse aumento expressivo?
Para o sistema de saúde, há implicações para toda a cadeia: primária, secundária e terciária. Na atenção primária, implica na necessidade da detecção da hipertensão com um clínico ou cardiologista; na disponibilização, pelo sistema de saúde, de medicamentos eficazes para o controle da hipertensão, e nas medidas de controle não-farmacológico, como perda de peso, atividade física etc.
Já falando em um aspecto secundário ou terciário, se aumenta o número de pacientes com hipertensão, também aumenta o número de pacientes com complicações, são aqueles portadores de um acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência renal crônica, paciente portador de uma insuficiência cardíaca hipertensiva e isso demanda mais internações, leitos e custos.
Mas sabemos também que nos últimos 30 anos não dobrou o número de leitos ou de médicos atendendo pacientes com hipertensão. Isso, com certeza, é um problema para o sistema de saúde. É preciso investir mais em atenção primária, secundária e terciária, assim como nas complicações da hipertensão arterial.
O senhor poderia avaliar o desempenho brasileiro em termos de diagnóstico, tratamento e casos sob controle nos últimos 30 anos?
Nos últimos 30 anos, houve um aumento no número de diagnósticos no Brasil também, até pelo fato de ter havido uma melhora socioeconômica; os pacientes tiveram um pouco mais de acesso, principalmente, à atenção primária para o diagnóstico de hipertensão, e o tratamento está sendo disponibilizado por programas de governo, com medicações sem custo ou com custo mais baixo de várias classes.
Mas a doença também está crescendo devido a uma série de problemas como obesidade, sedentarismo, tabagismo, e isso ainda influi muito. E cada vez mais está se tendo diagnóstico de pacientes mais jovens. O Brasil ainda precisa melhorar muito em termos de diagnóstico, acompanhamento, tratamento e no fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) para a gente poder fazer um diagnóstico ainda maior, sobretudo nas classes menos favorecidas.
Nos países onde o diagnóstico é maior, incluindo nos de baixa renda, houve melhoria nas taxas de tratamento e de controle da doença em três décadas. Essa é a peça-chave para que doenças cardiovasculares deixem de serem as que mais matam no mundo?
Com certeza. Se você faz um diagnóstico precoce em um paciente com hipertensão e tiver políticas de governo e uma boa educação do paciente para tomar medidas não farmacológicas, como atividade física, perda de peso, deixar o tabagismo, haverá um maior controle. E também as medidas farmacológicas, como medicações disponibilizadas pelo SUS e as de baixo custo, nas farmácias populares. Essas medidas são fundamentais, porque você abrange tanto os pacientes que não têm muito acesso quanto os que têm um nível socioeconômico melhor. Disponibilizando o tratamento precoce e adequado, com certeza vamos reduzir as taxas de doenças cardiovasculares, principalmente as relacionadas à hipertensão.
Sinal de alerta
O número de pessoas entre 30 e 79 anos com hipertensão dobrou de 1990 a 2019, passando de 331 milhões de casos em mulheres para 629 milhões; e de 317 milhões de ocorrências em homens para 652 milhões. Confira alguns dados da pesquisa da OMS:
• Estatisticamente, a prevalência da hipertensão em adultos de 30 a 79 anos em 2019 era de 32% (mulheres) e 34% (homens). Os percentuais são similares aos de 1990: 32% (mulheres) e 32% (homens).
• 59% das mulheres com hipertensão foram diagnosticadas; 47% tratadas e 23% estão com a condição sob controle.
• 49% dos homens com hipertensão foram diagnosticados; 38% tratados e 18% estão com a condição sob controle.
• Nacionalmente, a prevalência de hipertensão em 2019 era mais baixa no Canadá e no Peru (tanto mulheres quanto homens). Os maiores índices estavam na Europa ocidental e central, Ásia Central, Oceania, sudeste da África e em alguns países da América Latina e do Caribe, como Paraguai e República Dominicana.
• Coreia do Norte, Canadá e Islândia têm as maiores taxas de tratamento entre diagnosticados (mais de 70%), sendo que 50% destes estão sob controle.
• No outro extremo, as taxas de tratamento eram menos de 25% para mulheres e menos de 20% para homens no Nepal, na Indonésia e em muitos países na África subsaariana e na Oceania.
• As melhorias no diagnóstico, no tratamento e no controle da doença foram maiores em países ricos e da Europa Central. Algumas nações em desenvolvimento, como Brasil, África do Sul, Costa Rica, Chile, Turquia e Irã, também melhoraram significativamente o tratamento e o controle da hipertensão.
Fonte: OMS/The Lancet
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Três perguntas / Ernesto Osterne - cardiologista do Hospital Anchieta de Brasília
Estatisticamente, o percentual de adultos com hipertensão não variou muito nos últimos 30 anos, mas, numericamente, dobrou. Para os sistemas de saúde, o que significa esse aumento expressivo?
Para o sistema de saúde, há implicações para toda a cadeia: primária, secundária e terciária. Na atenção primária, implica na necessidade da detecção da hipertensão com um clínico ou cardiologista; na disponibilização, pelo sistema de saúde, de medicamentos eficazes para o controle da hipertensão, e nas medidas de controle não-farmacológico, como perda de peso, atividade física etc. Já falando em um aspecto secundário ou terciário, se aumenta o número de pacientes com hipertensão, também aumenta o número de pacientes com complicações, são aqueles portadores de um acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência renal crônica, paciente portador de uma insuficiência cardíaca hipertensiva e isso demanda mais internações, leitos e custos. Mas sabemos também que nos últimos 30 anos não dobrou o número de leitos ou de médicos atendendo pacientes com hipertensão. Isso, com certeza, é um problema para o sistema de saúde. É preciso investir mais em atenção primária, secundária e terciária, assim como nas complicações da hipertensão arterial.
O senhor poderia avaliar o desempenho brasileiro em termos de diagnóstico, tratamento e casos sob controle nos últimos 30 anos?
Nos últimos 30 anos, houve um aumento no número de diagnósticos no Brasil também, até pelo fato de ter havido uma melhora socioeconômica; os pacientes tiveram um pouco mais de acesso, principalmente, à atenção primária para o diagnóstico de hipertensão, e o tratamento está sendo disponibilizado por programas de governo, com medicações sem custo ou com custo mais baixo de várias classes. Mas a doença também está crescendo devido a uma série de problemas como obesidade, sedentarismo, tabagismo, e isso ainda influi muito. E cada vez mais está se tendo diagnóstico de pacientes mais jovens. O Brasil ainda precisa melhorar muito em termos de diagnóstico, acompanhamento, tratamento e no fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) para a gente poder fazer um diagnóstico ainda maior, sobreuto nas classes menos favorecidas.
Nos países onde o diagnóstico é maior, incluindo nos de baixa renda, houve melhoria nas taxas de tratamento e de controle da doença em três décadas. Essa é a peça-chave para que doenças cardiovasculares deixem de serem as que mais matam no mundo?
Com certeza. Se você faz um diagnóstico precoce em um paciente com hipertensão e tiver políticas de governo e uma boa educação do paciente para tomar medidas não farmacológicas, como atividade física, perda de peso, deixar o tabagismo, haverá um maior controle. E também as medidas farmacológicas, como medicações disponibilizadas pelo SUS e as de baixo custo, nas farmácias populares. Essas medidas são fundamentais, porque você abrange tanto os pacientes que não têm muito acesso quanto os que têm um nível socioeconômico melhor. Disponibilizando o tratamento precoce e adequado, com certeza vamos reduzir as taxas de doenças cardiovasculares, principalmente as relacionadas à hipertensão. (PO)
Sinal de alerta
O número de pessoas entre 30 e 79 anos com hipertensão dobrou de 1990 a 2019, passando de 331 milhões de casos em mulheres para 629 milhões; e de 317 milhões de ocorrências em homens para 652 milhões. Confira alguns dados da pesquisa da OMS:
• Estatisticamente, a prevalência da hipertensão em adultos de 30 a 79 anos em 2019 era de 32% (mulheres) e 34% (homens). Os percentuais são similares aos de 1990: 32% (mulheres) e 32% (homens).
• 59% das mulheres com hipertensão foram diagnosticadas; 47% tratadas e 23% estão com a condição sob controle.
• 49% dos homens com hipertensão foram diagnosticados; 38% tratados e 18% estão com a condição sob controle.
• Nacionalmente, a prevalência de hipertensão em 2019 era mais baixa no Canadá e no Peru (tanto mulheres quanto homens). Os maiores índices estavam na Europa ocidental e central, Ásia Central, Oceania, sudeste da África e em alguns países da América Latina e do Caribe, como Paraguai e República Dominicana.
• Coreia do Norte, Canadá e Islândia têm as maiores taxas de tratamento entre diagnosticados (mais de 70%), sendo que 50% destes estão sob controle.
• No outro extremo, as taxas de tratamento eram menos de 25% para mulheres e menos de 20% para homens no Nepal, na Indonésia e em muitos países na África subsaariana e na Oceania.
• As melhorias no diagnóstico, no tratamento e no controle da doença foram maiores em países ricos e da Europa Central. Algumas nações em desenvolvimento, como Brasil, África do Sul, Costa Rica, Chile, Turquia e Irã, também melhoraram significativamente o tratamento e o controle da hipertensão.
Fonte: OMS/The Lancet